UM BOM VIZINHO
PRIMEIRO CAPÍTULO
I
Mário Regino assistia o programa Esporte
Espetacular enfiado na sua velha poltrona de couro desfrutando a
paz que reinava no ambiente já que Laurinda, sua esposa, ainda
continuava agarrada pelos braços de Morfeu quando de repente
escutou vindo do corredor do lado de fora móveis sendo
arrastados de frente à porta do seu apartamento. Levantou-se da poltrona com certa dificuldade e foi arrastando os
chinelos de dedo pelo sinteco de tacos gastos e abriu a porta para saber quem era o responsável pelo barulho.
No apartamento 802, viu que a porta estava
aberta e dois homens carregavam um armário na sala vazia. Um rapaz magro e com
cabelos crespos estava parado no corredor ao lado da soleira da porta
observando o movimento dos homens da mudança. O rapaz ouviu a porta do vizinho
se abrindo, virou-se rápido e mostrou um sorriso exibindo dentes perfeitos e
brancos. Ele disse:
- Bom dia! Tomara que esse barulho não esteja
incomodando o senhor em pleno domingo!
Mário Regino retrucou:
- Não me incomodou em nada. Estranhei um pouco
porque o dia para mudanças sempre é nos sábados.
- Ia ser ontem, mas tivemos que embalar tudo
correndo para poder entregar o apartamento que alugávamos. Graças a Deus,
esse aqui é nosso.
- Isso é bom - disse Mário Regino enquanto avaliava
o jovem na sua frente com seus olhos porcinos. - E sua família é grande?
O jovem riu.
- Não, por enquanto só eu e minha esposa. Somos
recém-casados.
Mário Regino concordou e sorriu,mostrando
seus dentes pequenos e amarelos :
- Bacana. Meus parabéns. Sejam bem vindos,
vizinhos.
Dois homens com uniforme pediram licença e passaram
por eles carregando uma geladeira frost free e foram direto para a cozinha do
apartamento. Enquanto Mário Regino avaliava o preço daquela geladeira, ouviu
uma voz de mulher; provavelmente era a esposa do rapaz.
- Mas que educação minha - disse o jovem batendo na
testa e estendeu a mão. - Meu nome é Rodrigo.
- Oi, Rodrigo, e o meu é Mário Regino - ele
estendeu sua mão balofa e apertou a outra com força. - Vou repetir de novo que
o casal seja bem vindo,e precisando de alguma coisa é só bater . Vizinhos são
pra isso mesmo!
Rodrigo riu.
- Tem toda razão, e te digo o mesmo.
Uma moça loura de corpo esguio, veio da cozinha.
Ela vestia uma camiseta branca e um pequeno short que exibia grossas coxas.
Rodrigo passou seu braço em torno da cintura dela e apresentou:
- Amor, esse é nosso vizinho Mário Regino. Minha
esposa, Samanta.
Mário Regino balançou a cabeça fingindo
desinteresse, mas seus olhos varriam todo corpo da moça avaliando. Sentiu uma
súbita ereção e pôs as mãos em frente para disfarçar. Disse:
- Qualquer coisa, é só bater.
Antes de fechar e trancar a porta, arriscou uma
última olhada para o jovem casal e os móveis que enchiam o apartamento deles.
II
Mário Regino lia o jornal no momento que sua esposa
Laurinda acordou. Ele baixou o jornal no seu colo e conferiu que no seu relógio
de pulso marcava onze e meia da manhã.
Laurinda saiu do quarto com uma velha camisola que
cobria um corpo magro e seco. Tinha os cabelos embaraçados com alguns grampos
presos e pendurados. Mário Regino comentou:
- A cama tava boa! Teve uma hora que achei que
tinha morrido. Mas seria muita sorte para mim...
- Não enche o saco, Regino - disse Laurinda, a voz
pastosa. - Essa noite mal preguei o olho. E ainda hoje de manhã, com
aquela barulheira lá fora...
"O que você sabe é dormir, fumar e ver
televisão. Que bela mulher que tenho", pensou Mário Regino.
No almoço, Mário Regino ouviu vozes vindo do
apartamento vizinho. Deduziu que fosse a família do rapaz ou da esposa gostosa.
Enquanto enrolava o macarrão no garfo, viu Laurinda, que já tinha
terminado de comer ,sentada na sua frente em silêncio e acendendo um
cigarro fedorento na mesa com um isqueiro BIC; Sua vontade era
pegar o seu prato cheio de macarrão com molho de salsicha e joga-lo na cara
dela. Procurou manter o controle, continuou mastigando e aguçou a audição,
tentando ouvir o que conversavam lá fora.
III
Um mês se passou e os dois vizinhos se encontraram
em frente do elevador na manhã de uma terça-feira. Rodrigo usava um terno de
linho e carregava uma pasta na mão. Ele disse:
- Como vai, vizinho?
Mário Regino, em sua velha camisa de botões e meio
apertada, que mostrava uma protuberante barriga, respondeu que ia bem.
- Estou indo para a cidade, quer uma carona? -
Perguntou Rodrigo
Mário Regino, que todos dias pegava um ônibus que
sempre vinha lotado até o centro da cidade, respondeu:
- Se não incomodar...
- Incomoda nada! - Rodrigo riu. Era um riso franco
e jovial. - Todo dia vou pro centro de carro sozinho. Vai ser um prazer.
E Mário Regino foi de carona. Era um Palio de duas
portas e com ar condicionado. No caminho do Méier para a cidade, foram batendo
papo e Mário Regino soube que o rapaz trabalhava como consultor
chefe em um famoso escritório de engenharia,
Mário Regino sentiu dentro dele um súbito mal
estar, não sabia se a razão disso era por causa do cinto de segurança que
apertava sua imensa barriga ou do fato que o rapaz possuía um ótimo emprego
enquanto que ele, aos 48 anos era apenas um medíocre funcionário
administrativo, que mal dava para segurar o salário até o fim do mês.
Dias depois se encontraram na portaria do prédio, e
novamente Rodrigo ofereceu carona . Mário Regino se fez de rogado, que não
queria abusar. No que Rodrigo disse:
- Mário, eu te conheço há pouco tempo, mas sei
muito bem diferenciar um sujeito aproveitador de um trabalhador honesto. Já
disse antes que não me custa te dar carona e afinal de contas, pra que servem
os vizinhos? - Disse e deu um tapa nas costas de Regino, rindo.
Mário Regino apenas sorriu.
E nos meses seguintes a amizade entre os
dois foi se aprofundando . Rodrigo era expansivo, gostava de conversar, e
Mário Regino era do tipo que só escutava. Às vezes almoçavam juntos em um
restaurante na Rua do Rosário, e Rodrigo sempre pagava a conta. Nos fins de
semana, marcavam no playground do prédio onde tinha uma mesa de sinuca, e
jogavam. As partidas eram sempre regadas a várias garrafas de cerveja. Rodrigo,
além de falar bastante, bebia compulsivamente. Já Mário Regino que mal tocava
no seu copo, ainda derramava ele cheio na pia que tinha ao lado da churrasqueira.
IV
Aos domingos se reuniam na casa de Rodrigo para
assistirem ao futebol. Vascaíno doente, Rodrigo exibia os uniformes que
colecionava, inclusive um que pertencera ao seu pai autografado pelo Roberto
Dinamite. Bastante embriagado das cervejas que consumira desde a manhã , ele
mostrou a camisa e disse:
- Olha só essa aqui Mário, essa camisa é de 1974,
no ano que Vasco foi campeão brasileiro... Meu pai era conselheiro do clube e
ganhou do Dinamite... Meu pai... - Havia lágrimas nos seus olhos. - Pobre do
meu pai, morrer daquela forma...
Pela enésima vez Mário Regino ouviu a história do
pai de Rodrigo que morreu em 1982 atropelado na Praça da Bandeira por um
Chevette que corria em alta velocidade. Na época Rodrigo tinha seis anos , e
hoje com quase 30 anos ainda sentia muita falta dele.
Samanta pediu, um pouco nervosa:
- Amor, dá pra parar de beber um pouco, você está
chateando seu Mário...
Laurinda, que estava de pé na janela com um cigarro
preso entre os dedos e segurando um copo de plástico com um restinho de cerveja
que já estava preta pelas cinzas que depositava ali, disse:
- O Mário? O Seu Mário Regino? Esse aí adora ouvir
histórias... se for triste então...hummmm...lambe os beiços...
Mário Regino fuzilou a esposa num olhar, mas
Laurinda pouco se importou. Continuou dizendo:
- Queridinha, tem como pegar uma outra cerveja, mas
dessa vez bem gelada? Adoro quando marcamos essas nossas reuniões nos domingos.
Antes nosso andar aqui era um marasmo... quando eu ficava sozinha só olhando a
cara de Regino. Um verdadeiro tédio! Regino nunca foi de falar muito... Agora
pelo menos temos conversas agradáveis com vocês, existe juventude...
A vontade que Mário Regino sentiu foi se levantar
da cadeira onde estava sentado, ir até Laurinda e apertar seu pescoço até que
quebrasse. Mas fingiu que não tinha ouvido o matraquear da da sua
mulher estúpida e bebericou seu copo de cerveja quente, que
para ele nesse momento tinha gosto de urina.
CONTINUA
(No próximo episódio: O gosto amargo da inveja)
Rogerio de C. Ribeiro
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