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sexta-feira, 9 de maio de 2014

O INTERROGATÓRIO

- Vamos lá, colabore conosco!
- Colaborar em quê? Já disse tudo que sabia!
- Olha, só vou repetir mais uma vez: Onde podemos achar Marcondes?
- Não sei... Tem muito tempo que não o vejo!
- Neves, o garoto tá te enrolando!
- Já notei, Mattos. Se ele não quer falar por bem, então vai por mal!
- Não, não, esperem...
- Esperar o que mais, Uidemar? Que o dia amanheça?
- Vou enfiar o saco nele, Neves.                                                               
- O saco não!
- Uidemar, não sei se percebeu, mas sou um cara paciente. Paciente até demais! Minha esposa é que sempre fala: Neves, você tem uma paciência de Jó! Concordo plenamente com ela. Em nossas reuniões, sempre sou escolhido para mediar os assuntos. Sabe por quê? Porque eu não discuto, não perco minha cabeça com coisinhas pequenas. Eu sei esperar o momento adequado. Mas meu parceiro, esse que tá aí na tua frente, o Mattos, é pavio curto. Por coisinha qualquer explode . Que nem da vez que tava no engarrafamento e um carro atrás dele ficou buzinando para ele andar. Se sou eu, ficava ouvindo meu CD do Zeca Pagodinho na maior tranquilidade e fingia que nem era comigo. Já o Mattos...  parceiro,conta para ele o que você aprontou mês passado naquele engarrafamento.
- Nenhum carro andava pela Alameda, e o palhaço do Gol que estava atrás do meu Palio enfiou a mão na buzina e ainda acendeu os farol alto em cima de mim. Porra, se tinha um congestionamento, como eu ia sair de lá, voando? Cara, fiquei puto, pulei do Palio e fui até o cara. Bati no vidro e o babaca baixou já falando que os carros da frente tavam andando. Tavam nada, os outros seguiam um metro e paravam. Não sou homem de ficar cheirando cu de carros. falei isso mas o imbecil reclamou que eu que tava atrasando os demais. Disse aquilo com a maior arrogância. Antes que dissesse outra besteira tasquei-lhe uma porrada na boca, e ainda quebrei alguns dentes dele. Antes que o otário saísse do Gol, peguei essa automática que tá na tua cara agora e apontei para ele. Neves,você precisava ver, o cara tava com a mulher e as crianças dele, e ali dentro do carro a gritaria foi geral. Contei até dez pra não atirar nos miolos dele. Meu irmão, tinha que ver o idiota chorando! Ficou pedindo pelo amor de Deus que não machucasse ninguém, foi um auê danado. O cara se cagou todo quando viu minha pistola apontada pra ele! Larguei  ele lá chorando e voltei pro meu carro. Cara, a adrenalina foi tanta que fiquei até de pau duro quando vi aquela família apavorada, se borrando de medo, achando que todo mundo ia morrer!
- E agora tá de pau duro, Mattos?
- Não sacaneia, porra.
- Viu como ele é ? Por qualquer coisinha o dedo dele coça.
- Se coça...
- Já falei para os senhores que não vejo Marcondes há meses!
- Mas não foi isso que um passarinho nos contou.
- Naquele vídeo tu tava muito bem.
- Olha, presta atenção, um minutinho só, eu vou repetir: Aquela gravação que vocês viram já tem algum tempo! Foi na época que ainda morava no Boavista...
- A gravação que mostra Marcondes te entregando um paco de dinheiro.
- Aquele dinheiro era uma contribuição para a campanha de um amigo meu que foi candidato a vereador...
- Aquele que foi pra vala.
- Então, é esse mesmo! Façam as contas... Ele morreu em junho do ano passado...
- Morreu dentro do carro...
- E que levou mais de vinte tiros!
- É! Esse mesmo!
- E que até hoje ninguém descobriu quem é o responsável pelo atentado.
- Acho que foi você que mandou apagar o sujeito, Uidemar...
- Eu não! Tá, tá, tá... Teve um tempo que eu intermediava com alguns políticos e até mesmo com a polícia para que deixassem Marcondes trabalhar em paz. Mas isso foi até o ano passado! Depois que ele morreu...
- O tal candidato.
- Ele foi um dos cabeças daquela milícia que atuava na zona norte e por isso era investigado pelos Federais, lembra disso, Neves?
- Claro que me lembro. O cara tava cercado por todos lados e ia acabar vomitando tudo.
- Ia entregar os outros!
- Pelo amor de Deus, eu nunca participei dos negócios dele! Só recebia minhas comissões pelas intermediações!
- Para de ficar chorando que nem um viadinho, porra, e confessa logo: Foi você que mandou apagar o sujeito?!
- Eu não! Nem tenho cacife pra isso! Nunca soube das transações que ele arrumava!
- E onde está Marcondes?
- Não sei!
- Mattos, põe o saco nele. Minha paciência de Jó já foi pra casa do cacete!
- Humpf...arrrr...hummp...
- Espera um pouco, afrouxa aí Mattos, nosso amigo quer falar uma coisa.
- Cospe logo senão ponho o saco de novo!
- Tenho... ufa... tenho uma grana guardada... não é muito mas ajuda...
- Brincadeira! O viadinho tá querendo nos subornar, Neves.
- Espera um pouco, Mattos. Deixa ele acabar de falar.
- Tenho cem mil guardado aqui em casa. Eu dou a grana pra vocês e depois a gente esquece tudo o que aconteceu.
- E onde malocou a grana?
- Tirem essa algema que mostro onde...
- Tá pensando que pode nos comprar com cem conto?
- Fica calmo,Mattos. Não se esqueça que estamos na casa dele. Uidemar já nos falou que não sabe nada do Marcondes, e sabe de uma coisa, acredito na palavra dele.
- O teu mal, Neves, é que acredita em todo mundo!
- Vou fazer o quê, Mattos, se minha índole é essa...
- Olhe só que faço com esse merdinha!
- Tira as mãos da garganta dele! Vamos dar um crédito, parece mesmo que está sendo sincero.
- Se não sou seu amigo...
- Faria o quê? Meter uma bala em cima de mim?
- Sr. Neves, mostro onde guardo a grana, mas pelo menos me tira as algemas.
- Um minutinho só... Me responda pela última vez: Então o vídeo é antigo?
- É do ano passado!
- E o candidato nunca te falou dos negócios dele?
- Nunca.
- Mentiroso!
- Chega, Mattos, não tá vendo que estou tendo uma conversa civilizada com nosso amigo? Fica sentado naquela cadeira e vai se acalmando. Relaxa!
- Só você, Neves...
- Então Uidemar. Só mais uma perguntinha e logo, logo vamos embora da sua casa. Marcondes alguma vez te disse quem eram os sócios do seu amigo candidato?
- Marcondes nunca mencionou sócios. Mandava que eu levasse a grana só para o candidato e eu obedecia.
- E qual era o real interesse do Marcondes nesse candidato?
- Ele nunca abriu essa parte pra mim, mas pelo que entendi nas poucas vezes que o vi no celular, eram negócios, algo como um não ia invadir a área do outro.
- Mas depois que o candidato morreu,  não teve mais nenhum arrego para outros milicianos?
- Não.
- Eu tava com a razão, Mattos. Aquele filho da puta safado malocou toda grana só pra ele e depois vinha com aquelas desculpas esfarrapadas pra gente.
- Por isso que o Marcondes parou de soltar a grana. Não sabia de nós.
- O quê?
- Quieto, Uidemar. Estamos conversando.
- Neves, se Marcondes não sabe da gente...
- Não corremos risco de sermos descobertos por essa investigação.
- Meu Deus! Foram vocês...
- Que demos cabo naquele traíra? O que você acha? Mattos, mesmo que Marcondes seja preso, ainda vamos continuar limpos.
- Nossa pedra no nosso sapato agora é o viadinho aí.
- Viu como foi bom ser paciente, Mattos. Uidemar sem querer nos tirou um peso enorme das nossas costas.
- Olhem só, eu não tô ouvindo nada que estão conversando, não sei de nada!!!
- Alguma vez já te falaram que a sua casa é muito bonita? Teus móveis novos são de fábrica, tem uma televisão de 60 polegadas, vários quadros bonitos nas paredes... um jardim bonito, uma piscina de dar inveja. Essas comissões que recebeu pelos teus serviços te fizeram muito bem. O dinheiro só traz  beleza, não é, Mattos. Comprou essa casa para se esconder aqui em Itaipuaçu, mas na vida ninguém consegue se esconder pra sempre, tanto que nós achamos seu endereço. No princípio foi difícil, mas nada como alguns X-9 com inveja pelo seu sucesso para nos ajudar. E agora que essa fita vazou na imprensa, você não acha que os federais também vão encontrar teu ninho? Você era o elo que queríamos achar, só que é um elo de uma corrente é fraca, que arrebenta a toa...
- Esperem, esperem... eu menti pra vocês! Tenho mais dinheiro...
- Você ainda não nos contou onde esconde essa bolada.
- E não podemos ficar aqui mais tempo.
- Tá no meu quarto! Na primeira porta do meu armário, no meio das minhas camisas, tem um fundo falso... vocês vão achar fácil! Jurem que vão me deixar vivo, prometo que vou sair do Estado, do País... Os federais nunca vão me achar!
- Olha lá, Mattos.
- .....
- E aí, achou a grana?
- Puta que pariu, Neves! É dinheiro pra caralho! Pra mais de duzentos contos!
- Tenho uma mochila nova que comprei na semana passada...Botem a grana nela e levem tudo, mas me soltem!
- Tá tudo aí, Mattos?
- Tudinho, não deixei nem um real.
- Tira as algemas dele.
- Obrigado. Sabia que podia confiar em vocês...
- Pegue essa pistola.
- Quê?
- Tô mandando que pegue essa pistola.
- Pra quê?
- Porquê quando as pessoas sabe que chegou sua hora sempre se fazem de surdo? Por que será?
- Difícil de entender... Mattos, cadê a automática raspada?
- Na mão.
- Me dá!
Bang!
- Caralho, Neves, cagou a parede toda com pedaços do miolo do cara!
- Beleza. Com esse sujeito agora fora do nosso caminho, vamos continuar com nosso trabalho sem preocupações.
- E quando os federais vierem pra cá, vão acha-lo morto.
- E visualizo as manchetes dos jornais: Envolvido no caso do candidato assassinado tem sua casa invadida pelo bando do traficante Marcondes e foi morto quando se defendia.
- Como Marcondes já possui um extensa lista corrida de homicídios nas costas...
- Um a mais, um a menos, não vai fazer nenhuma diferença.


Rogerio de C. Ribeiro

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