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segunda-feira, 26 de maio de 2014

O PRÊMIO
                                                      Capítulo 1



Mônica terminava de enxugar as louças quando ouviu Felipe berrando da sala:
- Manhê, compra pra mim!!!
Mônica largou um prato seco em cima da mesa da cozinha e perguntou:
- Comprar o quê, Felipe? - Seu filho de nove anos tinha mania de pedir tudo que visse nos comerciais da tevê. - O que quer dessa vez?
- Vem ver, manhê! Rápido, vem logo!!!
Mônica largou o pano sobre a pia e olhou para a sala, pensando consigo mesma quem tinha sido o idiota que criou a frase que toda mãe padecia no paraíso. Mãe de três meninos levados, ela não só padecia, como era manipulada pelas vontades deles. Resignada, ela foi arrastando seus chinelos de dedo pelo sinteco da sala e parou atrás do sofá onde Felipe e Mateus assistiam tevê. O terceiro filho, Daniel, de um ano, dormia no seu berço no quarto dos meninos.
Mônica olhou o comercial que passava nesse instante na televisão. Era sobre um álbum de figurinhas com o tema do corpo humano. Na propaganda, as figurinhas flutuavam e depois caíam nas páginas abertas do álbum , e quando se juntavam formavam um pôster dos órgãos humanos.
O álbum virou todas páginas e como num passe de mágica voou para a mão de um sorridente apresentador que vestia um terno xadrez com uma gravata borboleta amarela. Mônica achou graça da cafonice do sujeito.
Pronta para voltar aos seus afazeres domésticos, Mônica disse:
- Felipe, sabe muito bem que seu pai não gosta que vocês fiquem colecionando figurinhas. E ele está certo, vocês nunca completaram um álbum...
Deu as costas para a tevê e ouviu a voz do apresentador. Era uma voz suave, convidativa, sedutora. Voltou-se para a tevê.
O apresentador sorridente segurava o álbum de figurinhas na altura da sua gravata borboleta amarela e dizia com uma voz musical:
- Acredito que devem estar pensando agora: Ora, é mais um álbum de figurinhas como qualquer outro, e ainda mais falando do corpo humano. Concordo. Se olharmos assim, friamente, veremos que é apenas mais um álbum de figurinhas... - Mônica surpreendeu-se, era justamente isso que pensava a pouco. - Sei que muitas crianças abandonam um álbum pelo meio quando um outro com um tema mais interessante é lançado. Então, porque estou aqui falando com vocês se eu tenho a absoluta certeza que não vão completar o álbum que apresento agora? Por que sei que o meu álbum não vai ser completo por todo mundo? A resposta é que o meu álbum só será completo por uma pessoa. E esse é o diferencial do meu álbum para tantos outros que existem por aí. Só uma pessoa vai completar o álbum, porque só haverá uma figurinha especial para isso. E quando o felizardo encontrar essa figurinha carimbada, vai achar o seu grande prêmio.
Prêmio?? Hipnotizada pelo comercial, não conseguia mais desgrudar os olhos da tevê. Não era só ela, seus filhos também não tiravam os olhos e por um milagre do apresentador, estavam completamente em silêncio!
- Sim, prêmio! - disse o apresentador alargando mais ainda o sorriso. - O maior prêmio da sua vida! Um prêmio que vai modificar a vida de um felizardo!
Quando deu por si, Mônica percebeu que havia se sentado no braço do sofá.
- E que prêmio é esse? Pode ser milhões de reais, um carro zero, uma viagem ao lugar dos seus sonhos... O que você merecer vai ganhar. É só encontrar a figurinha carimbada. Vocês vão perguntar, e que figurinha é essa, Damiano? Esse que é o grande barato da coleção: Você só vai saber qual é a figurinha quando estiver faltando uma para completar o álbum.
- E não se esqueçam, peçam aos seus pais o novo álbum de figurinhas do corpo humano. Além de ser instrutivo, ainda concorrem ao grande prêmio. Meu nome é Damiano Lescarter, muito obrigado pela atenção, e boa diversão!
A câmera focou a capa do álbum, e no canto abaixo na tela veio escrito em uma tarja azul: ÁLBUM DO CORPO HUMANO, O ÚNICO QUE OFERECE UM PRÊMIO QUE VOCÊ MERECE!
Em seguida entrou outro comercial que era de um banco, e os meninos pularam em cima da mãe e os dois pediram ao mesmo tempo:
- Eu quero, manhê, eu quero, quero!!!
Para surpresa dela, Mônica também queria aquele álbum. E o prêmio também.

Na hora do jantar, Mônica disse:
- Benzinho...
Adroaldo, que travava uma batalha para cortar um pedaço de bife, ergueu as sobrancelhas:
- Ih, Mônica - retrucou desconfiado. - Quando me vem com esse benzinho, sempre vem uma bomba depois. - Olhou seus filhos que comiam em silêncio e perguntou: - O que eles aprontaram dessa vez, Mônica? Quebraram as janelas dos vizinhos? Novamente arramaram uma lata no rabo do Champion? - Champion era o vira-latas que vivia na rua e comia os restos de comida que os moradores do bairro deixavam para ele.
Felipe e Mateus balançaram suas cabeças em negativa. Mônica disse:
- Nossos meninos se comportaram bem hoje... Bem até demais.
- Depois falam que não existe milagres - ruminou Adroaldo enquanto mastigava um pedaço de bife.
- Não fala assim deles, benzinho. Desse jeito vai magoa-los.
- Tá - disse Adroaldo enquanto mastigava, - então fala logo.
Mônica e os seus filhos trocaram olhares cúmplices. Ela tomou coragem e disse:
- Benzinho, lançaram um novo álbum de figurinhas...
Adroaldo esqueceu do bife na ponta do garfo que segurava e disse:
- Hã... e daí?
- Um álbum educativo que fala do corpo humano.
Mônica percebeu o desagrado estampado no rosto do marido. Mas não se intimidou, continuou argumentando:
- Vê como pode ser interessante para nossos filhos. Não se trata de um álbum de futebol, de carros, da Disney... não, é sobre o corpo humano!
Adroaldo resmungou:
- E pra que existe a internet? Ali eles podem aprender tudo sobre o corpo humano e outras coisas mais.
- É, pai - disse Felipe. - Mas não tem o prêmio.
- Prêmio? Que prêmio?
Mônica dessa vez mediu as palavras:
- Percebeu como esse álbum é importante, meu bem? Além de educativo ainda recompensa quem completa-lo.
- Isso me cheira a armação - decretou Adroaldo. - Lembro dos álbuns que tinham figurinhas carimbadas. Prometia bola, bicicleta, faqueiro e o escambáu. Eu quando moleque, colecionei alguns, mas o que ganhei mesmo só foi experiência.
- Querido, os tempos são outros. Com o direito do consumidor, ninguém pode ficar prometendo algo e depois não cumprir.
- Ai, Mônica... Sempre vivendo no mundo da lua, sempre acreditando nas conversas dos outros... que ingenuidade...
- Adroaldo dos Santos Menezes, assim você me magoa na frente das crianças.
- E não é verdade, Mônica? Quem sabe o valor de cada centavo que entra aqui em casa sou eu!
- E quem cuida da casa e das crianças sou eu! Não ache que sou alienada só porque não trabalho fora. Não senhor! Lembra quando éramos noivos? Eu trabalhava fora! Era caixa de supermercado! Foi você que disse: Mulher minha não trabalha fora, mulher minha é pra cuidar da casa e da família! Se agora tá achando que sou uma lunática, então a culpa é sua!
Arrependido, Adroaldo tentou consertar:
- Não quero discutir com você, Mônica aqui na mesa de jantar. E não te chamei de lunática...
Felipe e Mateus em coro:
- Lunática! Lunática! Lunática!!
Mônica apontou os filhos e disse furiosa:
- Viu o que você fez?
Adroaldo gritou para os filhos:
- Respeitem sua mãe! E  agora, comam em silêncio!!!
No resto do jantar o silêncio foi sepulcral na mesa. Mônica pensou enquanto comia:
"Mais tarde o convenço... Vamos ver se amanhã ele não vai trazer o álbum e alguns pacotes de figurinhas...E depois que eu ganhar o prêmio, ele ainda vai me agradecer pela minha persistência."

Continua 
No próximo capítulo: Mônica descobre que pode existir emoção fora da sua vidinha comum.

Rogerio de C. Ribeiro

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