O PRÊMIO
Capítulo 1
Mônica terminava de enxugar as louças quando ouviu
Felipe berrando da sala:
- Manhê, compra pra mim!!!
Mônica largou um prato seco em cima da mesa da
cozinha e perguntou:
- Comprar o quê, Felipe? - Seu filho de nove anos
tinha mania de pedir tudo que visse nos comerciais da tevê. - O que quer dessa
vez?
- Vem ver, manhê! Rápido, vem logo!!!
Mônica largou o pano sobre a pia e olhou para a
sala, pensando consigo mesma quem tinha sido o idiota que criou a frase que
toda mãe padecia no paraíso. Mãe de três meninos levados, ela não só padecia,
como era manipulada pelas vontades deles. Resignada, ela foi arrastando seus
chinelos de dedo pelo sinteco da sala e parou atrás do sofá onde
Felipe e Mateus assistiam tevê. O terceiro filho, Daniel, de um ano, dormia no
seu berço no quarto dos meninos.
Mônica olhou o comercial que passava nesse instante
na televisão. Era sobre um álbum de figurinhas com o tema do corpo humano. Na
propaganda, as figurinhas flutuavam e depois caíam nas páginas abertas do álbum
, e quando se juntavam formavam um pôster dos órgãos humanos.
O álbum virou todas páginas e como num passe de
mágica voou para a mão de um sorridente apresentador que vestia um terno xadrez
com uma gravata borboleta amarela. Mônica achou graça da cafonice do sujeito.
Pronta para voltar aos seus afazeres domésticos,
Mônica disse:
- Felipe, sabe muito bem que seu pai não gosta que
vocês fiquem colecionando figurinhas. E ele está certo, vocês nunca completaram
um álbum...
Deu as costas para a tevê e ouviu a voz do
apresentador. Era uma voz suave, convidativa, sedutora. Voltou-se para a tevê.
O apresentador sorridente segurava o álbum de
figurinhas na altura da sua gravata borboleta amarela e dizia com uma voz
musical:
- Acredito que devem estar pensando agora: Ora, é
mais um álbum de figurinhas como qualquer outro, e ainda mais falando do corpo
humano. Concordo. Se olharmos assim, friamente, veremos que é apenas mais um
álbum de figurinhas... - Mônica surpreendeu-se, era justamente isso que pensava
a pouco. - Sei que muitas crianças abandonam um álbum pelo meio quando um outro
com um tema mais interessante é lançado. Então, porque estou aqui falando com
vocês se eu tenho a absoluta certeza que não vão completar o álbum que
apresento agora? Por que sei que o meu álbum não vai ser completo por todo
mundo? A resposta é que o meu álbum só será completo por uma pessoa. E esse é o
diferencial do meu álbum para tantos outros que existem por aí. Só uma pessoa
vai completar o álbum, porque só haverá uma figurinha especial para isso. E
quando o felizardo encontrar essa figurinha carimbada, vai achar o seu grande
prêmio.
Prêmio?? Hipnotizada pelo comercial, não conseguia
mais desgrudar os olhos da tevê. Não era só ela, seus filhos também não tiravam
os olhos e por um milagre do apresentador, estavam completamente em silêncio!
- Sim, prêmio! - disse o apresentador alargando
mais ainda o sorriso. - O maior prêmio da sua vida! Um prêmio que vai modificar
a vida de um felizardo!
Quando deu por si, Mônica percebeu que havia se
sentado no braço do sofá.
- E que prêmio é esse? Pode ser milhões de reais,
um carro zero, uma viagem ao lugar dos seus sonhos... O que você merecer vai
ganhar. É só encontrar a figurinha carimbada. Vocês vão perguntar, e que
figurinha é essa, Damiano? Esse que é o grande barato da coleção: Você só vai
saber qual é a figurinha quando estiver faltando uma para completar o álbum.
- E não se esqueçam, peçam aos seus pais o novo
álbum de figurinhas do corpo humano. Além de ser instrutivo, ainda concorrem ao
grande prêmio. Meu nome é Damiano Lescarter, muito obrigado pela atenção, e boa
diversão!
A câmera focou a capa do álbum, e no canto abaixo
na tela veio escrito em uma tarja azul: ÁLBUM DO CORPO HUMANO, O ÚNICO QUE
OFERECE UM PRÊMIO QUE VOCÊ MERECE!
Em seguida entrou outro comercial que era de um
banco, e os meninos pularam em cima da mãe e os dois pediram ao mesmo tempo:
- Eu quero, manhê, eu quero, quero!!!
Para surpresa dela, Mônica também queria aquele
álbum. E o prêmio também.
Na hora do jantar, Mônica disse:
- Benzinho...
Adroaldo, que travava uma batalha para cortar um
pedaço de bife, ergueu as sobrancelhas:
- Ih, Mônica - retrucou desconfiado. - Quando me
vem com esse benzinho, sempre vem uma bomba depois. - Olhou seus filhos que
comiam em silêncio e perguntou: - O que eles aprontaram dessa vez, Mônica?
Quebraram as janelas dos vizinhos? Novamente arramaram uma lata no rabo do
Champion? - Champion era o vira-latas que vivia na rua e comia os restos de
comida que os moradores do bairro deixavam para ele.
Felipe e Mateus balançaram suas cabeças em
negativa. Mônica disse:
- Nossos meninos se comportaram bem hoje... Bem até
demais.
- Depois falam que não existe milagres - ruminou
Adroaldo enquanto mastigava um pedaço de bife.
- Não fala assim deles, benzinho. Desse jeito vai
magoa-los.
- Tá - disse Adroaldo enquanto mastigava, - então
fala logo.
Mônica e os seus filhos trocaram olhares cúmplices.
Ela tomou coragem e disse:
- Benzinho, lançaram um novo álbum de figurinhas...
Adroaldo esqueceu do bife na ponta do garfo que
segurava e disse:
- Hã... e daí?
- Um álbum educativo que fala do corpo humano.
Mônica percebeu o desagrado estampado no rosto do
marido. Mas não se intimidou, continuou argumentando:
- Vê como pode ser interessante para nossos filhos.
Não se trata de um álbum de futebol, de carros, da Disney... não, é sobre o
corpo humano!
Adroaldo resmungou:
- E pra que existe a internet? Ali eles podem
aprender tudo sobre o corpo humano e outras coisas mais.
- É, pai - disse Felipe. - Mas não tem o prêmio.
- Prêmio? Que prêmio?
Mônica dessa vez mediu as palavras:
- Percebeu como esse álbum é importante, meu bem?
Além de educativo ainda recompensa quem completa-lo.
- Isso me cheira a armação - decretou Adroaldo. -
Lembro dos álbuns que tinham figurinhas carimbadas. Prometia bola, bicicleta,
faqueiro e o escambáu. Eu quando moleque, colecionei alguns, mas o que ganhei
mesmo só foi experiência.
- Querido, os tempos são outros. Com o direito do
consumidor, ninguém pode ficar prometendo algo e depois não cumprir.
- Ai, Mônica... Sempre vivendo no mundo da lua,
sempre acreditando nas conversas dos outros... que ingenuidade...
- Adroaldo dos Santos Menezes, assim você me magoa
na frente das crianças.
- E não é verdade, Mônica? Quem sabe o valor de
cada centavo que entra aqui em casa sou eu!
- E quem cuida da casa e das crianças sou eu! Não
ache que sou alienada só porque não trabalho fora. Não senhor! Lembra quando
éramos noivos? Eu trabalhava fora! Era caixa de supermercado! Foi você que
disse: Mulher minha não trabalha fora, mulher minha é pra cuidar da casa e da
família! Se agora tá achando que sou uma lunática, então a culpa é sua!
Arrependido, Adroaldo tentou consertar:
- Não quero discutir com você, Mônica aqui na mesa
de jantar. E não te chamei de lunática...
Felipe e Mateus em coro:
- Lunática! Lunática! Lunática!!
Mônica apontou os filhos e disse furiosa:
- Viu o que você fez?
Adroaldo gritou para os filhos:
- Respeitem sua mãe! E agora, comam em
silêncio!!!
No resto do jantar o silêncio foi sepulcral na
mesa. Mônica pensou enquanto comia:
"Mais tarde o convenço... Vamos ver se amanhã
ele não vai trazer o álbum e alguns pacotes de figurinhas...E depois que eu
ganhar o prêmio, ele ainda vai me agradecer pela minha persistência."
Continua
No próximo capítulo: Mônica descobre que pode
existir emoção fora da sua vidinha comum.
Rogerio de C. Ribeiro
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