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sexta-feira, 16 de maio de 2014

UM BOM VIZINHO

                                                   CAPÍTULO 4


 X

 Três dias depois do encontro na padaria, Mário Regino voltou para sua casa em um ônibus lotado depois de um dia tedioso na repartição. Rodrigo tinha uma reunião marcada na empresa e sairia de lá tarde da noite. Quando abriu a porta do apartamento, Laurinda sentava no sofá e Samanta na poltrona em frente.
 Toda vez que via Samanta involuntariamente tinha ereções; imaginava-se na cama com ela, chupando seu pescoço, descendo com uma língua bailarina nos mamilos intumescidos, ia mordendo de leve sua barriga (agora um pouco crescida) e finalmente chegava...
 - Regino, Samanta quer falar com você.
 Mário Regino saiu do transe erótico onde se encontrava,  abriu um sorriso, sentou-se ao lado de sua seca e árida esposa e ficou de frente para a vizinha. Samanta entrou logo no assunto:
 - Me desculpe por incomodar o senhor após um dia inteiro de trabalho, mas ando muito nervosa nesses últimos dias com o que está acontecendo com Rodrigo.
 Laurinda interveio enquanto tragava seu cigarro pela metade. Bateu as cinzas no cinzeiro transbordando de guimbas amassadas que oscilava no braço do sofá:
 - Nossa amiga tá achando que o Rodrigo anda aprontando coisas que não deve.
- Mas porque pensa assim? - Perguntou Mário Regino, com um tonalidade na voz que parecia mais imparcial possível. Ele subia e descia com seus olhos porcinos pelo corpo atraente, mesmo grávida, da vizinha. E dessa vez não disfarçou sua ereção.
 - Nos últimos dois meses Rodrigo vem bebendo além da conta. Posso contar nos dedos quantas vezes ele chegou sóbrio da rua. Até tem sido agressivo comigo, me dizendo palavras duras...
 - Ele pode estar tendo problemas no trabalho - sugeriu Mário Regino, condolente.
 - Eu sei que está tendo problemas com um novo chefe que entrou agora, mas antes ele não trazia os problemas para nossa casa. Agora não, chega bêbado, diz que depois que engravidei mudei com ele, que não sou mais carinhosa...
 - Bem...- Mário Regino ergueu as mãos para o alto e disse: - Realmente, o Rodrigo tem reclamado, e diversas vezes me repete que você mudou, que está sentindo nojo dele, que não quer mais dormir ao lado dele e nem fazer se...- Laurinda fechou a cara e amassou o cigarro no cinzeiro abarrotado. 
 - Isso é da gravidez. O meu médico falou que algumas mulheres sentem isso, enjoo, nojo do marido... e minha gravidez é de risco. Não sei se ele falou isso, mas não posso me estressar por causa da criança. Tomo remédios para não correr o risco de abortar.
 Mário Regino surpreendeu-se com o que ouviu. Antes de abrir a boca para falar, Laurinda interveio:
 - Querida, posso te dar um conselho? Para que não sofra mais, vá pra casa da sua mãe, e quando tiver certeza que seu nojo passou, volte. Vai ser bom até para o seu marido. Ele vai sentir sua falta, e quem sabe, mude seus hábitos...
 "Não... - pensou Mário Regino - Nada de ir pra casa de mamãe. Você tem que ficar aqui mesmo, aturando o cretino do seu marido..."
 - Não sei se vai ser a solução do problema - disse Mário Regino, preocupado. - Rodrigo em casa sozinho talvez possa faze-lo largar, ou pelo menos diminuir com a bebida... Ou talvez faça ele beber mais ainda, de saudades. Fora que a secret...
 De propósito, Mário Regino calou-se. Samanta, intrigada, perguntou:
 -  Que secretária?
 - Nada, esquece - disfarçou, fingindo que procurava algo dentro do bolso da camisa.
 Samanta não queria esquecer. Agitava-se na poltrona. Seu rosto, antes pálido, agora ficou rubro:
 - Termina o que ia dizer, seu Mário.
 - Não é nada demais, é sobre um trabalho dele. Não tem nada a ver aqui fora.
 Samanta olhou desconfiada para ele e pareceu se lembrar de algo. Perguntou, sua voz entoando desconfiada:
 - Rodrigo comentou comigo que o senhor e ele foram comer peixe no sábado...
 Laurinda cortou, dizendo:
 - Sábado agora, esse que passou? Só se foi com outro Regino, porque esse aqui ficou em casa o dia inteiro vendo tevê...
 "Obrigado, Laurinda, facilitou meu trabalho. Sempre intrometida."
 Samanta ficou olhando para ele em silêncio, mas seus olhos diziam: "O que me diz, seu Mário?"
 Fingiu que estava nervoso:
 - Eu não queria isso... mas Rodrigo pediu, implorou para que eu... eu confirmasse a versão... na hora achei ruim, disse a ele que não ia dar certo... falei pra ele que não sei mentir, mas Rodrigo estava de um jeito, sei lá, acho que era a bebida... nunca o vi bebendo de manhã...
 Samanta tampou o rosto nas mãos e soluçou. Laurinda foi até ela para consola-la. Samanta murmurou:
 - Meu casamento está se arruinando, dona Laurinda... Rodrigo tem uma amante! Sinto isso, eu sei, ele tem uma amante...
 - Olha só, Samanta - Mário Regino tentou contornar a situação, - não acredito que Rodrigo esteja te traindo com outra mulher. Ele te ama, todo dia ele faz questão de repetir do imenso amor que sente por você.
 Laurinda, com um cigarro no canto da boca, ainda abraçava Samanta. Ela disse, de forma irônica:
 - Vocês homens, sempre acobertando as merdas que fazem. Todos homens são farinha do mesmo saco, não prestam. Todos são iguais!
 Mário Regino mostrou-se ofendido com as acusações de Laurinda, levantou-se do sofá e foi ao banheiro. Enquanto se despia para tomar banho, ouviu as duas mulheres na sala conversando. Entrou no chuveiro e pensou: "Laurinda, pela primeira vez tive o imenso prazer de ter sua companhia. Se não fosse sua cretinice, talvez não conseguisse expressar melhor as ideias na cabeça da gostosa... A emenda saiu melhor que o soneto."
 Enquanto passava o sabonete pelo corpo, começou a se masturbar imaginando uma cena erótica em que ele penetrava Samanta deitada de costas e as pernas abertas em V, de maneira violenta e selvagem.

 XI

 Nos dias que seguiram à visita de Samanta no seu apartamento, Mário Regino não se encontrou com Rodrigo. Soube através de Laurinda, que só saía do apartamento para comprar seus maços de cigarros, que houve uma feia discussão no apartamento em frente, com direito a berros de Samanta, e Rodrigo dizendo que era mentira, que nunca teve amante nenhuma. Pelo jeito, as coisas foram se acalmando. Samanta dissera a Laurinda que Rodrigo tinha lhe confessado o que fizera naquele sábado: Curou a ressaca dormindo o dia inteiro. Teve medo de que ela soubesse que tinha bebido muito na festa para não prejudica-la na gravidez, e jurou que ia largar qualquer bebida alcoólica. E pelo jeito, Rodrigo começou a evitar de se encontrar com Mário Regino.
 E isso começou a preocupa-lo. Se antes, com a convivência diária ele menosprezava o jovem, agora longe dele o desprezo aumentou, elevando-se em uma antipatia crônica. Na sua mente deturpada, imaginou Rodrigo pagando almoço e dando carona para um novo e imaginário amigo.
 Uma mistura de inveja e ódio embaralharam sua mente. Enquanto ia para o trabalho em um ônibus lotado e se derretendo de calor, decidiu o que ia fazer. E seria ainda nesse dia.

XII

 Ela foi pontual. Chegou no restaurante da Travessa do Ouvidor no horário que foi combinado. Ela puxou a cadeira e sentou. Na sua frente, Mário Regino já almoçava, um grande prato de macarrão com carne assada.
 - Como falei quando me ligou, estou aqui - disse Glorinha enquanto lia o cardápio.- Estou bastante curiosa com que tem pra me contar.
 - Vou te contar, minha querida, mas primeiro peça o seu prato.
 Glorinha fez um muxoxo, e pediu um prato de saladas. Ela observou aquele homem imenso mastigando com a boca meia aberta, passando o guardanapo no queixo e jogando-o em cima da mesa, sempre com o ruído nojento dos dentes trucidando um pedaço da carne assada. Ela assistiu todo ritual, e ficou enjoada. Aquele homem era repulsivo.
 Quando esvaziou seu prato, empurrou-o para a frente e pegou um palito de dente, que ficou dançando no canto da boca. Ele apertou seus olhos porcinos e disse:
 - Me conte todos detalhes, querida. Aquela sexta-feira e sábado foi como sempre imaginou? O teu chefe deu conta do recado direitinho?
 Indignada, ela disse:
 - Não acredito que foi para isso que me chamou. Pelo telefone disse que tinha um assunto do meu interesse...
 - E tenho, minha querida. Como se chama mesmo o diretor que é o novo chefe do Rodrigo?
 Glorinha, irritada:
 - O que tem o Dr. Pacheco com o meu caso?
 - Não diretamente, porque ele não sabe do seu affaire com Rodrigo. Mas parece que está desconfiado.
 Glorinha, surpresa, disse:
 - Desconfiado como? Depois daquela semana, ele mal falou comigo.
 - Ele me contou - Mário Regino mentiu descaradamente. - Ontem ele me disse que está agindo assim por causa da esposa dele.
 Glorinha não entendeu.
 - Simples, minha querida - disse Mário Regino. - No domingo, depois da festa, ele abriu o jogo com a esposa. Falou tudinho. Que está apaixonado, que só não sai de casa por causa dela que está grávida... Rodrigo me disse que até que as coisas acalmem, ia ficar quieto. Mas Samanta o ameaçou que ia ligar para o chefe dele, ia contar que você - apontou para a morena em frente, - virou a cabeça dele e que ia fazer de tudo pra te ver na rua. Bem, foi por isso que te chamei aqui.
 As pessoas que conheciam Glorinha intimamente sabiam que ela tinha um temperamento explosivo. E foi o que Mário Regino descobriu.
 Ela bateu com uma das mãos na mesa e rosnou, com um pedaço de folha do alface no canto da boca:
 - Estúpido, imbecil! Não podia ter falado com a mulher dele!
 - Por isso achei que tinha que te avisar.
 - Naquele dia da festa, ele mal se aguentava em pé. Até fomos para um motel, mas ele mal se aguentava em pé. Tanto que no sábado deixei ele lá dormindo.
 - Mas ele te ama - instigou Mário Regino.
 - Eu, hein. Vou te falar, moço, ele não é de se jogar fora não. Mas não vou arriscar de ficar desempregada por causa de uma aventura. Não, isso que não. Vou é tomar minhas precauções.
 - Te dou um conselho, minha querida, podia ligar para que Samanta mude de ideia a seu respeito. Explique tudo que houve, quem sabe ela entende o seu lado pelo menos...
 - O nome dela é Samanta, não? Tem o telefone dela?
 - O celular e o fixo. Só te peço uma coisa, meu bem, não mencione nossa conversa com ela, nem fale de mim.
 Glorinha ficou de pé e disse, com ódio na voz:
 - Pode deixar, vou te deixar de fora. Agora, por favor, não me chame mais de querida e nem de meu bem. E espero nunca mais vê-lo também, senhor.
 Ela deu as costas e saiu. Realmente, depois desse almoço Mário Regino nunca mais a viu. E nem queria mesmo. Já conseguira o que queria. Agora só faltava completar a próxima parte do seu plano: Falar com o tal do doutor Pacheco.
Nunca na vida sentiu-se tão satisfeito como agora.

CONTINUA
No próximo capítulo: Um trote que gerou um imenso mal entendido

Rogerio de C. Ribeiro

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