UM BOM VIZINHO
CAPÍTULO 7
XVII
Depois de alguns meses, Mário Regino
seguia pela Avenida Rio Branco a caminho da Presidente Vargas. No relógio
digital anunciava que eram sete horas da noite, e o vai-vem de pessoas correndo
apressadas aos pontos de ônibus e Central do Brasil para enfrentar
trens ou metrô lotados, também era sua rotina. Era uma sexta-feira, e foi mais
uma semana de trabalho, mais uma semana que prestou serviços burocráticos em
prol do Estado, mais uma semana que ignorou pensionistas aguardando pelas
soluções dos seus processos. Mais uma semana se passou e agora vinha o nefasto
sábado e o domingo ao lado de sua esposa seca e árida, a consumidora voraz dos
cigarros da Souza Cruz.
"Até o derradeiro dia que ela
sofresse o bendito infarto fulminante ou fosse corroída por um belo câncer nos
dois pulmões..."
Mais um fim de semana de tédio, sem
nenhuma novidade, nenhum amigo em comum. Bem vindo à minha vidinha patética,
pensou Mário Regino Reis dos Santos.
Mário Regino atravessou a avenida Rio Branco
em passos curtos e desanimados, e entrou na Miguel Couto. Nessa rua estreita de
construções do século passado, ele caminhou pela rua de paralelepípedos,
passando pelas pastelarias, alguns botecos com as mesas na calçada atrapalhando
os pedestres, lojas de roupa usada, lojas de empréstimos e uma joalheria.
Atravessou diante o bar do Augusto, onde tempos atrás saboreou um
delicioso sanduíche de pernil às custas de Rodrigo. Já fazia tanto
tempo que ninguém mais falava dele. Depois que ele saiu da empresa, foi como se
ele tivesse uma doença contagiosa; cada vez que aparecia nos lugares que sempre
frequentou, e onde matou a fome e sede de vários colegas, o pessoal fingia que
ele não existia, e às vezes ele era convidado de se retirar do lugar pelos
donos dos estabelecimentos.
Uma pequena lembrança ruminou seus
pensamentos; na última vez que soube da Samanta, foi que
casou-se com outro sujeito, e que agora estava grávida dele.
Quando foi atravessar a rua Buenos
Aires, viu que na sua direção vinha um rapaz magro, com a camisa amarrotada,
calças jeans rasgadas na altura da bainha, sujo e barbado. O rapaz arregalou os
olhos e sorriu, exibindo agora poucos dentes e cariados.
Ele exalava um fedor que podia ser de
conhaque ou cachaça, que Mário Regino não soube identificar.
- Meu amigo Mário Regino! Quanto tempo
que a gente não se vê!! Como tem passado? E Laurinda, tudo bem com ela?
Mário Regino não respondeu, e Rodrigo
continuou:
- Que bom que te encontrei! Agorinha
mesmo olhei pro bar do Augusto e lembrei dos tempos que almoçávamos juntos,das
piadas que rolavam... Puxa, me deu saudades, hoje em dia é tão difícil a gente
encontrar quem é o nosso amigo de verdade...
Mário Regino continuou parado como se
fosse uma estátua.
- Sabe, Mário, nos últimos dias tenho
passado por bastante aperto... Bem, como somos amigos,pra você posso
dizer - Rodrigo torcia os dedos com imensas unhas imundas, e olhava de um lado
para o outro desconfiado. No canto da boca escorria uma pequena baba. - Tá
vendo, conseguiram acabar comigo. Foi muita inveja em cima de mim. O Pacheco e
Glorinha arquitetaram tudo pra me derrubar, os dois juntos... mas sou forte,
não dou meu braço pra torcer, nessa luta ainda vou ganhar... já tô até com um
trabalho em vista, mandei meu curriculum e agora só estou no aguardo pra ser
chamado e começar o batente! O único problema agora é hoje, sabe... tem noites
que durmo na rua no meio dos mendigos, debaixo das marquises...às vezes minha
única refeição é quando ganho uma quentinha do pessoal da igreja que distribui
na Presidente Vargas... não me envergonho disso, sei que é só uma fase,
acredito... sabe, na hora que te vi agora posso dizer pra mim que Deus existe.
Que Ele nos colocou aqui, frente a frente, para que a gente se reencontrasse.
Mário Regino ainda continuava parado e
num silêncio sepulcral.
Pessoas que andavam apressadas pela
Miguel Couto, evitavam o contato físico com aquele vagabundo maltrapilho.
Rodrigo continuava olhando de um lado para o outro, os olhos expressando medo e
ansiedade; enfim, evitou olhar seu antigo vizinho de frente e concentrou seu
olhar no sapato de Mário Regino:
- Hoje posso dizer pra mim: depois de
tantos infortúnios, te vendo aqui na minha frente, tão bem de saúde, é uma
benção... e pelos velhos tempos, amigão, você pode me emprestar um dinheiro...
Vê só, juro que te pago, foi como te disse, logo começo a trabalhar... não é
muito, só cem reais pra dormir num lugar decente, com uma cama... Hein? Não?
Oitenta? Sessenta? Vinte? Dez reais pra comer um salgado...
Finalmente Mário Regino saiu do
silêncio e disse, friamente:
- Sai pra lá, tá me achando com cara
que sustento vagabundo? Vai procurar um trouxa pra cair na sua conversa e pagar
sua cachaça! Comigo não, violão!
E quando passou por um Rodrigo
decrépito e transtornado, completou:
- E sempre um tagarela.
Passou pelo rapaz e nunca mais
viu Rodrigo.
EPÍLOGO
Assistia o jornal Fala Brasil sentado
na sua velha poltrona rasgada, ainda de pijamas. Era um sábado nublado e
abafado. O ventilador de teto girava lentamente as pás, e mesmo assim sentiu o
suor correndo pelas costas e no rosto.
Podia ouvir o ronco de Laurinda vindo
do quarto. Se ela acordada e em silêncio já era insuportável, ela roncando, sua
vontade era asfixia-la com um travesseiro.
Pegou o controle remoto e foi trocando
os canais.Tédio, profundo e longo tédio. Principalmente agora, com a notícia
que recebeu sobre sua aposentadoria.
Não conseguia imaginar como seria sua
vida em diante, depois da aposentadoria, vivendo os sete dias da semana com
Laurinda mordendo seus calcanhares. Era o mesmo que ser punido por um crime que
nunca cometeu.
Escutou barulho de móveis sendo
arrastados no corredor de fora. Levantou-se e abriu a porta. Viu homens com
uniformes de transportadora carregando uma geladeira, e outros carregavam
caixas.
Um jovem casal surgiu logo atrás. A
moça estava grávida, e ele a abraçava pela cintura.
- Bom dia, sou seu novo vizinho, meu
nome é Fábio e essa linda grávida é minha esposa, Juliana.
Mário Regino sorriu. Avaliou o casal na
sua frente e apertou as mãos deles. Ele disse:
- Meu nome é Mário Regino. Que bom que
esse apartamento está recebendo um belo casal. Espero que sejam felizes aqui.
Fábio simpatizou-se de imediato com
aquele homem alto e gordo na sua frente. Ele disse:
- Também esperamos, principalmente agora
- apontou para a barriga da esposa.
Mário Regino alargou mais ainda o
sorriso, mostrando seus dentes pequenos e amarelados, e disse:
- Com absoluta certeza serão felizes
aqui. Sejam bem vindos, e qualquer coisa que precisarem, já sabem, é só
bater. Vizinhos são pra isso mesmo.
FIM
Dia 26 de maio não percam os capítulos
de DESTINO: INCERTO.
Rogerio de C. Ribeiro
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