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sexta-feira, 23 de maio de 2014

UM BOM VIZINHO

                                                  CAPÍTULO 7

XVII

Depois de alguns meses, Mário Regino seguia pela Avenida Rio Branco a caminho da Presidente Vargas. No relógio digital anunciava que eram sete horas da noite, e o vai-vem de pessoas correndo apressadas aos pontos de  ônibus e Central do Brasil para enfrentar trens ou metrô lotados, também era sua rotina. Era uma sexta-feira, e foi mais uma semana de trabalho, mais uma semana que prestou serviços burocráticos em prol do Estado, mais uma semana que ignorou pensionistas aguardando pelas soluções dos seus processos. Mais uma semana se passou e agora vinha o nefasto sábado e o domingo ao lado de sua esposa seca e árida, a consumidora voraz dos cigarros da Souza Cruz.
"Até o derradeiro dia que ela sofresse o bendito infarto fulminante ou fosse corroída por um belo câncer nos dois pulmões..."
Mais um fim de semana de tédio, sem nenhuma novidade, nenhum amigo em comum. Bem vindo à minha vidinha patética, pensou Mário Regino Reis dos Santos.
Mário Regino atravessou a avenida Rio Branco em passos curtos e desanimados, e entrou na Miguel Couto. Nessa rua estreita de construções do século passado, ele caminhou pela rua de paralelepípedos, passando pelas pastelarias, alguns botecos com as mesas na calçada atrapalhando os pedestres, lojas de roupa usada, lojas de empréstimos e uma joalheria. Atravessou diante o bar do Augusto, onde tempos atrás saboreou um delicioso sanduíche de pernil às custas de Rodrigo. Já fazia tanto tempo que ninguém mais falava dele. Depois que ele saiu da empresa, foi como se ele tivesse uma doença contagiosa; cada vez que aparecia nos lugares que sempre frequentou, e onde matou a fome e sede de vários colegas, o pessoal fingia que ele não existia, e às vezes ele era convidado de se retirar do lugar pelos donos dos estabelecimentos. 
Uma pequena lembrança ruminou seus pensamentos; na  última vez que soube da Samanta, foi que  casou-se com outro sujeito, e que agora estava grávida dele.
Quando foi atravessar a rua Buenos Aires, viu que na sua direção vinha um rapaz magro, com a camisa amarrotada, calças jeans rasgadas na altura da bainha, sujo e barbado. O rapaz arregalou os olhos e sorriu, exibindo agora poucos dentes e cariados.
Ele exalava um fedor que podia ser de conhaque ou cachaça, que Mário Regino não soube identificar.
- Meu amigo Mário Regino! Quanto tempo que a gente não se vê!! Como tem passado? E Laurinda, tudo bem com ela?
Mário Regino não respondeu, e Rodrigo continuou:
- Que bom que te encontrei! Agorinha mesmo olhei pro bar do Augusto e lembrei dos tempos que almoçávamos juntos,das piadas que rolavam... Puxa, me deu saudades, hoje em dia é tão difícil a gente encontrar quem é o nosso amigo de verdade... 
Mário Regino continuou parado como se fosse uma estátua.
- Sabe, Mário, nos últimos dias tenho passado por bastante aperto... Bem, como somos amigos,pra você  posso dizer - Rodrigo torcia os dedos com imensas unhas imundas, e olhava de um lado para o outro desconfiado. No canto da boca escorria uma pequena baba. - Tá vendo, conseguiram acabar comigo. Foi muita inveja em cima de mim. O Pacheco e Glorinha arquitetaram tudo pra me derrubar, os dois juntos... mas sou forte, não dou meu braço pra torcer, nessa luta ainda vou ganhar... já tô até com um trabalho em vista, mandei meu curriculum e agora só estou no aguardo pra ser chamado e começar o batente! O único problema agora é hoje, sabe... tem noites que durmo na rua no meio dos mendigos, debaixo das marquises...às vezes minha única refeição é quando  ganho uma quentinha do pessoal da igreja que distribui na Presidente Vargas... não me envergonho disso, sei que é só uma fase, acredito... sabe, na hora que te vi agora posso dizer pra mim que Deus existe. Que Ele nos colocou aqui, frente a frente, para que a gente se reencontrasse.
Mário Regino ainda continuava parado e num silêncio sepulcral.
Pessoas que andavam apressadas pela Miguel Couto, evitavam o contato físico com aquele vagabundo maltrapilho. Rodrigo continuava olhando de um lado para o outro, os olhos expressando medo e ansiedade; enfim, evitou olhar seu antigo vizinho de frente e concentrou seu olhar no sapato de Mário Regino:
- Hoje posso dizer pra mim: depois de tantos infortúnios, te vendo aqui na minha frente, tão bem de saúde, é uma benção... e pelos velhos tempos, amigão, você pode me emprestar um dinheiro... Vê só, juro que te pago, foi como te disse, logo começo a trabalhar... não é muito, só cem reais pra dormir num lugar decente, com uma cama... Hein? Não? Oitenta? Sessenta? Vinte? Dez reais pra comer um salgado...
Finalmente Mário Regino saiu do silêncio e disse, friamente:
- Sai pra lá, tá me achando com cara que sustento vagabundo? Vai procurar um trouxa pra cair na sua conversa e pagar sua cachaça! Comigo não, violão!
E quando passou por um Rodrigo decrépito e transtornado, completou:
- E sempre um tagarela.
 Passou pelo rapaz e nunca mais viu Rodrigo.

EPÍLOGO

Assistia o jornal Fala Brasil sentado na sua velha poltrona rasgada, ainda de pijamas. Era um sábado nublado e abafado. O ventilador de teto girava lentamente as pás, e mesmo assim sentiu o suor correndo pelas costas e no rosto.
Podia ouvir o ronco de Laurinda vindo do quarto. Se ela acordada e em silêncio já era insuportável, ela roncando, sua vontade era asfixia-la com um travesseiro.
Pegou o controle remoto e foi trocando os canais.Tédio, profundo e longo tédio. Principalmente agora, com a notícia que recebeu sobre sua aposentadoria.
Não conseguia imaginar como seria sua vida em diante, depois da aposentadoria, vivendo os sete dias da semana com Laurinda mordendo seus calcanhares. Era o mesmo que ser punido por um crime que nunca cometeu.
Escutou barulho de móveis sendo arrastados no corredor de fora. Levantou-se e abriu a porta. Viu homens com uniformes de transportadora carregando uma geladeira, e outros carregavam caixas.
Um jovem casal surgiu logo atrás. A moça estava grávida, e ele a abraçava pela cintura.
- Bom dia, sou seu novo vizinho, meu nome é Fábio e essa linda grávida é minha esposa, Juliana.
Mário Regino sorriu. Avaliou o casal na sua frente e apertou as mãos deles. Ele disse:
- Meu nome é Mário Regino. Que bom que esse apartamento está recebendo um belo casal. Espero que sejam felizes aqui.
Fábio simpatizou-se de imediato com aquele homem alto e gordo na sua frente. Ele disse:
- Também esperamos, principalmente agora - apontou para a barriga da esposa.
Mário Regino alargou mais ainda o sorriso, mostrando seus dentes pequenos e amarelados, e disse:
- Com absoluta certeza serão felizes aqui. Sejam bem vindos, e qualquer coisa que precisarem, já sabem,  é só bater. Vizinhos são pra isso mesmo.

FIM

Dia 26 de maio não percam os capítulos de DESTINO: INCERTO.

Rogerio de C. Ribeiro

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