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sábado, 30 de agosto de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 21

No capítulo anterior: - É sua filha, doutora. Anabela.
- O que ela quer? Meu dia não começou nada bem. - Ela entrou na sala e pegou a extensão.
- Mãe! - Anabela sussurrou.
- O que foi?
- Mãe, vem pra casa...
- Aconteceu alguma coisa?
Anabela soluçou.
- A nova empregada, mãe... Ela é má, muito má!


Anabela e Juninho estavam na sala principal. O menino estava à espreita no arco que separava o cômodo da sala de jantar. Sua missão era vigiar a cozinha no caso da nova empregada saísse de lá. Enquanto isso, sua irmã ligava, do telefone fixo que ficava em cima de uma mesinha ao lado da poltrona que seu pai sentava, para sua mãe.
Anabela ficou apavorada quando a empregada falou tudo aquilo a Juninho. Ela ouviu palavras que nunca foram ditas na sua casa. Nem nos momentos que sua mãe ficava braba falava palavrões.
Mas o que mais a deixou amedrontada foi a maneira como Fernanda falou. Ela não gritou, nem fez cara feia. A nova empregada simplesmente falou tudo aquilo de uma maneira calma, sensata, como se estivesse dando conselhos.
Durante o almoço, Fernanda os serviu em silêncio e depois levou um prato para o quarto de dona Vitória. Anabela aproveitou a ausência dela para falar com Juninho:
- Morri de medo!
Juninho admitiu:
- Eu também.
Dequinha apenas sorriu.
Quando a empregada levou os pratos e talheres para a cozinha, Anabela puxou Juninho para um canto e disse:
- Vigia pra ver se ela não aparece!
- E Dequinha? Ela pode ir falar com ela!
- Ô! Dequinha sempre vai dormir depois do almoço. A essa hora deve tá enfiada na cama com o dedo na boca. Vai, fica ali olhando. Vou ligar pra mamãe!
Mesmo apavorado, Juninho ficou de tocaia enquanto Anabela discava para o escritório da mãe.
- Mãe! Ela é muito má!
Ouviu Vera no outro lado da linha:
- O que é que tá falando, Anabela? Já de implicância com a empregada?
- Não impliquei nada, mãe! Ela brigou com Juninho...
Vera engasgou:
- Fernanda bateu no seu irmão?
Anabela sussurrou. Ela também estava de olho no arco.
- Não, mãe. Ela não bateu nele. Mas falou palavrão.
Vera parecia incrédula:
- Ela é evangélica! Que eu saiba, os evangélicos não falam palavrões!
- Mas ela falou.
Houve um breve silêncio e depois Vera disse:
- Você está mentindo pra mim, Anabela, isso é feio.
- Não tô mentindo! - Anabela estava prestes a cair no choro.
- Tá sim. Vocês não gostaram da menina. Eu sei que estavam acostumados com Belinda. Eu também sinto falta dela. Mas não é justificativa para me ligar e contar mentiras. Fernanda é uma moça muito boa.
- Ela é má!
- Não vou ficar discutindo com você no telefone. Quando chegar em casa a gente conversa.
Anabela ouviu o clique no outro lado da linha. Sua mãe desligou o telefone sem ter acreditado nela.
- É!!!! - Juninho agitou as mãos. - Tá vindo pra cá!
Quando Fernanda entrou na sala principal, Anabela e Juninho estavam sentados no sofá. Fernanda não comentou nada, apenas olhou o telefone em cima da mesinha fora do lugar. O aparelho estava virado de lado, mostrando um pedaço retangular sem a poeira da mesa.
Juninho disse:
- Não fizemos nada.
Fernanda sorriu. Um sorriso frio, gélido:
- Eu sei que não aprontaram nada. Continuem assim, quietinhos. Sua avó tá dormindo.
Ela deu as costas e saiu da sala. Anabela perguntou:
- Será que ela sabe?
Juninho, apavorado:
- Sei lá. Mas tô com medo dela.
- Eu também - admitiu a irmã mais velha.
                                   *********
Estavam no quarto jogando videogame quando ouviram o característico barulho do Palio estacionando em frente da casa. Dequinha, excluída da brincadeira dos irmãos, alertou:
- Eles chegaram.
Juninho largou o console e disparou na frente. Anabela foi logo atrás, seguida de uma Dequinha tranquila.
Chegaram na sala e viram seus pais. Vera deixou sua pasta em cima da mesa e disse:
- Anabela, conversei com seu pai quando vínhamos e precisamos esclarecer tudo isso.
- É mesmo - disse Aurélio, sentado na sua poltrona favorita. - Que história foi aquela que a moça falou palavrão?
Anabela tomou a frente e contou em partes o que havia acontecido. No instante que chegou na parte do palavrão, Fernanda entrou na sala.
Anabela ficou pálida e silenciou. Juninho preferiu ficar ao lado da sua mãe.
- Fernanda - disse Vera, sentada no sofá com seu filho encostado nela. - Anabela me disse...
Fernanda cortou:
- Desculpe interrompê-la - sua voz era calma, mas parecia magoada. - Mas Anabela disse que Juninho empurrou Andréia?
Vera encarou seu filho.
- Isso é verdade?
- Foi, mãe - disse Dequinha. Ela estava parada ao lado de Aurélio. - Eu caí e machuquei minha mão.
- Você não me falou isso, Anabela - disse Vera, zangada.
- Não... Não falei...
- Mas Fernanda falou um palavrão! - disse Juninho, apavorado.
Fernanda olhou para ele e seus olhos tinham lágrimas.
- Dona Vera, eu sei que todo mundo gosta da Belinda. Mas não é porque entrei há três dias que seus filhos podem mentir dizendo isso...
- Não menti! - disse Anabela.
- Eu ia ligar para a senhora - disse Fernanda, ignorando o protesto da menina. - Fiquei pensando se fiz alguma coisa de errado. Procuro fazer tudo que a senhora manda, e até fiz um bolo para eles. Mas o que fizeram comigo é muito chato.
- Fizeram o quê? - Aurélio perguntou.
Fernanda juntou as mãos como em oração e disse, aos prantos:
- Rasgaram minha bíblia.
- O quê? - Vera gritou. Juninho, que estava grudado nela, pulou do sofá, assustado.
As lágrimas corriam pelo rosto da empregada:
- Quando eles chegaram, Dequinha reclamou que tinha sido empurrada. Olha, eu só falei isso: Jesus não gosta de ver irmãos mais velhos maltratando os mais novos. Juninho me respondeu que fazia o que quisesse com a irmã mais nova. E Anabela apoiou.
- Mentirosa!!!! - disseram os dois, em uníssono.
- Falei da bíblia, que dizia isso e os dois falaram: Me mostre onde está escrito.
"Depois do almoço, fiquei com dona Vitória. Ela comeu bem e foi cochilar. Como não gosto de assistir televisão, fui no meu quarto para pegar minha bíblia. E aí vi..."
Fernanda tirou do bolso várias folhas rasgadas e entregou a Vera. Eram páginas da bíblia.
- Não sabia o que fazer, dona Vera. Nunca, nem mesmo nas minhas perdas pessoais, sofri tanto como agora. Estou fazendo o bem e eles fazem isso...
Aurélio ficou de pé. Anabela rogou:
- Papai, não fizemos nada disso...
- Além de rasgar a bíblia, eles escreveram...
- Tem mais? - Aurélio estava desnorteado. Vera não dizia nada, só observava furiosa os filhos.
Fernanda tampou o rosto com as mãos e disse:
- Eles escreveram na parede do quarto: "Vai embora, vaca sem vergonha". "Não gosto de você, quero que Belinda volte!"
- Quero ver isso - disse Vera, atravessando a sala em direção da área de serviços.
Com Vera na frente, todos a seguiram como uma fila. Vera abriu a porta do quartinho de empregada. Nas paredes, escritos em lápis de cera, estavam essas mensagens. E as letras eram deles.
Constrangida, Vera disse:
- Nem sei como posso pedir perdão em nome deles, Fernanda. Mas espero que releve isso e continue conosco.
- Obrigada, dona Vera - disse Fernanda, humilde. - Não pensei em ir embora. Compreendo seus filhos. Sou uma intrusa na casa. Mas nunca quis tomar o lugar de ninguém..
- Você é uma moça com coração bom - disse Aurélio. - Nós vamos conversar com eles. Isso não vai acontecer mais, te garanto.
- Sim, senhor - disse Fernanda indo para a cozinha.
Ela ouviu Vera e Aurélio repreendendo os dois. Passou a mão na face para secar as falsas lágrimas. Sorriu.
"Idiotas. Na próxima vez vão aprender que não podem mexer comigo. E nunca mais vão deixar suas mochilas à minha mão. Pra copiar suas letras de primário é a coisa mais fácil do mundo. A partir de agora vão ficar pianinhos comigo. "
Ouviu som de tapas. E de choros.
Agora ficou satisfeita.

Continua...

No próximo capítulo: Mais uma vez, Aurélio tenta convencer Vera em vender o casarão.

Rogerio de C. Ribeiro

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 20

No capítulo anterior: Juninho disparou na frente e Anabela foi logo atrás para a sala de jantar. Dequinha passou por Fernanda e disse:
- Obrigada.
Fernanda não respondeu. Ainda não ficou satisfeita por inteira. O menino calou-se muito rápido e a menina de nove anos também. Fernanda pensou enquanto seguiu para a cozinha:
"Eles vão falar. Ficaram com medo, e as únicas pessoas que podem protegê-los são os pais. Mas se pensam que são mais espertos, vão conhecer uma que é mais que elas!"

Vera não teve um bom dia. As coisas começaram a dar errado já no Fórum. Ela e o cliente ficaram horas esperando pela audiência. O lugar estava lotado de advogados, clientes, vendedores de cafezinho, policial escoltando bandido e ventiladores desligados. Vera improvisou um leque de uma propaganda de supermercado que achou em cima do comprido banco de madeira que sentava. Uóchinton ( por incrível que pareça, os inspirados pais do seu cliente o batizaram assim, com essa grafia aportuguesada ) já chegou reclamando de tudo. Da esposa, dos filhos, do mundo. Era um sujeito de um metro e sessenta, raquítico, com um imenso pomo-de-adão que ia e vinha em um pescoço comprido. Sua cara lembrava o de uma fuinha neurótica.
- Doutora, minha mulher vive reclamando dessa demora toda e ela está coberta de razão! Ela acha que a senhora não tem se dedicado no meu processo como devia!
Vera folheava algumas folhas em uma pasta que apoiava nos seus joelhos. Ergueu a cabeça e tirou os óculos de leitura.
- Sua mulher disse o quê? Ela é advogada?
Uóchinton engoliu em seco; o pomo-de-adão balançou.
- A doutora sabe que não!
- Me explique então como ela pode sugerir uma idiotice dessa?
- Cremilda se preocupa comigo.
Vera folheou algumas folhas e pegou uma.
- Se sua caríssima mulher realmente se preocupasse contigo, devia ser a primeira, já que vocês dormem juntos... eu acho... a te aconselhar para que não perdesse sua cabeça à toa.
- Doutora!!! - O rosto de fuinha ficou rubro.
- A verdade dói, não é? Se sua mulher tivesse pulso firme e você aceitasse os conselhos dela, aposto que nunca ia esmurrar seu chefe dentro do escritório!
- Bati e não me arrependo! Ele mereceu!
- Mereceu por quê te chamou de preguiçoso? Que não fazia o serviço corretamente?
- E daí? Sou homem! Nunca levei desaforo pra casa!
- Por causa desse ponto de vista machista e arcaico, quebrou o nariz do seu chefe e levou uma justa causa. Olha, vou ser sincera contigo: Não creio que o Juiz vai aceitar sua queixa de danos morais. Você já teve muita sorte que o seu antigo chefe não tenha dado queixa na polícia.
- Doutora, a senhora não tá aqui de graça.
- Ah, claro que não - A vontade de Vera era largar o processo ali mesmo e abandonar o sujeitinho. O cara de fuinha era intragável, e o calorão ali dentro não contribuía  muito. - Se sua mulher quer outro advogado, fique à vontade. Mas fale logo pra eu sair desse inferno.
Os olhos miúdos do sujeito davam a impressão que a fuzilava, mas ele disse, mais calmo:
- Começamos juntos e terminamos juntos.
- Bom menino - disse Vera, voltando para a leitura dos processos em mão.
O antigo funcionário de uma grande loja de eletrodomésticos pedia vinte mil reais referentes a danos morais. Vera calculou que esse valor podia ficar entre dez a quinze mil, caso houvesse barganha. E era nesse valor que ela baseava seus honorários. Trinta por cento da barganha seriam de três mil a quatro mil e quinhentos. Com esse dinheiro, quitaria algumas dívidas do escritório e ainda sobraria algum.
Mas ela não podia deixar seu cliente abrir a boca.
- Lembre-se - disse ela fitando o cliente com os óculos de leitura. - Nada de abrir a boca desnecessariamente. Só fale se o Juiz te perguntar algo. Mas fale só o essencial.
- Eu não sou nenhum idiota, doutora.
Esse era seu medo. Todos idiotas insistiam que não eram imbecis. A boçalidade deles impedia que tivesse humildade na sua cabeça oca.
Vera suspirou e voltou a se abanar. Agora era só esperar...
Vinte minutos depois, uma jovem estagiária abriu uma porta e anunciou:
- Sr. Washington Rios e doutora Vera Paranhos...
Vera se levantou, largou o leque improvisado, pôs as pastas embaixo do braço e chamou seu cliente.
Quando iam entrando na sala do Juiz Barroso, o sujeito com cara de fuinha advertiu a jovem estagiária:
- A senhorita tinha que ter aprendido que meu nome é Uóchinton, não esse aí que falou.
- Esqueça isso - disse Vera pelo canto da boca.
Um advogado os seguiu, e tomaram os lugares que a estagiária mostrou. O advogado da empresa abriu sua pasta, tirou vários papéis e colocou à sua frente na mesa. Ao seu lado estava um tal de Hipólito, que se apresentou como gerente dos recursos humanos. Era um sujeito barrigudo, calvo e constantemente passava um lenço encardido na testa. O advogado sussurrou algo no seu ouvido e Hipólito concordou.
Vera estava separando algumas anotações que tinha escrito quando sentiu que puxavam a manga da sua roupa. Era seu cliente. O cara de fuinha apontou o polegar para os dois sentados na sua frente e disse, nervoso:
- O que eles cochicharam ali?
- Isso é com eles.
- Eles não! É comigo, doutora! Tão falando de mim!
- Acalme-se. O Juiz já está vindo. Vamos fazer tudo que combinamos. Só abra a boca se o Juiz perguntar alguma coisa para você.
Hipólito passou o lenço pelo pescoço e depois cochichou com o advogado. Uóchinton bateu na mesa e disse:
- Se estão falando de mim, falem na minha cara! Sou sujeito homem!
O advogado da empresa apenas sorriu. Esse sorriso foi como um tabefe no sujeito com cara de fuinha:
- No próximo sorriso, te pego lá na rua!
- Uóchinton! - advertiu Vera. Ela se virou e disse ao advogado: - Colega, desculpe a atitude do meu cliente. Ele está nervoso com todo processo...
- Deixa pra lá - disse o advogado. - Seu cliente tem que saber que não existe nada pessoal contra ele. Aqui é negócio, puro negócio.
O pomo de adão do cliente da Vera subia e descia. Bagos de suor escorriam pelo rosto e molhavam a gola da sua camisa.
Vera sussurrou:
- Outro chilique e parto fora.
Uóchinton não respondeu. Seus cotovelos estavam apoiados sobre a mesa e ele balançava as pernas.
- Senhora e senhores, Juiz Barroso.
Um homem alto e de cabelos grisalhos entrou por uma porta dos fundos e sentou-se no seu lugar.
Depois das apresentações, o Juiz perguntou:
- A empresa tem alguma proposta?
O advogado puxou um papel e disse:
- Pelos danos morais, a empresa concorda em pagar três mil reais reais.
Vera riu.
- O colega está brincando! - Ela ia falar sacaneando, mas conseguiu se controlar a tempo. - Não chega nem perto do valor que pedimos...
O advogado da empresa disse:
- Cara colega, o que seu cliente fez foi uma grave falta. Ele bateu no superior dele...
- O filho da mãe me chamou de preguiçoso! - Uóchinton berrou. O Juiz Barroso interveio:
- Senhor, acalme-se.
- Seu Juiz, foi isso mesmo, ele me humilhou na frente dos meus colegas. Eu não tenho sangue de barata, não!
Vera segurou o braço magricela do seu cliente e disse:
- Cala a sua boca!
- Não me calo! O cara tá querendo inverter a situação toda! Por quê não fala a verdade? - reclamou Uóchinton, apontando para o advogado na sua frente.
- Sua sorte foi que ele não prestou queixa.
- O que ia me acontecer? Ser preso por causa de uma porrada????
O mal estar foi instaurado na sala de audiência. Vera tentou contornar:
- Vossa Excelência, peço desculpas pelo meu cliente. Ele anda muito estressado depois da injusta demissão...
O Juiz Barroso foi claro e direto:
- Vamos pular as preliminares e ir direto ao que interessa. O autor requer uma indenização por danos morais em vinte mil reais e a empresa aceita pagar três mil. O que me diz, sr. Uóchinton?
- Três mil? Aceito.
Vera interveio:
- É muito pouco...
- Aceito e acabamos esse pesadelo aqui e agora.
O advogado da empresa, satisfeito, concordou.
Hipólito limpou sua testa com o lenço encardido que tinha na mão. Também parecia satisfeito.
Depois que assinaram o documento da conciliação, Vera e seu cliente saíram na frente. Ela reclamou:
- Você foi precipitado. Se eles ofereceram três mil, podíamos chegar em dez...
- Pra quê? Rolar mais alguns meses esperando? Não.
- Já fez as contas? Você só vai levar dois mil e cem reais...
Uóchinton deu de ombros.
- Dá pra alguma coisa, doutora.
                                            *****
Vera entrou no seu escritório enfurecida. Na ante-sala, Cida estava sentada à sua mesa com o telefone na mão. Ela era uma mulata de quarenta e tantos anos, cabelão armado e de brincos imensos e chamativos. Atrás dela uma porta levava para a sala da advogada. Vera passou por ela e quando virou a maçaneta da porta, Cida tapou o bocal do fone e disse:
- É sua filha, doutora. Anabela.
- O que ela quer? Meu dia não começou nada bem. - Ela entrou na sala e pegou a extensão.
- Mãe! - Anabela sussurrou.
- O que foi?
- Mãe, vem pra casa...
- Aconteceu alguma coisa?
Anabela soluçou.
- A nova empregada, mãe... Ela é má, muito má!

Continua...

No próximo capítulo: Quem fala a verdade? A nova empregada ou as crianças?

Rogerio de C. Ribeiro

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 19

No capítulo anterior: Maresia riu.
- Na hora que ele me ligar dizendo: Minha mulher concordou; o sr. Ibañes vai em pessoa falar com ela. Assim economiza na corretagem!
Xavier passou o dedo com cocaína nos dentes e murmurou:
- Agora entendeu porque entrei nesse jogo todo? Pra que o sr. Ibañes faça tudo na tranquilidade. Se o idiota vier em cima, nós entramos em ação! 

O silêncio reinava no casarão. As janelas da sala principal estavam abertas e as cortinas balançavam ao sabor do vento. Na sala de jantar, só a mesa e as cadeiras. O corredor que levava aos quartos e ao banheiros era um deserto. Na cozinha, uma chaleira no fogo apitava e o vapor se espalhava em redor. Na área, várias camisas, bermudas, short enfeitavam dentro de uma cesta grande.
Se alguém entrasse na casa iria achar que a casa era abandonada. Mas se insistisse mais vasculhando os aposentos, encontraria duas pessoas dentro de um quarto; uma jovem usando uniforme de empregada e uma velha na cadeira de rodas virada na frente de uma tevê de 14 polegadas.
Pois era isso mesmo. Fernanda largou a chaleira no fogo e procurava uma bendita chave para abrir uma caixa de ferro.
- Fer... pa... Ferpa...
Fernanda estava agachada no assoalho, revirando travesseiros e colchas pesadas no armário da velha senhora. Ela suava naquela empreitada. Quando ouviu a velha murmurando seu nome errado, virou a cabeça e gritou:
- Não tá vendo que estou ocupadíssima? Que velha chata!
Dona Vitória parecia desconfortável, se mexia de um lado ao outro.
- Eu... guierooo tracer... xixi...
Xixi foi a única palavra que entendeu.
- Mija na fralda, merda!
Ela esvaziou o compartimento de baixo do armário, atirando fronhas, lençóis, travesseiros ao seu lado e não achou nenhuma chave escondida. Tinha que aproveitar aquela manhã que não tinha ninguém na casa. Nem dormiu direito à noite pensando o que podia ter escondido naquela maldita caixa.
- Ferrrrrrrrrrrrpaaaaaaaaaa...
- Se não ficar quieta agora, te arranco a língua!
Com agilidade, guardou tudo que espalhou dentro do armário e depois se levantou. Embaixo das suas axilas, duas manchas redondas marcavam o uniforme.
- Porra! Daqui a pouco as crianças chegam e nem preparei o almoço ainda!
Quando se virou na direção da velha viu uma poça amarela embaixo da cadeira de rodas.
- Sua filha da puta! Não podia segurar um pouco?
Dona Vitória riu. Aquele riso vazio.
- E ainda ri?
Fernanda agarrou os cabelos da velha e puxou para trás, até que o rosto virasse para cima.
- Preste bem atenção no que vou falar... - Os fios crespos do cabelo da dona Vitória emaranharam-se nos seus dedos. A velha arregalou os olhos e a balbuciava qualquer coisa. - Vou te ensinar como se ensina a um cachorro quando mija no lugar errado! Minha vontade era que você lambesse essa merda toda! Mas tá com sorte, sua vaca! Não vou botar tudo a perder por tua causa! Mas preste atenção: No dia que eu resolver ir embora daqui, antes de sair, te estuporo toda!
Dona Vitória deu a impressão que entendera tudo. Os olhos aquosos dela giravam para todas direções e passava a língua em volta dos lábios finos.
Fernanda soltou os cabelos e esfregou as mãos na saia do uniforme. Pegou um lençol e limpou a urina da velha.
- Se ainda dissesse onde está a chave...  murmurou, contrariada, com o lençol molhado embolado na sua mão. - Olha só, vou sair. Se nesse tempo você abrir a bica da sua boceta de novo, nem sei o que vou fazer...
"Te sufocar como a outra - pensou Fernanda, enquanto caminhava pelo corredor - Pegar o maior travesseiro que tiver e enfiar na tua cara! Olhar você batendo seus braços secos e enrugados na cama. Quando tudo terminar, fechar seus olhos esbugalhados e sem vida e botar sua língua de volta nessa boca oca. Minha vontade é essa, mas ainda é cedo. Muito cedo..."

                       *******************************
A Kombi escolar buzinou duas vezes. Juninho foi o primeiro que entrou na sala correndo. Jogou sua mochila em cima do sofá e ficou pulando no centro da sala, em cima do antigo e agora puído tapete que seu avô trouxera do Egito. Pela porta da sala escancarada, Anabela surgiu correndo e atrás dela vinha Dequinha, zangada.
- É!!!!! - Relinchou o menino, ainda pulando e apontando para a caçula. - Muié do padre!
- Não sou - resmungou a menina.
Anabela se juntou ao irmão e berrou:
- Dequinha é mulher do sapo!
Dequinha continuou parada, segurando sua mochila cor-de-rosa, com os beiços tremendo.
- Vou contar para mamãe que você me empurrou, Juninho!
- Quem manda ser uma tartaruga? Ficou na minha frente atrapalhando, tive que empurrar!
- Eu machuquei minhas mãos - Dequinha exibiu as palmas das mãos raladas.
- É!!!!!!!!!!! Tinha que quebrar a fuça! - O menino se dobrava de tanto rir.
- Que coisa feia - Uma voz atrás dele. Juninho e Anabela se assustaram com a presença de Fernanda. Ela apareceu na surdina, sem um barulho que a denunciasse. - Vocês que são mais velhos tinham que proteger sua irmã e não empurra-la.
Juninho a enfrentou:
- E daí? O que tem com isso?
Fernanda disse suavemente:
- Eu? Não gosto de ver covardia.
- Ah!!! Você não pode falar nada, NADA! - disse Juninho, sentado na poltrona. Arrancou os tênis e as meias e jogou-as no lado. - Ela é minha irmã e FAÇO o que quiser com ela! Qualquer coisa!
Fernanda se aproximou lentamente e quando ficou a dois metros do menino, perguntou:
- O que você faz? Bate nela? Puxa os cabelos dela? Inventa fantasmas para ela não dormir? Ou você entra no quarto de madrugada e fica enfiando o dedo na bocetinha dela?
Juninho engasgou. Arregalou os olhos e guinchou feito rato:
- Cru...Cruzes!!! Não faço nada disso!!!
Anabela, horrorizada, reclamou:
- O que você falou foi muito feio, Fernanda! Vou contar para meu pai...
- Você! - Fernanda apontou para a menina que se encolheu. - Ainda não chegou sua hora. Quando eu acabar aqui, aí conversamos.
- Não vou falar com ninguém! - Berrou Juninho, se levantando. - Tô com fome, eu quero...
- Quer nada - Fernanda o empurrou e o menino caiu novamente na poltrona. - O senhor não tem idade pra exigir nada!
Juninho parecia apavorado. Seus olhos encheram de lágrimas. A maneira como Anabela estava, parada no meio da sala segurando uma das alças da sua mochila jeans, era como se tivesse sido hipnotizada e se transformou em uma estátua. A única que sorria satisfeita era Dequinha.
- Eu vou contar tudo pra minha mãe...
- E vou dizer à sua mãe o que você fez comigo.
Juninho não entendeu.
- Eu não fiz nada!
Fernanda sorriu. Aquele sorriso arrepiou a espinha do menino.
- Fez sim. Você e sua irmã mais velha. Foram lá no quarto que durmo e rasgou minha bíblia.
- Mentirosa! - Anabela acordou do seu torpor.
Fernanda a ignorou.
- E não satisfeitos de terem feito picadinho o livro sagrado, ainda rabiscaram a parede e escreveram uma coisa muito feia...
Juninho tremia.
- Chega!
- Garotinho mimado, não acabei ainda. Essa é pra você e sua irmã. Na próxima vez que eu ver vocês maltratando Andréia, nosso papo não vai ser  assim... como posso dizer? Amigável.
Fernanda experimentou uma sensação deliciosa. Adorava quando via medo nos olhos dos outros. O pânico que os outros sentiam alimentavam seu ego.
- Vão comer agora. A comida está na mesa. Se sua mãe sabe que se atrasaram no almoço, eu que vou ouvir, e muito.
Juninho disparou na frente e Anabela foi logo atrás para a sala de jantar. Dequinha passou por Fernanda e disse:
- Obrigada.
Fernanda não respondeu. Ainda não ficou satisfeita por inteira. O menino calou-se muito rápido e a menina de nove anos também. Fernanda pensou enquanto seguiu para a cozinha:
"Eles vão falar. Ficaram com medo, e as únicas pessoas que podem protegê-los são os pais. Mas se pensam que são mais espertos, vão conhecer uma que é mais que elas!"

Continua...

No próximo capítulo: Vera e a audiência no Fórum

Rogerio de C. Ribeiro

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 18

No capítulo anterior: - Estou com saudades - sussurrou ele, mais colado ainda. - Há muito tempo que não brincamos...
- Hoje não tô pra brincadeiras!
- Vamos... Larga de ser uma menina má... vem aqui...
Vera ia negar, mas aquele membro enrijecido começou a afrouxar suas negativas. Realmente, fazia bastante tempo que ele não ficava daquela forma. E aquela podia ser uma única oportunidade...
- Então venha... - disse Vera, melosa.

Mal entrou na imobiliária, Rezende, um corretor barrigudo e de grandes bigodes, avisou com seu vozeirão:
- Um sujeito te ligou duas vezes seguida, Aurélio e não quis deixar recado.
Aurélio sabia quem era esse sujeito. Acomodou-se na pequena mesa que usava, verificou se tinha algum recado de cliente e depois colocou seu celular e seu maço de cigarros sobre a mesa.
- Perguntei se era cliente, mas o cara não falou nada.
- Acho que sei quem é - comentou Aurélio, distraído. Pegou o jornal O Dia dentro da sua pasta e abriu na página de esportes.
Começava mais um dia na sua tediosa rotina na imobiliária. Além dele, mais três corretores dividiam o pequeno espaço do escritório: Rezende, Moreira e o Viriato, todos da velha guarda, rodados na estrada da corretagem. O "trabalho" deles na imobiliária era apenas passar o tempo; raramente aparecia um cliente e quando isso acontecia, eles disputavam a tapa ou no palitinho. No mais, cada um contava suas histórias dos tempos áureos do ramo imobiliário em Niterói.
Rezende era um deles. Refestelado na sua cadeira, esticando as pernas e coçando o saco, vivia repetindo a mesma ladainha de sempre:
- Bom mesmo foi nos tempos da expansão imobiliária dos anos sessenta e setenta. Esses sim, foram os melhores anos para investimentos. Todo dia aparecia uma obra em construção. O pessoal do Rio vinha pra comprar salas comerciais, apartamentos, quitinetes, tudo a preço de banana! Lembro de uma vez que vendi dez apartamentos numa tacada só em um dia! Um dia! Hoje em dia uma coisa dessa é impossível! Cheguei no ponto de ir na imobiliária só pra pegar minhas comissões. Um paco de dinheiro, gente! Pena que era muito jovem... mas não posso me queixar.
- Quando a gente é jovem acha que a maré boa vai ser pra sempre - filosofou Viriato, um sujeito de pescoço magro. A gola da sua camisa era igual aos dos palhaços de circo e a gravata chegava no cinto da calça. - Também ganhei muito dinheiro nesse período de vacas gordas. Minha sorte foi que a dona Patroa monopolizava todo dinheiro que entrava na casa. Até hoje ela é assim, linha dura. Se não fosse ela, não teria comprado nosso apartamento em Santa Rosa.
- Você tem sua esposa pra controlar, mas eu tive quatro mulheres e nenhuma pensou em economizar nada - lamentou Moreira. Ele era gordinho, de cabelos ralos e usava óculos de lentes grossas. - Por isso hoje estou sozinho. Nada de mulher na minha vida. Só agora que consigo economizar alguma coisa... e meus filhos estão crescidos, trabalham e ainda me ajudam.
Aurélio ouvia aquelas lamentações todos dias. Também tinha seus problemas pessoais, mas não dividia com os colegas. Para eles, Aurélio era um cara de sorte, casado com a filha do vereador Teodoro Paranhos e morava em um casarão na área nobre de Niterói. Mal sabiam o que se passava na cabeça de Aurélio, da proposta tentadora que recebeu para convencer sua mulher em vender o mausoléu. E da dificuldade de ter sucesso naquela empreitada.
O telefone tocou e Aurélio atendeu. Deixou o jornal na mesa e disse:
- Alô. Imobiliária Orestes, em que posso ajudar?
- É Aurélio que tá falando?
- Sim, sou eu.
A voz no outro lado da linha era anasalada:
- Sou eu, cara. Xavier. Pô, é mais fácil falar com o Papa que com você.
- Ainda não tenho novidades pra te dar, Xavier.
- Porra! O cliente me ligou agorinha a pouco! Ele precisa de um xeque mate pra situação!
- Ainda não teve xeque mate nenhum. Você viu como ela é.
- Vi. Mas ela não me conhece. Já você é o marido dela... eu acho...
- Xavier, sem piadinhas, por favor. Estou tão ansioso como você nessa missão.
- Não parece.
- Acredite, estou. Só se fosse maluco em não gostar de dinheiro.
- Tem como dar um pulinho no meu escritório? Fica aqui na Amaral Peixoto, perto do Bradesco. Não gosto de telefones. Paranoia minha. Tantas reportagens que passam na tevê com telefonemas grampeados pela justiça...
- Não precisa ficar preocupado com o telefone da imobiliária. Aqui ninguém tem interesse em saber o que a gente fala.
- Não é do seu telefone que me preocupo, é o meu. Vai, anota o número do prédio e da sala.
Aurélio anotou em pedaço de papel que rasgou do jornal e disse:
- Estou indo agora. - Desligou o telefone e disse aos corretores ociosos - Vou dar uma saidinha e já volto.
- Se alguém te ligar, o que falo? - Perguntou Rezende.
- Ninguém vai me ligar. Pelo menos agora de manhã - respondeu Aurélio. Esse alguém era Vera, mas ela devia estar no Fórum a essa hora.
Aurélio desceu os dois andares de escada. Não confiava muito no elevador com porta pantográfica pré-histórica do prédio; por várias vezes ficou preso e em uma dessas vezes esperou por quase duas horas que o mecânico tivesse a boa vontade de resgata-lo.
Saiu do prédio e foi caminhando devagar pela avenida com sua cabeça a mil. Xavier não tinha necessidade de pressiona-lo daquele jeito. O interesse também era seu. Não via a hora de embolsar a grana e dar um até logo para Vera e suas neuroses.
Ontem à noite a excitação foi tão grande que não teve alternativa. Já que a esposa estava ali deitada ao lado, dando sopa, com ela mesmo que se aliviou. Não sentia o mínimo desejo pela mulher. Ontem, imaginou que transava com a nova empregada.
E teve um orgasmo que nunca experimentara antes! Coitada da Vera. Ela achando que todo prazer era por sua causa!
A relação deles começou a decair no momento que ela jogou na sua cara dizendo que ele era um banana. Que não tinha ambição na vida. Que não servia nem como homem.
Aurélio foi engolindo todas ofensas sem responder nenhuma delas. Quanto mais Vera o humilhava, às vezes em público, ele ignorava. Engolia calado. Intimamente rezando que um dia sua vida desse uma reviravolta, e que ele pudesse, aí sim, se vingar de tudo, com juros e correção.
E não foi que Papai do Céu apontou um dedo para ele e disse: "Chegou sua hora, Aurélio!" Agora tinha a oportunidade nas mãos, cabia a ele que essa oportunidade não escorresse pelo seus dedos.
Entrou no prédio comercial que Xavier trabalhava e pegou o elevador. Esse era moderno e tinha ascensorista. Segundos depois, saltou no andar que pediu. Procurou a sala, olhando os números de várias portas através de um corredor imenso e sinuoso. Finalmente achou a sala, 1229. Viu a campainha e um aviso escrito acima: NÃO É NECESSÁRIO ESQUECER O DEDO NA CAMPAINHA. AQUI NÃO TEM NENHUM SURDO.
Mal tocou na campainha e a porta abriu. Um sujeito magro, de camisa aberta no peito e ostentando um imenso cordão de ouro com um crucifixo pendurado, perguntou:
- Pois não?
- Vim falar com Xavier - respondeu Aurélio. - Ele está à minha espera.
Aurélio sentiu que o homem o avaliava. Quando o homem falou, mostrou que tinha um dente de ouro no lugar do canino.
- Acho que tá te esperando sim - disse o homem, abrindo mais a porta. Aurélio passou por ele e parou em um cubículo. Ali só tinha uma mesinha, e sobre ela, uma revista "As Brasileirinhas", aberta pelo meio, mostrando duas mulheres, uma morena e uma negra, completamente nuas. Uma foto de página inteira mostrava a negra com sua cara enfiada entre as pernas da morena, que tinha os olhos revirados e pelo biquinho na boca, devia estar uivando.
Na frente de Aurélio havia outra porta que abriu de repente. Um sujeito de cabeça raspada, olhos claros e o braço esquerdo tatuado apareceu. Aurélio se identificou novamente e o gigante deu passagem. Aurélio entrou em uma sala sem janelas e sentado na mesa, Xavier segurava uma pistola.
O coração de Aurélio disparou feito louco quando viu a arma. Xavier notou o pânico estampado no rosto do corretor e riu.
- Cara, tu tá mais branco que papel! Pode deixar que a pistola não é pra você!
O careca que parecia um armário duplex, gargalhou e o sujeito de camisa aberta disse:
- Parede, vá lá fora, temos um assunto com o amigo aqui.
"Tem tudo a ver o apelido com o tamanho do cara!", pensou Aurélio, com as pernas bambas. Xavier colocou a pistola em cima da mesa e disse:
- Puxe uma cadeira pra cá, Aurélio. Maresia, me pega aquele papel.
O cara de camisa aberta, que Xavier chamou de Maresia, puxou a gaveta superior de um armário e dedilhou algumas pastas até que encontrou o que queria. Tirou um papel ofício timbrado e entregou a Xavier.
O narigudo passou os olhos no que estava escrito e disse:
- Dê uma lida nisso aqui, Aurélio, e depois me fala o que acha.
Aurélio pegou o papel que Xavier entregou e leu. Era uma pequena nota. Dizia:
"EU, PEDRO IBAÑES, NATURAL DE MADRI, ESPANHA, RESIDENTE NO BRASIL HÁ 40 ANOS, DECLARO A QUEM INTERESSAR QUE TENHO INTERESSE NA AQUISIÇÃO DA CASA E DO TERRENO NA RUA PRINCESA ISABEL NÚMERO 239, BAIRRO DE FÁTIMA, PARA CONSTRUIR NAQUELE LOCAL O EDIFÍCIO RESIDENCIAL MADRE IBAÑES. NO INTUITO DE MANTER AS NEGOCIAÇÕES TRANSPARENTES, AFIRMO QUE EM CASO DA COMPRA DO DITO TERRENO, CONCEDEREI UM BÔNUS DE R$ 100.000,00 (CEM MIL REAIS) LIVRE DE IMPOSTO, SEM CONTAR A COMISSÃO DE CINCO POR CENTO NO VALOR PROPOSTO PARA A CASA. PARA FIRMAR O COMPROMISSO, ASSINEI E REGISTREI EM CARTÓRIO PARA QUE NÃO HAJA NENHUMA DÚVIDA."
- Sem mais, Pedro Ibañes - leu Aurélio. Estendeu o documento para Xavier e continuou: - Eu não duvidei da sua palavra, Xavier. Não havia necessidade para isso tudo.
- Em negócios, um documento registrado sempre é bem vindo. Pode ficar com esse papel, é uma cópia. O original está com ele.
Aurélio dobrou o papel e guardou-o no bolso da calça. Xavier disse:
- Maresia está aqui como testemunha que você recebeu o documento. Posso crer que é mais um incentivo para sua missão.
- Estou tentando.
- E vai conseguir. Quando meu cliente quer uma coisa, sempre consegue. Agora a meta principal dele é o casarão.
- Me dê uma semana. Farei com que Vera mude de ideia.
Xavier pegou a pistola e guardou-a na gaveta. Diante do espanto de Aurélio, explicou:
- Eu não queria te intimidar. Longe disso. Além do meu trabalho com esse cliente, tenho outros negócios também.
- Se um dia precisar de uma grana emprestada, pode nos procurar. - disse Maresia.
Xavier bateu com a mão espalmada na mesa e berrou:
- Que dinheiro emprestado o quê, zé ruela! Nosso amigo vai embolsar uma grana de responsa!
- Eu sei, chefia, mas nunca sabe do dia de amanhã...
Xavier esfregou o narigão furioso e disse para Aurélio:
- Esse Maresia é um maresia mesmo. Bem, acho que você tem suas coisas pra fazer. Eu também tenho. Uma delas é falar com o sr. Ibañes que você pediu uma semana.
Aurélio se levantou e disse:
- Te ligo.
Maresia abriu a porta e Aurélio saiu. Depois que fechou a porta, perguntou:
- E aí, o que achou?
Xavier abriu a gaveta da mesa e pegou um saquinho cheio de pó branco. Despejou um pouco na mesa e separou quatro carreiras com um cartão.
- O trouxa caiu. O que um papel faz...
- Até eu acreditaria - comentou Maresia, sentando na cadeira. Xavier aspirou com uma nota de vinte enrolada duas carreiras e disse:
- Larga de ser babaca! Viu algum carimbo no papel? Uma autenticação?
- Não...
- Então! E acha mesmo que Ibañes vai pagar cem contos só porque o cara é marido da vagaba? Também não. Nem sei se vai ganhar os cinco por cento...
Maresia riu.
- Na hora que ele me ligar dizendo: Minha mulher concordou; o sr. Ibañes vai em pessoa falar com ela. Assim economiza na corretagem!
Xavier passou o dedo com cocaína nos dentes e murmurou:
- Agora entendeu porque entrei nesse jogo todo? Pra que o sr. Ibañes faça tudo na tranquilidade. Se o idiota vier em cima, nós entramos em ação!

Continua...

No próximo capítulo: Fernanda bate de frente com as crianças

Rogerio de C. Ribeiro