UM BOM VIZINHO
CAPÍTULO 5
XIII
Mário Regino já se preparava para dormir,
enquanto Laurinda, esparramada no sofá com os pés para cima e com um
cigarro entre os lábios, assistia o Jornal da Noite. Escovava os dentes quando
ouviu alguém batendo na porta da sala. Não só batiam como também ao mesmo tempo
apertavam a campainha. Saiu do banheiro com um pouco de pasta de dente no
queixo, e gritou:
- Laurinda, o que tá havendo?
Lentamente, Laurinda se levantava do sofá,
não sem antes dar o último trago no cigarro e depois amassa-lo no cinzeiro
cheio, e disse:
- Sei lá, vai lá ver!
Mário Regino espiou pelo olho mágico e abriu
a porta. Samanta caiu sobre ele. Ela tinha os lábios arroxeados e olheiras
profundas. Mário Regino a conduziu para o sofá e notou um rastro de sangue pelo
assoalho. Na parte inferior da camisola que Samanta usava, estava encharcado de
sangue que escorria pelas suas pernas.
- Liga para o Samu! A menina tá tendo
hemorragia!
Deitou-a no sofá e ficou ao lado dela,
sentado na poltrona, segurando sua mão. Samanta, em estado de choque e com os
olhos arregalados, balbuciava:
- Ele não podia ter feito aquilo comigo...
nunca imaginei que fosse tão canalha... passar meu telefone pra aquela
piranha...
- E cadê Rodrigo? - Mário Regino perguntou.
Laurinda, em pé ao lado, acendia mais um cigarro, sem notar que pisava em cima
de uma pequena poça de sangue.
Samanta não respondeu. Murmurou palavras
desconexas.
Mário Regino pegou o telefone que Laurinda
passou e ligou para Rodrigo. Depois de duas tentativas, ouviu:
- Meu grande amigo Mário Regino! Onde você
está?
Mário Regino ouviu barulho de pessoas
cantando e de música em alto volume.
- Eu estou em casa. E você?
- Bebendo uma saideira com um colega.
- Se eu fosse você, largava essa saideira e esse
seu colega e vinha direto pra casa. Estou com Samanta aqui deitada no meu sofá
com uma tremenda hemorragia ...
Ele percebeu que nas pernas de Samanta, além
do sangue, pedaços pequenos de algo preto descia junto.
Quando Rodrigo chegou, Samanta já tinha sido
levada ao hospital e Laurinda foi junto para acompanha-la. Mário Regino,
ajoelhado e de pijamas, passava um pano úmido no sofá, e quando torcia no
balde, a água era de um vermelho vivo. O susto que levou com a notícia dissipou
um pouco o efeito etílico no rapaz. Nervoso, queria saber de Samanta, e Mário
Regino informou o nome do hospital. Rodrigo desabou no sofá ainda sujo de
sangue e perguntou:
- Você sabe o que aconteceu, Mário? Ela levou um
tombo, levou um susto... Ou foi porque prometi pra ela que ia largar a bebida,
mas que ainda não cumpri com a promessa?
Ainda enxaguando o pano e passando no chão,
Mário Regino disse:
- Nada disso. Pelo pouco que entendi do que
ela falava - porque não falava coisa com coisa - alguém do seu escritório ligou
pra ela.
- Quem foi que ligou?
- Ela não falou o nome, mas acho que foi sua
secretária.
- Cadela! Ela não podia ter feito isso!
- Mas pelo jeito, fez - disse Mário Regino
jogando o pano sujo de sangue no balde. - E a consequência dessa ligação foi a
hemorragia.
Rodrigo não queria saber de mais nada. Saiu e
foi direto para o hospital.
XIV
Samanta perdeu a criança. Mário Regino, que
foi visita-la no dia seguinte, encontrou Rodrigo abatido, um olhar perdido,
sentado em um banco do corredor do hospital. Os familiares de Samanta estavam
lá, e mantinham distância dele.
Quando Mário Regino sentou-se ao seu lado,
Rodrigo olhou-o com olhos vermelhos e disse:
- Ela não quer me ver... Acusou que sou
responsável pelo aborto... O irmão dela quis briga comigo, e minha sogra, toda
vez que passa na minha frente, me chama de canalha.
- Tem que ter calma nessa hora, Rodrigo, com
o tempo essas feridas vão cicatrizar. O que não pode agora é ficar abatido.
Precisa ser forte para poder encarar tudo isso... e ainda tem o outro problema
para resolver, que é no seu trabalho...
- Só de imaginar o que aquela víbora falou
pra Samanta...
- E ainda tem seu chefe, tem que tomar muito
cuidado com ele.
- Porquê? - Rodrigo não entendeu.
- Laurinda me contou ontem, quando veio do
hospital, que Samanta disse a ela que sua secretária ia contar tudo ao seu
chefe do caso. Como ele não gosta de você...
Rodrigo deu de ombros. Mário Regino pensou:
"Secretária que nada... Ontem o doutor
Pacheco recebeu uma ligação de uma pessoa com voz em falsete, e até agora tá
querendo descobrir quem é essa pessoa..."
"Mário Regino fez uma ligação, e
cuidou que não identificassem o número do seu celular, quando ouviu a voz no
outro lado, disse, disfarçando a voz:
-Dr. Pacheco, por favor.
-Quem gostaria de falar com ele? - Perguntou
a atendente.
- Diz que é uma amiga dele e do Rodrigo.
Ouviu cliques no outro lado, e depois uma voz
grossa e antipática:
- Pois não. Pacheco falando.
- Desculpe se estou incomodando o senhor,
queria falar com Rodrigo e me disseram que ele não se encontrava, mas como ele
nos orientou que se não estivesse era para falar com o senhor, queria deixar um
recado: O senhor podia avisar a ele que o projeto que vocês encaminharam para a
firma Gomes & Gomes foi recebido e aceito.
- Projeto? - Pelo tom da voz, o cara parecia
que estava tendo um ataque apoplético.
Era um projeto sigiloso na empresa que só
Rodrigo e os superiores sabiam. E Mário Regino também, quando em uma das
bebedeiras que o rapaz tomara junto com ele, deixou escapar esse grande
segredo. Para a cabeça embriagada dele, dizer isso ao seu vizinho era o mesmo
que explicar os funcionamentos de uma grande empresa, que o outro não ia
entender bulhufas do processo.
Só que Mário Regino pescava as coisas no ar.
Um pingo na letra i para ele podia ser uma frase inteira. E como quem não
queria nada, instigou que Rodrigo detalhasse o projeto. E soube que a
empresa dele era concorrente direta da tal empresa Gomes & Gomes na corrida
pelos clientes. Essa conversa já tinha acontecido algum tempo atrás, só que
Mário Regino guardou isso como um trunfo como um jogo de cartas.
Disfarçando sua voz em falsete, passou todos
detalhes que supostamente Rodrigo e Pacheco fizeram para que a outra empresa
vencesse na licitação do projeto.. E completando, disse:
- O cheque dos senhores estão prontos com o
doutor Gomes. É só marcar uma hora para pegar aqui na administração.
Em suma: Para o doutor Pacheco, ele era
cúmplice da traição daquele alcoólatra, que só continuava na empresa graças a
alguns diretores.
Mário Regino teve que afastar o fone do
ouvido quando Pacheco gritou:
- Desgraçado! Anota o que vou falar agora,
seja lá quem for a senhora! Eu não faço parte dessa traição! Vou investigar
essa história toda e prometo que vou botar vocês atrás das grades. Eu...
Já bastava. Mário Regino desligou o telefone.
CONTINUA
No próximo capítulo: As consequências das mentiras
Rogerio de C. Ribeiro
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