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segunda-feira, 19 de maio de 2014

UM BOM VIZINHO

CAPÍTULO 5

XIII

 Mário Regino já se preparava para dormir, enquanto Laurinda, esparramada no sofá com os pés para cima e com um cigarro entre os lábios, assistia o Jornal da Noite. Escovava os dentes quando ouviu alguém batendo na porta da sala. Não só batiam como também ao mesmo tempo apertavam a campainha. Saiu do banheiro com um pouco de pasta de dente no queixo, e gritou:
 - Laurinda, o que tá havendo?
 Lentamente, Laurinda se levantava do sofá, não sem antes dar o último trago no cigarro e depois amassa-lo no cinzeiro cheio, e disse:
 - Sei lá, vai lá ver!
 Mário Regino espiou pelo olho mágico e abriu a porta. Samanta caiu sobre ele. Ela tinha os lábios arroxeados e olheiras profundas. Mário Regino a conduziu para o sofá e notou um rastro de sangue pelo assoalho. Na parte inferior da camisola que Samanta usava, estava encharcado de sangue que escorria pelas suas pernas.
 - Liga para o Samu! A menina tá tendo hemorragia!
 Deitou-a no sofá e ficou ao lado dela, sentado na poltrona, segurando sua mão. Samanta, em estado de choque e com os olhos arregalados, balbuciava:
 - Ele não podia ter feito aquilo comigo... nunca imaginei que fosse tão canalha... passar meu telefone pra aquela piranha...
 - E cadê Rodrigo? - Mário Regino perguntou. Laurinda, em pé ao lado, acendia mais um cigarro, sem notar que pisava em cima de uma pequena poça de sangue.
 Samanta não respondeu. Murmurou palavras desconexas.
 Mário Regino pegou o telefone que Laurinda passou e ligou para Rodrigo. Depois de duas tentativas, ouviu:
 - Meu grande amigo Mário Regino! Onde você está?
 Mário Regino ouviu barulho de pessoas cantando e de música em alto volume.
- Eu estou em casa. E você?
- Bebendo uma saideira com um colega.
- Se eu fosse você, largava essa saideira e esse seu colega e vinha direto pra casa. Estou com Samanta aqui deitada no meu sofá com uma tremenda hemorragia ...
 Ele percebeu que nas pernas de Samanta, além do sangue, pedaços pequenos de algo preto descia junto.
 Quando Rodrigo chegou, Samanta já tinha sido levada ao hospital e Laurinda foi junto para acompanha-la. Mário Regino, ajoelhado e de pijamas, passava um pano úmido no sofá, e quando torcia no balde, a água era de um vermelho vivo. O susto que levou com a notícia dissipou um pouco o efeito etílico no rapaz. Nervoso, queria saber de Samanta, e Mário Regino informou o nome do hospital. Rodrigo desabou no sofá ainda sujo de sangue e perguntou:
- Você sabe o que aconteceu, Mário? Ela levou um tombo, levou um susto... Ou foi porque prometi pra ela que ia largar a bebida, mas que ainda não cumpri com a promessa?
 Ainda enxaguando o pano e passando no chão, Mário Regino disse:
 - Nada disso. Pelo pouco que entendi do que ela falava - porque não falava coisa com coisa - alguém do seu escritório ligou pra ela.
 - Quem foi que ligou?
 - Ela não falou o nome, mas acho que foi sua secretária.
 - Cadela! Ela não podia ter feito isso!
 - Mas pelo jeito, fez - disse Mário Regino jogando o pano sujo de sangue no balde. - E a consequência dessa ligação foi a hemorragia. 
 Rodrigo não queria saber de mais nada. Saiu e foi direto para o hospital.

XIV

 Samanta perdeu a criança. Mário Regino, que foi visita-la no dia seguinte, encontrou Rodrigo abatido, um olhar perdido, sentado em um banco do corredor do hospital. Os familiares de Samanta estavam lá, e mantinham distância dele.
 Quando Mário Regino sentou-se ao seu lado, Rodrigo olhou-o com olhos vermelhos e disse:
 - Ela não quer me ver... Acusou que sou responsável pelo aborto... O irmão dela quis briga comigo, e minha sogra, toda vez que passa na minha frente, me chama de canalha.
 - Tem que ter calma nessa hora, Rodrigo, com o tempo essas feridas vão cicatrizar. O que não pode agora é ficar abatido. Precisa ser forte para poder encarar tudo isso... e ainda tem o outro problema para resolver, que é no seu trabalho...
 - Só de imaginar o que aquela víbora falou pra Samanta...
 - E ainda tem seu chefe, tem que tomar muito cuidado com ele.
 - Porquê? - Rodrigo não entendeu.
 - Laurinda me contou ontem, quando veio do hospital, que Samanta disse a ela que sua secretária ia contar tudo ao seu chefe do caso. Como ele não gosta de você...
 Rodrigo deu de ombros. Mário Regino pensou:
 "Secretária que nada... Ontem o doutor Pacheco recebeu uma ligação de uma pessoa com voz em falsete, e até agora tá querendo descobrir quem é essa pessoa..."
 "Mário Regino fez uma ligação, e cuidou que não identificassem o número do seu celular, quando ouviu a voz no outro lado, disse, disfarçando a voz:
 -Dr. Pacheco, por favor.
 -Quem gostaria de falar com ele? - Perguntou a atendente.
 - Diz que é uma amiga dele e do Rodrigo.
 Ouviu cliques no outro lado, e depois uma voz grossa e antipática:
 - Pois não. Pacheco falando.
 - Desculpe se estou incomodando o senhor, queria falar com Rodrigo e me disseram que ele não se encontrava, mas como ele nos orientou que se não estivesse era para falar com o senhor, queria deixar um recado: O senhor podia avisar a ele que o projeto que vocês encaminharam para a firma Gomes & Gomes foi recebido e aceito.
 - Projeto? - Pelo tom da voz, o cara parecia que estava tendo um ataque apoplético.
 Era um projeto sigiloso na empresa que só Rodrigo e os superiores sabiam. E Mário Regino também, quando em uma das bebedeiras que o rapaz tomara junto com ele, deixou escapar esse grande segredo. Para a cabeça embriagada dele, dizer isso ao seu vizinho era o mesmo que explicar os funcionamentos de uma grande empresa, que o outro não ia entender bulhufas do processo.
 Só que Mário Regino pescava as coisas no ar. Um pingo na letra i para ele podia ser uma frase inteira. E como quem não queria nada, instigou que Rodrigo  detalhasse o projeto. E soube que a empresa dele era concorrente direta da tal empresa Gomes & Gomes na corrida pelos clientes. Essa conversa já tinha acontecido algum tempo atrás, só que Mário Regino guardou isso como um trunfo como um jogo de cartas.
Disfarçando sua voz em falsete, passou todos detalhes que supostamente Rodrigo e Pacheco fizeram para que a outra empresa vencesse na licitação do projeto.. E completando, disse:
 - O cheque dos senhores estão prontos com o doutor Gomes. É só marcar uma hora para pegar aqui na administração.
 Em suma: Para o doutor Pacheco, ele era cúmplice da traição daquele alcoólatra, que só continuava na empresa graças a alguns diretores.
 Mário Regino teve que afastar o fone do ouvido quando Pacheco gritou:
 - Desgraçado! Anota o que vou falar agora, seja lá quem for a senhora! Eu não faço parte dessa traição! Vou investigar essa história toda e prometo que vou botar vocês atrás das grades. Eu...
Já bastava. Mário Regino desligou o telefone.


CONTINUA
No próximo capítulo: As consequências das mentiras

Rogerio de C. Ribeiro

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