-
Dormir você pode, mas ficar gemendo e falando que vai, eu vou, eu vou... Tava
sonhando com quem?
Capítulo 3
Agora
Mônica despertou de vez. Olhou o despertador e disse, irritada:
-
Pô Adroaldo, viu que horas são?
-
Não sei que horas são. Mas o que sei que não é hora de ficar gemendo
e falando enquanto dorme.
-
Agora vai dar de ficar controlando meus sonhos, Adroaldo?
-
Claro que não, fiquei preocupado com os gemidos. Quando acordei, pensei que
tava tendo um troço...
-
Não estava tendo nenhum troço.
-
E com que sonhava?
-
Nem me lembro mais, Adroaldo. Sei lá o que sonhava. Esqueci.
Adroaldo
deitou sua cabeça no travesseiro e disse:
-
Fiquei preocupado... Se você tem um treco nem sei que faço...
-
É muito simples, se eu tiver um piripaque, me leve para um hospital público.
Estamos sem plano de saúde mesmo...
Adroaldo
virou-se de lado e disse:
-
Agora não vai ficar me culpando porque estamos descobertos, Mônica. Sabe muito bem que
as vendas de imóveis estão fracas... E já prometi que na primeira comissão vou
fazer um plano pelo menos barato para as crianças.
-
Tá bom, chega Adroaldo, me deixa dormir. Ainda são quatro e dez da manhã. Não é
você que vai acordar às seis horas pra chamar os meninos para o colégio. E nem preparar o café da manhã deles.
Mônica
ouviu um ronco; seu marido caiu no sono enquanto ela falava. E era sempre
assim.
Mônica
virou para o lado e teve esperanças que o sonho voltasse.
***
-
Mônica! - ela ouviu seu marido gritando do banheiro enquanto tomava banho.
Ela acabara de dar uma mamadeira para Daniel, que sugava com volúpia do bico enquanto via desenho animado na tevê deitado no sofá. - Separa aquela camisa
listrada que me dá sorte e a gravata azul marinho! Hoje vou levar um casal interessados naquele apartamento da Otávio Carneiro!
-
Vou deixar na cama - disse Mônica enquanto ia para o quarto. Pegou a camisa e a gravata do armário e deixou em cima da cama. Ia saindo, mas algo
chamou sua atenção. Viu a carteira dele em cima da penteadeira. Ficou onde
estava em silêncio, entre a cama e a penteadeira, e ouviu Adroaldo desafinando
debaixo do chuveiro. Ela pisou devagar e pegou a carteira. Abriu e contou
quanto ele tinha em dinheiro. Pegou vinte reais e escondeu dentro do sutiã.
"Nem vai sentir falta dessa nota", pensou ela.
Depois
do almoço pediu que Felipe ficasse de olho nos irmãos porque ia comprar
açúcar. Ela recomendou:
-
Tranque bem a porta. Não abra pra ninguém, tô levando minha chave.
Deixou
as crianças vendo televisão e saiu para a rua. Comprou o açúcar na venda do
Emanuel e disse:
-
Bota na conta, por favor - Tinham conta no caderninho na venda de Emanuel, que Adroaldo acertava todo fim do mês. Saiu com a sacola levando o açúcar, atravessou a rua e chegou em uma
banca de revista no outro lado. Jorge, o jornaleiro, cumprimentou-a.
-
Ainda não chegou a Ti Ti Ti dessa semana, dona Mônica - disse Jorge enquanto
contava os jornais que sobraram no dia.
-
Não vim comprar nenhuma revista, Jorge. Você tem as figurinhas do
novo álbum que saiu?
-
Do corpo humano? Tenho.
Ela
puxou a nota de vinte reais do sutiã e pediu:
-
Tudo em figurinhas.
Jorge
contou e entregou quarenta pacotinhos. Guardou o dinheiro no caixa e comentou:
-
Esse é um dos poucos álbuns educativos que estão na praça. Na minha época
tinham mais, de Ciências, de Geografia, História...
-
Sim, sim... - Mônica escondeu os pacotinhos dentro da sacola com o açúcar. -
Obrigada Jorge...
-
Seus filhos devem estar se divertindo com essa coleção...
Mônica
não respondeu, apressou os passos e atravessou a rua. Quando chegou no
portão da sua casa, Guiomar, sua vizinha portuguesa, varria as folhas caídas de uma mangueira na calçada.
Ela cumprimentou Mônica e disse:
-
Mônica, se soubesses que estava sem açúcar te arrumava um quilo! Deixar seus
meninos sozinhos em casa é muito perigoso!
-
Felipe já tem idade de tomar conta dos irmãos menores - disse Mônica quando
abriu o portão. - E nem demorei muito, não tem nem cinco minutos que saí...
-
Em cinco minutos muita coisa pode acontecer... - profetizou Guiomar enquanto
varria as folhas secas para o meio-fio.
-
Nada aconteceu, e isso que importa - disse Mônica trancando o portão. Pegou
sua chave e abriu a porta da sala. Felipe e Mateus continuavam sentados no sofá
vendo Chaves na tevê e Daniel dormia dentro do chiqueirinho abraçado com seu
ursinho de plástico. Quando viu sua mãe, Felipe perguntou, ainda com os olhos
grudados na tevê:
-
Manhê, comprou alguma coisa pra gente?
-
Não, quem tem dinheiro nessa casa é o seu pai. - Mônica apressou os passos e
entrou na cozinha. Tirou o açúcar da sacola e guardou-o no armário
junto com outros pacotes de açúcar ainda fechados. Deixou os pacotinhos de figurinha dentro
da sacola e procurou um lugar onde pudesse esconder das crianças e do seu
marido. Havia o armário das panelas embaixo da pia, a despensa com os
mantimentos (esse com certeza não, Adroaldo sempre procurava amendoim ou
batatas fritas para ver futebol), no armarinho da área onde ficavam
guardados detergentes, sabão em pó, panos de chão... Mônica empurrou a sacola
de plástico com as figuras no fundo do armarinho. Nem Adroaldo e nem os meninos
iam mexer ali.
Mônica
acabara de dar banho no seu filho caçula quando Adroaldo chegou da rua. Pela
cara dele, as coisas não andaram conforme ele planejara. Adroaldo largou sua
pasta na poltrona e afrouxou a gravata. Felipe e Mateus, que conheciam
muito bem o humor do pai, continuaram sentados no sofá vendo tevê.
Adroaldo largou sua gravata azul marinho em cima da pasta, contornou o sofá
onde os meninos estavam sentados e desligou a tevê. Depois
virou-se, cruzou os braços e perguntou:
-
Quem foi que pegou dinheiro da minha carteira ?
Aterrorizados,
os meninos continuaram em silêncio. Adroaldo continuou com os braços cruzados e
olhou de um filho para o outro.
-
Vou dar só uma chance para que vocês confessem... quem foi que ROUBOU vinte reais da
minha carteira?
-
Não fui eu! - disse Felipe.
-
Nem eu - Mateus disse, choramingando.
Mônica
veio do quarto com Daniel no colo. Espantada, viu Adroaldo em pé, de
forma ameaçadora na frente dos filhos.
-
O que foi que aconteceu? - Mônica perguntou enquanto ajeitava Daniel no
chiqueirinho.
Adroaldo
descruzou os braços e apontou para os meninos que se encolhiam aterrorizados no
sofá:
-
Um desses dois ou talvez os dois juntos me roubaram vinte reais da minha
carteira. Se tem uma coisa que nunca admiti na minha vida foi ter filhos
ladrões!
-
Adroaldo, você está sendo injusto com seus filhos - Mônica sentou-se entre os
dois meninos, que a abraçaram. - O que te faz acreditar que Felipe ou Mateus tenha
pego o dinheiro da sua carteira?
Furioso,
Adroaldo gritou:
- Foi você mexeu na minha carteira, Mônica?
Continua...
No próximo capítulo: Adroaldo conta sobre uma venda e o triste desfecho.
Rogerio de C. Ribeiro
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