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quarta-feira, 28 de maio de 2014

O PRÊMIO CAPÍTULO 3

No capítulo anterior: - Que foi, Adroaldo? Agora não posso nem dormir em paz... Já basta esse calorão...
- Dormir você pode, mas ficar gemendo e falando que vai, eu vou, eu vou... Tava sonhando com quem?

Capítulo 3

Agora Mônica despertou de vez. Olhou o despertador e disse, irritada:
- Pô Adroaldo, viu que horas são?
- Não sei que horas são. Mas o que sei que não é hora de ficar gemendo e falando enquanto dorme.
- Agora vai dar de ficar controlando meus sonhos, Adroaldo?
- Claro que não, fiquei preocupado com os gemidos. Quando acordei, pensei que tava tendo um troço...
- Não estava tendo nenhum troço.
- E com que sonhava?
- Nem me lembro mais, Adroaldo. Sei lá o que sonhava. Esqueci.
Adroaldo deitou sua cabeça no travesseiro e disse:
- Fiquei preocupado... Se você tem um treco nem sei que faço...
- É muito simples, se eu tiver um piripaque, me leve para um hospital público. Estamos sem plano de saúde mesmo...
Adroaldo virou-se de lado e disse:
- Agora não vai ficar me culpando porque estamos descobertos, Mônica. Sabe muito bem que as vendas de imóveis estão fracas... E já prometi que na primeira comissão vou fazer um plano pelo menos barato para as crianças.
- Tá bom, chega Adroaldo, me deixa dormir. Ainda são quatro e dez da manhã. Não é você que vai acordar às seis horas pra chamar os meninos para o colégio. E nem preparar o café da manhã deles.
Mônica ouviu um ronco; seu marido caiu no sono enquanto ela falava. E era sempre assim.
Mônica virou para o lado e teve esperanças que o sonho voltasse.
                                                    
                                                     ***

- Mônica! - ela ouviu seu marido gritando do banheiro enquanto tomava banho. Ela acabara de dar uma mamadeira para Daniel, que sugava com volúpia do bico enquanto via desenho animado na tevê deitado no sofá. - Separa aquela camisa listrada que me dá sorte e a gravata azul marinho! Hoje vou levar um casal interessados naquele apartamento da Otávio Carneiro! 
- Vou deixar na cama - disse Mônica enquanto ia para o quarto. Pegou a camisa e a gravata do armário e deixou em cima da cama. Ia saindo, mas algo chamou sua atenção. Viu a carteira dele em cima da penteadeira. Ficou onde estava em silêncio, entre a cama e a penteadeira, e ouviu Adroaldo desafinando debaixo do chuveiro. Ela pisou devagar e pegou a carteira. Abriu e contou quanto ele tinha em dinheiro. Pegou vinte reais e escondeu dentro do sutiã. "Nem vai sentir falta dessa nota", pensou ela.

Depois do almoço pediu que Felipe ficasse de olho nos irmãos porque ia comprar açúcar. Ela recomendou:
- Tranque bem a porta. Não abra pra ninguém, tô levando minha chave.
Deixou as crianças vendo televisão e saiu para a rua. Comprou o açúcar na venda do Emanuel e disse:
- Bota na conta, por favor - Tinham conta no caderninho na venda de Emanuel, que Adroaldo acertava todo fim do mês. Saiu com a sacola levando o açúcar, atravessou a rua e chegou em uma banca de revista no outro lado. Jorge, o jornaleiro, cumprimentou-a.
- Ainda não chegou a Ti Ti Ti dessa semana, dona Mônica - disse Jorge enquanto contava os jornais que sobraram no dia.
- Não vim comprar nenhuma revista, Jorge. Você tem as figurinhas do novo álbum que saiu?
- Do corpo humano? Tenho.
Ela puxou a nota de vinte reais do sutiã e pediu:
- Tudo em figurinhas.
Jorge contou e entregou quarenta pacotinhos. Guardou o dinheiro no caixa e comentou:
- Esse é um dos poucos álbuns educativos que estão na praça. Na minha época tinham mais, de Ciências, de Geografia, História...
- Sim, sim... - Mônica escondeu os pacotinhos dentro da sacola com o açúcar. - Obrigada Jorge...
- Seus filhos devem estar se divertindo com essa coleção...
Mônica não respondeu, apressou os passos e atravessou a rua. Quando chegou no portão da sua casa, Guiomar, sua vizinha portuguesa, varria as folhas caídas de uma mangueira na calçada. Ela cumprimentou Mônica e disse:
- Mônica, se soubesses que estava sem açúcar te arrumava um quilo! Deixar seus meninos sozinhos em casa é muito perigoso!
- Felipe já tem idade de tomar conta dos irmãos menores - disse Mônica quando abriu o portão. - E nem demorei muito, não tem nem cinco minutos que saí...
- Em cinco minutos muita coisa pode acontecer... - profetizou Guiomar enquanto varria as folhas secas para o meio-fio.
- Nada aconteceu, e isso que importa - disse Mônica trancando o portão. Pegou sua chave e abriu a porta da sala. Felipe e Mateus continuavam sentados no sofá vendo Chaves na tevê e Daniel dormia dentro do chiqueirinho abraçado com seu ursinho de plástico. Quando viu sua mãe, Felipe perguntou, ainda com os olhos grudados na tevê:
- Manhê, comprou alguma coisa pra gente?
- Não, quem tem dinheiro nessa casa é o seu pai. - Mônica apressou os passos e entrou na cozinha. Tirou o açúcar da sacola e guardou-o no armário junto com outros pacotes de açúcar ainda fechados. Deixou os pacotinhos de figurinha dentro da sacola e procurou um lugar onde pudesse esconder das crianças e do seu marido. Havia o armário das panelas embaixo da pia, a despensa com os mantimentos (esse com certeza não, Adroaldo sempre procurava  amendoim ou batatas fritas para ver futebol), no armarinho da área onde ficavam guardados detergentes, sabão em pó, panos de chão... Mônica empurrou a sacola de plástico com as figuras no fundo do armarinho. Nem Adroaldo e nem os meninos iam mexer ali.
Mônica acabara de dar banho no seu filho caçula quando Adroaldo chegou da rua. Pela cara dele, as coisas não andaram conforme ele planejara. Adroaldo largou sua pasta na poltrona e afrouxou a gravata. Felipe e Mateus, que conheciam muito bem o humor do pai, continuaram sentados no sofá vendo tevê. Adroaldo largou sua gravata azul marinho em cima da pasta, contornou o sofá onde os meninos estavam sentados e desligou a tevê. Depois virou-se, cruzou os braços e perguntou:
- Quem foi que pegou dinheiro da minha carteira ?
Aterrorizados, os meninos continuaram em silêncio. Adroaldo continuou com os braços cruzados e olhou de um filho para o outro.
- Vou dar só uma chance para que vocês confessem... quem foi que ROUBOU vinte reais da minha carteira?
- Não fui eu! - disse Felipe.
- Nem eu - Mateus disse, choramingando.
Mônica veio do quarto com Daniel no colo. Espantada, viu Adroaldo em pé, de forma ameaçadora na frente dos filhos.
- O que foi que aconteceu? - Mônica perguntou enquanto ajeitava Daniel no chiqueirinho.
Adroaldo descruzou os braços e apontou para os meninos que se encolhiam aterrorizados no sofá:
- Um desses dois ou talvez os dois juntos me roubaram vinte reais da minha carteira. Se tem uma coisa que nunca admiti na minha vida foi ter filhos ladrões!
- Adroaldo, você está sendo injusto com seus filhos - Mônica sentou-se entre os dois meninos, que a abraçaram. - O que te faz acreditar que Felipe ou Mateus tenha pego o dinheiro da sua carteira?
Furioso, Adroaldo gritou:
- Foi você mexeu na minha carteira, Mônica? 

Continua...
No próximo capítulo: Adroaldo conta sobre uma venda e o triste desfecho.

Rogerio de C. Ribeiro

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