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terça-feira, 27 de maio de 2014

O PRÊMIO - Capítulo 2

No capítulo anterior: No resto do jantar o silêncio foi sepulcral na mesa. Mônica pensou enquanto comia:
"Mais tarde o convenço... Vamos ver se amanhã ele não vai trazer o álbum e alguns pacotes de figurinhas...E depois que eu ganhar o prêmio, ele ainda vai me agradecer pela minha persistência."


Capítulo 2

E não deu outra. Depois de uma noite em que Mônica fingiu que chorava e que Adroaldo foi consola-la, e depois arrependido pediu desculpas, e ela dizendo que não era culpada se não tinha seu próprio dinheiro; e a chantagem emocional surtiu efeito, e aproveitando o arrependimento dele, pediu: me traga então o álbum e 10 pacotes de figurinhas que te perdoo; fizeram as pazes quando mesmo a contragosto ele concordou. E ela fez com que Adroaldo se sentisse o homem mais feliz do mundo nessa noite.

Mônica escutou o Gol de Adroaldo estacionando em frente de casa e mal ele pisou na sala, ela fazia plantão na porta, o esperando. Adroaldo tirou da sua pasta o álbum que comprara e dez pacotes de figurinhas como ela pedira. Ela correu para a mesa e admirou a capa do LIVRO DE ILUSTRAÇÕES CORPO HUMANO, onde abaixo do título estava escrito: O ÚNICO ÁLBUM QUE VAI EDUCAR E AO MESMO TEMPO PREMIAR.
Mônica folheou as páginas e chegou na quarta página. Havia um regulamento escrito e leu:
"O objetivo do Livro de Ilustrações Corpo Humano é do entretenimento aliado à cultura, incentivando nossos colecionadores que aprendam enquanto se divertem com nossas figurinhas sobre o corpo humano. A alta definição das fotos impressionam pela sua nitidez e perfeição, e em cada página do Livro de Ilustrações Corpo Humano serão necessários de seis a oito cromos para completar uma figura completa. Para completar totalmente o álbum são necessários 280 cromos. Avisamos que para cada pessoa sempre terá uma figurinha difícil, que aqui chamamos de figurinha especial. Ela é especial porque com ela o (a) felizardo(a) será recompensado com um grande prêmio equivalente ao seu merecimento. Somente um colecionador que persistir será recompensado. Sobre o prêmio, a empresa se permite ao sigilo de não divulgar antes do álbum completo. Para maiores informações entrar em contato com a Editora Lune e Mare, ou enviar um e-mail para o diretor responsável Damiano Lescarter: DLTVS@luneemare.com
Mônica parecia em estado de transe enquanto lia o regulamento. Ouviu uma voz distante que dizia:
- Mônica... Mônica...
Ela despertou do seu torpor. Viu Adroaldo e seus filhos ao seu lado, seu marido com um aspecto entediado e as crianças ansiosas de olharem o álbum que sua mãe tinha nas mãos e dava a impressão que não ia largar. Mônica balançou a cabeça e disse:
- Desculpe, estava lendo as regras...
- Para ganhar o tal prêmio do merecimento - disse Adroaldo, mostrando sarcasmo na sua voz. - Bem, tá aí o álbum e as figurinhas que tanto queriam. Agora só quero que prestem bem atenção, dona Mônica, seu Felipe e seu Mateus. Não quero que me venham com pedidos para eu comprar pacotinhos de figurinhas todos dias. O dinheiro que ganho não é capim, ralo bastante pra faturar. Só vou comprar dez pacotinhos por semana, e olhe lá. Todo dia não dá.
- Juro que não pedimos - disseram Felipe e Mateus ao mesmo tempo, e depois disseram à mãe: - Manhê, a senhora pode largar o nosso álbum?
Mônica se deu conta que agarrava com suas mãos o livro ilustrado contra o peito. Envergonhada passou o álbum para as crianças e disse:
- Vão para a mesa e comecem com a coleção, meninos. Depois nos mostra, tá? Vou ver o jantar.
Enquanto Felipe e Mateus rasgavam os pacotinhos e colavam os cromos nos devidos lugares e Adroaldo, depois do banho, estar sentado na sua cadeira de papai com Daniel no colo, Mônica, em pé ao lado do fogão, pensava na sua vida. Uma vida doméstica cuidando de um marido rabugento e fazendo malabarismos com as travessuras dos meninos mais velhos. Daniel era o que menos incomodava, sempre ficava quietinho e só quando sentia fome que abria o berreiro. Uma vidinha enfadonha de dona de casa, sem nenhuma surpresa, sem novidades, sem emoções...
O prêmio era sua válvula de escape. Quem sabe com o prêmio sua vida mudaria? A sua e da sua família?
Era uma oportunidade, e talvez a única, para que algo novo surgisse ...
- Tem alguma coisa queimando aí, Mônica!! - Era Adroaldo da sala.
Mônica acordou dos seus pensamentos e fechou as bocas do fogão. O arroz queimara. Ia ter que fazer outro. E com certeza Adroaldo ia reclamar do desperdício. E diria mais uma vez: Saia desse mundo da lua e viva a realidade!
Com os anos de casamento Mônica decorou cada frase que Adroaldo dizia como se fosse discurso. Como ele não renovava o estoque de ditados e declarações, tornou-se um sujeito previsível, e sua frase predileta era: Você vive no mundo da lua. Enquanto lavava o arroz, disse a si mesma:
- Adroaldo dos Santos Menezes, depois que eu ganhar o grande prêmio, você nunca mais vai repetir que vivo no mundo da lua. Pelo contrário, você vai é me respeitar e muito.

Enquanto os meninos dormiam e Adroaldo roncava deitado com a barriga para cima, Mônica estava sentada no sofá com o álbum no seu colo. Ela ouvia o matraquear dos ventiladores ligados nos quartos; na sala ela acendeu um pequeno abajur que enfeitava uma mesinha ao lado do sofá e sentia a camisola colando nas suas costas.
Ficou com medo de ligar o ventilador de teto da sala e o barulho das pás acabasse despertando Adroaldo, que com certeza não ia gostar de vê-la na sala de madrugada olhando um álbum de figurinhas.
Enquanto folheava as páginas, contava o número de figurinhas coladas. No início era sempre fácil encontrar cromos inéditos. Em cada pacote de figurinhas vinham três, e seus filhos colaram 27 cromos. Só três repetidas... Os meninos tinham que anotar as que faltavam para trocar com os amigos da escola.
Mônica olhou fascinada para a arte de cada página. Na primeira página tinha um cromo mostrando uma parte lateral do crânio. Ela passou os dedos sobre a figurinha e surpreendeu-se com a nitidez e a espessura da foto. Deu a impressão que passava o dedo em um pedaço de osso de verdade! Mônica controlou o riso, que imaginação a sua! Foi virando as páginas e viu dois cromos, um ao lado do outro, que formava o coração humano. "Só me falta escutar as batidas do coração..." Pressionou as mãos na boca para abafar a iminente gargalhada que estava pronta para explodir.
Guardou o álbum no armário e voltou para seu quarto. Adroaldo roncava deitado de lado, e ela ficou deitada de barriga para cima olhando o teto, enquanto o matraquear do ventilador resmungava aos seus pés. Sua vida ia mudar para melhor. Tinha fé que sim. O prêmio seria sua realização das chances perdidas no passado. Nesse momento, sua única alternativa de ser livre era o prêmio. E ele seria seu.
Nem percebeu quando caiu no sono. Sonhou que estava em um salão repleto de luminárias, e vários casais vestidos socialmente dançavam valsa. Ela se vestia com um vestido brilhante, e um colar de esmeraldas caiam até o colo dos seus seios. Os diamantes de sua pulseira faiscavam várias cores ao contato das lâmpadas. Seu par estava elegante em um smoking, e seu sorriso também faiscava. Seus dentes pareciam pérolas. Os olhos dele não desgrudavam do seu decote, ela podia sentir a ereção dele quando colavam seus corpos...
O seu par encostou sua face com a dela e mordiscou de leve sua orelha enfeitada com brincos de esmeraldas. Ela sentiu um frio correndo pela sua espinha e grudou mais seu corpo com o dele. As mãos do seu par eram quentes, faziam o dela suar... E o seu par sussurrou com sua voz aveludada em seu ouvido:
- Não fique com medo. O prêmio será seu. Você será a única merecedora do grande prêmio...
Entre os rodopios da dança, o seu par voltou a grudar seus olhos nos dela. E ela enfim o reconheceu:  Era Damiano Lescarter, o apresentador do comercial do álbum do corpo humano e também diretor-presidente da editora responsável pelo Livro Ilustrado do Corpo Humano.
Mônica sabia que aquilo tudo era um sonho. Confessou a si mesma que não queria acordar. As mãos dele, o hálito de Damiano, o contato dos corpos, o tamanho dele ereto encostado nela pulsando nervosamente, tudo isso a excitava... Sentiu-se molhada, encharcada... Tinha impressão que escorria pelas suas pernas... e quando Damiano beijou-a, enfiando sua língua como uma serpente na sua boca, sorvendo cada gota de saliva, ela gozou, foram vários orgasmos como nunca teve antes com Adroaldo...suas pernas bambearam, dobraram-se e Damiano a sustentou em seus braços. Os olhos dele diziam:
- Quando terminar todo álbum, me procure. Leve ele completo para minha editora. Não imagina a grande honra que vou ter em recebê-la e mostrar seu prêmio... um prêmio à altura do seu merecimento!
Ela sentia-se amparada naqueles braços. E nunca na vida fora beijada daquele jeito. Sabia que tudo isso era um sonho, mas droga, que sonho delicioso!
- Não se esqueça... terminou o álbum, me procure... estou à sua espera...
- Eu vou, quero ir...
- Ir onde??
Mônica sentiu que era sacudida. Abriu seus olhos aos poucos e com uma ponta de desilusão viu que voltou para sua cama, para o calor infernal e abafado e o barulho do ventilador girando suas hélices azuis mandando vento quente em cima dela. Apoiado com seu cotovelo no colchão, Adroaldo a fitava de cima para baixo. O sono foi dissipando e Mônica, pela primeira vez nos dez anos de casamento, percebeu que o marido tinha mau hálito quando acordava.
- Que foi, Adroaldo? Agora não posso nem dormir em paz... Já basta esse calorão...
- Dormir você pode, mas ficar gemendo e falando que vai, eu vou, eu vou... Tava sonhando com quem?

Continua
No próximo capítulo: Vinte reais não faz falta...

Rogerio de C. Ribeiro

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