EU
SEI QUEM VOCÊ É, MAS VOCÊ NÃO SABE QUEM EU SOU
Ùltima parte
Um
breve silêncio se fez, e logo a voz voltou:
-
Você sempre reclamou dos seus pais comigo. Eles melhoraram?
Liliane,
com lágrimas nos olhos.
-
Não...
-
O seu pai não te incomodou mais?
-
Meu pai nunca me incomodou! - disse Liliane, sem muita convicção.
-
Não minta pra você mesma.
-
Por quê não me ligou antes?
-
Já te disse antes. Não me deixavam.
-
Quem não deixava?
-
Não sabe, Liliane?
A
cabeça dela girava.
-
Não... não sei!
-
E não sabe quem tá falando com você também?
-
Não... acho que não sei - Nervosa, Liliane repetia as palavras.
-
Lembra a primeira vez que te liguei? - A voz masculina era insinuante.
-
S-Sim...
-
E há quantos anos que ele não te incomodava mais?
-
Olha só, você está me confundindo...
Fez-se
um breve silêncio no outro lado da linha, e de repente ela ouviu:
-
ASSIM VOCÊ ME MAGOA, LILIANE!
"Não faça assim comigo..."
-
SEMPRE TE DEI TUDO QUE QUERIA, MAS NADA TE AGRADA...
Liliane
não pode mais se controlar, as lágrimas desciam pelo seu rosto em borbotões.
"Não é verdade, nunca reclamei..."
A
voz masculina amenizou a voz. Agora era carinhosa:
-
Se ficar boazinha, juro que não te machuco mais...
-
Mas dói... dói muito...
E
de repente, ela reconheceu a voz. Não queria acreditar, mas era do...
-
Quietinha, não diga mais nenhuma palavra... - a voz masculina era persuasiva,
insistente: - Vem, deita aqui no ladinho, isso, vira um pouquinho pra mim...
vem, mexe aqui, vê como tá duro... Isso! Papai gosta muito quando você faz
assim...
A
voz masculina era do seu pai.
"Estou no meu quarto deitada na minha cama.
Não consigo dormir. Abraço meu ursinho. Tenho medo do escuro. Tenho três anos
de idade. E papai vem me ver. Ele abre a porta e depois vem andando até minha
cama. Ele passa suas mãos pelos meus cabelos e vai descendo pela minha barriga
e para a mão ali... eu choro. Papai sempre faz isso comigo. Olho apavorada para
a porta e vejo parada no corredor iluminado minha mãe. Chamo minha mãe e ela
sai andando. Meu pai também olha para trás e disse:
- Sempre te dei tudo que queria,
mas nada te agrada...
- Não é verdade! Nunca reclamei...
- Assim você me magoa, Liliane.
Seja boazinha com seu pai.
- Vem cá, põe sua mãozinha aqui...
isso... papai te ama muito...prometo pra você que não vai doer
nada...nadinha...
E o corpo do meu pai ficou em cima
do meu, e a escuridão foi total...
Liliane
não queria acreditar naquilo que estava pensando. Era muito cruel... Mas e a
voz do outro lado da linha?
-
Agora você se lembrou... - disse a voz que era do seu pai. - Há muito tempo
quis se lembrar disso mas não conseguia. Quase conseguiu quando tinha doze
anos. Por isso me chamou. Por isso fui seu único amigo, que escutei suas
tristezas. Agora sabe porque sempre foi fechada com os homens. Tinha medo deles
por causa dele. Ele que destruiu suas lembranças mais ternas. Quando você tinha
treze anos quase se lembrou, mas decidiu me bloquear na sua vida. Mas na semana
passada você viu de novo... e quis se lembrar...
Vi meu pai com minha prima Belinha,
de cinco anos... filha do tio Denílson, que veio nos visitar... Papai botou
Belinha no colo e começou a mexer nos cabelos dela, como fazia comigo quando
tinha três anos...
Liliane
sentia o seu corpo tremendo, e largou o fone que caiu no chão. Abaixou-se para pegar
e viu outra coisa que a assustou: O fio do telefone estava caído ao lado da
tomada, desligado.
E
ela entendeu... E começou um choro convulsivo.
Quando
seus pais chegaram em casa estranharam quando viram Liliane sentada no sofá, de
pernas cruzadas, chupando o dedo polegar enquanto assistia televisão.
E
ao seu lado, caído no chão, o aparelho do telefone preto estava destroçado, os
pedaços espalhados ao redor.
FIM
Rogerio de C. Ribeiro
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