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segunda-feira, 12 de maio de 2014

UM BOM VIZINHO

                                            CAPÍTULO DOIS

V

Depois que Mário Regino conheceu Rodrigo, o seu vizinho, vieram as insônias nas madrugadas. Enquanto ouvia o ronco de Laurinda ao seu lado na cama , ruminava sobre o estilo e padrão de vida do casal do apartamento 802.
As comparações martelavam sua cabeça: Rodrigo era bem sucedido na vida profissional e amorosa; e fazia questão de deixar isso bem claro para que qualquer pessoa soubesse; já ele era apenas um insignificante funcionário administrativo que controlava centavos para  comprar pão de manhã. Apesar de magro, Rodrigo exibia um corpo atlético e com seu charme atraía mulheres bonitas; ele era gordo, calvo e feio. Desde criança Sempre fora meio estranho . Nunca teve sorte com nenhuma mulher durante sua juventude, e só casou-se com Laurinda, porque foi a única que demonstrou que se interessava por dele. Só demonstrou, porque na realidade ela queria que algum trouxa a bancasse, o que conseguiu com ele. O apartamento do jovem casal quitado à vista era mobiliado com ótimo gosto, seus móveis eram novos, e sua tevê LED era a mais cara do mercado. E o seu apartamento, que ainda devia prestações pela Caixa Econômica, os móveis velhos quebrados eram da tempo do seu casamento, e sua tevê só sintonizava a Globo com chuviscos na imagem, o apartamento também fedia a mofo e uma legião de baratinhas francesas circulavam pela pia da cozinha, dentro da velha geladeira e no armário de cozinha onde faltava uma porta pelos pratos e copos. Enquanto Rodrigo e Samanta saíam para restaurantes de massas ou em churrascarias, ele era obrigado a engolir a comida insossa e mal feita que Laurinda fazia enquanto fumava um cigarro em cima do outro. A comida vinha com aroma de alcatrão e gosto de nicotina. Rodrigo e Samanta, que demonstravam publicamente o amor que sentia pelo outro, Mário Regino e Laurinda, o tédio e o desprezo que um sentia pelo outro.
Essas comparações que o incomodavam. Na tempo que o apartamento 802 ficou vazio (e foi por muito tempo; o último morador foi um viúvo que vivia enclausurado, e quando caiu doente um dos filhos o levou ao hospital e não voltou mais), Mário Regino foi seguindo com sua vida medíocre, mas também tranquila. Mas agora, com Rodrigo o elegendo como seu melhor amigo, e tomando-o como uma figura paterna para substituir o pai que ficou estraçalhado com a pancada violenta que levou do Chevette, e de repetir à exaustão sua prosperidade , isso tudo estava lhe tirando o sono.
Mário Regino não queria pensar nisso, mas seu íntimo urrava: Ele sentia ódio daquele garoto. A raiva que minava dentro dele era tanta que chegou a verter umas lágrimas dos olhos porcinos. Até de Deus sentia raiva... enquanto alguns tinham tudo, ele, Mário Regino, não tinha nada.

VI

A vida dos dois vizinhos se modificaria de forma drástica depois do dia que Rodrigo anunciou que ia ser pai. 
Almoçavam em um restaurante de massas na rua da Quitanda, e entre garfadas de lasanha verde e falando amenidades, Rodrigo de repente declarou:
- Vou ser pai. Samanta tá grávida de dois meses!
Mesmo com a boca cheia de lasanha, Mário Regino o parabenizou. Rodrigo parecia exultante e pediu uma garrafa de vinho ao garçom.
- Não vai te causar problemas de beber na hora de serviço?
- Que nada, um copinho só não mata ninguém. E além do mais - Rodrigo encheu as taças e entregou uma a Mário Regino. - uma notícia como essa merece uma bela comemoração!
Ele ergueu sua taça e Mário Regino pegou a sua que estava cheia até a ponta com vinho tinto. Saudaram, e Rodrigo esvaziou sua taça em três goles.
Mário Regino deixou sua taça cheia esquecida ao lado. Ainda preferia a lasanha.

VII

Um mês e meio depois, retornavam do centro da cidade no carro novo que Rodrigo comprou, um Renault quatro portas; estavam parados em um gigantesco engarrafamento na Radial Oeste. Mário Regino notou Rodrigo meio chateado, e falando pouco, que não era seu normal. Perguntou se algo grave havia acontecido, e o rapaz disse:
- Samanta...nos últimos dias ela anda muito estranha comigo, Mário. Eu sei que pode ser a gravidez, mas nunca imaginei que quando  as mulheres ficam grávidas também se tornam chatas!
- Eu não posso expressar nenhuma opinião sobre isso... - É claro que não posso, pensou ele, esmagado no cinto de segurança, olhando os faróis de freios dos carros em frente acendendo e apagando, acendendo e apagando... Nunca tivera filhos, o que não era tão ruim assim. Repetia para si mesmo: Minha mulher é seca, minha mulher é árida, um deserto do Saara! Quando se casou com Laurinda, já na primeira noite ela mostrou na cama que era mais fria que um freezer vazio e com o termostato ligado no volume máximo. Quando a penetrava, ela admirava o teto com seus olhos vazios e bocejava. Perguntava de minuto a minuto se ele já havia gozado. E ele suando, no início não queria acreditar naquilo; mas no decorrer dos anos a frieza também o contagiou, e quando tinha necessidade, a penetrava com olhos fechados para não ter mais que vê-la bocejando na sua cara. É por esse motivo que agradecia por não ter tido filhos.
Rodrigo agarrava o volante e mantinha sua atenção no engarrafamento. Quando falou, foi mais por desabafo do que reclamação:
- Engraçado... No início tudo é bom, tudo são flores. Você sabe, já passou por isso. Mas quando a mulher engravida, é o sinal que a lua de mel acabou, que foi pro espaço. Samanta anda chata, reclama de tudo até do cheiro do meu sabonete e desodorante. Tô achando que ele sente nojo de mim.
- Impressão sua - Mário Regino disse, mas não acreditou nas suas palavras. - É só uma fase, isso vai passar...
Quando os carros em frente puderam andar um pouco mais, Rodrigo aproveitou a brecha para dobrar com o Renault na primeira esquina. Mário Regino perguntou para onde iam, e o rapaz informou:
- Logo ali tem um barzinho de um amigo meu. Podemos comer bolinho de bacalhau que é uma beleza. Vamos beber uma cervejinha até que esse engarrafamento acabe.
- Mas você está dirigindo!
- Ah, Mário, e daí? Uma cerveja não vai me nocautear!
Parou o Renault em frente do bar com algumas mesas vazias na calçada. Sentaram em uma delas e um mulato deixou um isopor com meia dúzia de garrafas de cervejas no gelo. Rodrigo encheu os copos, esvaziou o seu em um só gole  e disse:
-Tem horas que uma cerveja opera milagres para mim. Nos últimos dias tenho tido muita pressão lá no trabalho, um novo chefe que veio transferido e parece que não foi muito com minha cara. Todo dia anda questionando minhas tarefas. Isso também está me afetando. Me aporrinho na empresa e quando chego em casa, onde espero pelo menos ter paz na minha cabeça, vem Samanta enchendo meu saco também.
Ele virou a garrafa, encheu seu copo de novo e continuou:
- Eu não te falei antes, mas Samanta agora vive se queixando que todo dia quando chego em casa estou fedendo a bebida. Poxa, do jeito que ela fala dá a impressão que sou um alcoólatra, do tipo daqueles que mal acordam  já enche um copo de conhaque! Vira e mexe azucrina  meu ouvido para  eu largar a cerveja. Vê se faz sentido, Mário, já sou cobrado o dia inteiro por um chefe que só quer me boicotar e ainda ela pede que tenho que largar meu prazer que é de beber uma gelada? O que ela quer, que eu me transforme em outra pessoa? Ela já me conheceu assim, bebendo...
Aquela confissão do Rodrigo atiçou a curiosidade de Mário Regino. Finalmente encontrou um ponto fraco naquele rapaz tão senhor de si. Deixou que ele monologasse à vontade e pediu outro isopor com mais cervejas. Seu copo continuava intacto, mas sabia que Rodrigo não ia notar esse pequeno detalhe.
Saíram do bar quase meia-noite. Rodrigo ia tropeçando nas próprias pernas em direção do Renault. Mário Regino permanecia sóbrio. No caminho para o Méier, Rodrigo falava em uma voz arrastada:
- Pra mim você é como um pai, Mário. Tive muita sorte de ter te conhecido. Nunca na vida tive um amigo de verdade como você, que me ajuda com seus conselhos...
"Conselhos? Nunca te dei conselhos, pirralho. Você não deixa ninguém abrir a boca. Só você tem o direito da palavra, do discurso... É, discurso, porque quando fala, parece que está em cima de um palco, segurando microfone , enchendo o saco e a paciência dos outros que pra você são apenas meros espectadores"...
Mário Regino cortou sua linha de pensamentos e escutou Rodrigo dizendo:
- ... ela me dá mole todos dias... Outro dia veio com uma roupa decotada que pareciam que seus peitos iam pular fora. Foi pegar um relatório na minha mesa e quando se abaixou na minha frente me impregnou todo com seu perfume... e sabe, pra você posso contar, na hora me bateu um tesão... se não é Samanta, sei não, acho que ia cometer uma loucura ali na minha sala mesmo...
Mário Regino não quis fazer mais nenhum comentário. Apenas sorriu, e dessa vez  era um largo e esfuziante sorriso .

(No próximo episódio: Uma festa de fim de ano e suas consequências)

Rogerio de C. Ribeiro

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