EU
SEI QUEM VOCÊ É, MAS VOCÊ NÃO SABE QUEM EU SOU
PARTE 4
Liliane
sentiu que tremia de novo. Mal conseguia segurar o fone direito; sua mão
dançava ao lado do ouvido.
Uma
leve recordação apossou-se dela. Era um fato que aconteceu quando ela era
criança, e que com o tempo apagou-se das suas memórias.
Mas
quando ouviu aquela voz falando sobre esse caso, um fato isolado estourou feito
pipoca, e ela lembrou-se:
"
Estou sentada no sofá assistindo o
programa da Xuxa, como sempre faço quando acordo. Minha mãe deve estar na
cozinha preparando o almoço ou arrumando os quartos, não sei bem o que ela faz.
Sei que eram oito e meia da manhã, e eu ainda vestia minha camisola. Estou
bebendo meu Nescau na caneca que minha avó me dera no Natal passado e comendo
um pedaço de bolo de milho que papai sempre comprava em uma padaria que tinha
na esquina da nossa casa. Lembro vagamente que ia ligar para Marcinha e pra
Simone pra combinarmos de ir para a escola juntas. Nesse tempo estudávamos no Colégio
Assunção, que fica no nosso bairro em São Francisco. Isso mesmo, enquanto
assistia a Xuxa, devorava uma fatia de bolo, e na pressa nem mastigava direito.
Uma hora me engasguei e tossi muito, e minha mãe falou de onde estava: Come
direito, garota! O mundo não vai acabar agora!
' É mesmo, o mundo não acabou
naquele instante. E nesse tempo eu era uma menina apressada. Meu aniversário de
13 anos seria em duas semanas a contar desse dia, e eu acreditava que todas
meninas com treze anos largava a infância de lado e se transformavam em
adultas.
'Ouvi o telefone tocando. Naquele
tempo era um aparelho branco sem fio, que também ficava em cima da mesinha no
corredor. Depois do terceiro toque, minha mãe gritou dizendo que estava
ocupada, que era para eu atender logo o telefone.
'Chateada larguei o pedaço que
restava do meu bolo e fui. Quando atendi, ouvi uma voz estranha que perguntou:
- Queria falar com Reinaldo.
- Aqui não tem nenhum Reinaldo -
respondi.
- Não tem? - O tom da voz era de
dúvida.
- Claro que não. Você ligou para o
telefone errado.
- Acho que não... aí não é
777-1117?
- Não - eu disse, pronta para
desligar o aparelho.
- Puxa... pensei que fosse a irmã
do Reinaldo. Sua voz é igualzinha a dela.
- Mesmo?
- Sim...
O restante não me lembro bem, mas
ficamos falando sobre várias coisas. Acho que ele disse seu nome, mas agora não
me lembro.
Depois dessa ligação, esqueci do
garoto, mas dias depois que fiz treze anos, houve outras ligações, na maioria
das vezes quando estava sozinha em casa. Gostava de conversar com aquele estranho
de voz grossa, mas o engraçado é que
nunca senti vontade de conhecê-lo.
Até no dia que ele me ligou e disse
aquilo do meu pai. Eu não gostei e disse:
- Tá maluco? Não vai fazer nada com
meu pai!
- Pra te proteger faço qualquer
coisa.
- Olha aqui, eu vou te pedir pra
não me ligar mais...
- Impossível! Mesmo que não queira,
vou te ligar, e você sempre vai me atender.
- Veremos - ameacei, mas sem
convicção.
- E sua ideia de fugir de casa?
Continua?
- Fugir?Como sabe...
- Não é o que sempre quis, Liliane?
Fugir dos seus pais, dos seus parentes, ser livre...
- Nunca disse isso!
- Falou sim, só não se lembra.
- Olha, me faça um favor... não me
ligue mais!
- Impossível, Liliane.
Desliguei. E decidi tirar aquilo da
minha cabeça... até agora."
Liliane
ainda apertava o fone pesado junto à orelha. Ela disse:
-
Estou me lembrando de você.
-
Sabia que ia se lembrar.
-
Mas pensei que tivesse se esquecido de mim...
-
Nunca me esqueci. Só que não pude ligar antes...
-
E o que quer comigo agora, depois de todos esses anos?
-
Terminar o que combinamos antes.
-
Terminar?
Continua ( último capitulo)
Rogerio de C. Ribeiro
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