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quinta-feira, 1 de maio de 2014

MEUS CONTOS DA QUINTA - PENÚLTIMO CAPÍTULO

EU SEI QUEM VOCÊ É, MAS VOCÊ NÃO SABE QUEM EU SOU

PARTE 4


Liliane sentiu que tremia de novo. Mal conseguia segurar o fone direito; sua mão dançava ao lado do ouvido.
Uma leve recordação apossou-se dela. Era um fato que aconteceu quando ela era criança, e que com o tempo apagou-se das suas memórias.
Mas quando ouviu aquela voz falando sobre esse caso, um fato isolado estourou feito pipoca, e ela lembrou-se:
" Estou sentada no sofá assistindo o programa da Xuxa, como sempre faço quando acordo. Minha mãe deve estar na cozinha preparando o almoço ou arrumando os quartos, não sei bem o que ela faz. Sei que eram oito e meia da manhã, e eu ainda vestia minha camisola. Estou bebendo meu Nescau na caneca que minha avó me dera no Natal passado e comendo um pedaço de bolo de milho que papai sempre comprava em uma padaria que tinha na esquina da nossa casa. Lembro vagamente que ia ligar para Marcinha e pra Simone pra combinarmos de ir para a escola juntas. Nesse tempo estudávamos no Colégio Assunção, que fica no nosso bairro em São Francisco. Isso mesmo, enquanto assistia a Xuxa, devorava uma fatia de bolo, e na pressa nem mastigava direito. Uma hora me engasguei e tossi muito, e minha mãe falou de onde estava: Come direito, garota! O mundo não vai acabar agora!
' É mesmo, o mundo não acabou naquele instante. E nesse tempo eu era uma menina apressada. Meu aniversário de 13 anos seria em duas semanas a contar desse dia, e eu acreditava que todas meninas com treze anos largava a infância de lado e se transformavam em adultas.
'Ouvi o telefone tocando. Naquele tempo era um aparelho branco sem fio, que também ficava em cima da mesinha no corredor. Depois do terceiro toque, minha mãe gritou dizendo que estava ocupada, que era para eu atender logo o telefone.
'Chateada larguei o pedaço que restava do meu bolo e fui. Quando atendi, ouvi uma voz estranha que perguntou:
- Queria falar com Reinaldo.
- Aqui não tem nenhum Reinaldo - respondi.
- Não tem? - O tom da voz era de dúvida.
- Claro que não. Você ligou para o telefone errado.
- Acho que não... aí não é 777-1117?
- Não - eu disse, pronta para desligar o aparelho.
- Puxa... pensei que fosse a irmã do Reinaldo. Sua voz é igualzinha a dela.
- Mesmo?
- Sim...
O restante não me lembro bem, mas ficamos falando sobre várias coisas. Acho que ele disse seu nome, mas agora não me lembro.
Depois dessa ligação, esqueci do garoto, mas dias depois que fiz treze anos, houve outras ligações, na maioria das vezes quando estava sozinha em casa. Gostava de conversar com aquele estranho de voz grossa,  mas o engraçado é que nunca senti vontade de conhecê-lo.
Até no dia que ele me ligou e disse aquilo do meu pai. Eu não gostei e disse:
- Tá maluco? Não vai fazer nada com meu pai!
- Pra te proteger faço qualquer coisa.
- Olha aqui, eu vou te pedir pra não me ligar mais...
- Impossível! Mesmo que não queira, vou te ligar, e você sempre vai me atender.
- Veremos - ameacei, mas sem convicção.
- E sua ideia de fugir de casa? Continua?
- Fugir?Como sabe...
- Não é o que sempre quis, Liliane? Fugir dos seus pais, dos seus parentes, ser livre...
- Nunca disse isso!
- Falou sim, só não se lembra.
- Olha, me faça um favor... não me ligue mais!
- Impossível, Liliane.
Desliguei. E decidi tirar aquilo da minha cabeça... até agora."
Liliane ainda apertava o fone pesado junto à orelha. Ela disse:
- Estou me lembrando de você.
- Sabia que ia se lembrar.
- Mas pensei que tivesse se esquecido de mim...
- Nunca me esqueci. Só que não pude ligar antes...
- E o que quer comigo agora, depois de todos esses anos?
- Terminar o que combinamos antes.

- Terminar?

Continua ( último capitulo)

Rogerio de C. Ribeiro

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