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sexta-feira, 30 de maio de 2014

O PRÊMIO CAPÍTULO 5

No capítulo anterior: E Mônica continuou no mesmo lugar, sentada, assistindo a tudo passivamente. Na verdade, ela nem estava prestando atenção no marido e nos meninos. Sua cabeça agora viajava em um armarinho da área, onde havia uma sacola de plástico escondida, que representava seu futuro, sua felicidade, seu grande prêmio.

CAPÍTULO 5

Envolvida na escuridão do quarto com o irritante matraquear do ventilador e seu bafo quente, aguardava, ansiosa, pelo primeiro ronco de Adroaldo para se levantar e ir para a área de serviços. Depois que Adroaldo aplicou uma surra de cinto nos meninos e colocou-os de castigo, ele voltou ao seu normal. Jantou, assistiu o jornal da noite e se deitou. Depois do discurso, não abriu mais a boca. E Mônica que ia repreende-lo pela surra dada nos meninos, decidiu ficar quieta. Esquentou o jantar, fez o prato do marido como se nada tivesse acontecido. O que ela queria mesmo era que Adroaldo caísse no sono pesado de sempre; assim ela ficaria livre para fazer o que queria desde cedo.
No primeiro ronco Mônica nem esperou pelo segundo; levantou-se, desgrudou a camisola colada no seu corpo suado e pisou descalça no chão para não fazer barulho. Girou a maçaneta da porta, olhou por sobre os ombros e viu Adroaldo deitado de barriga para cima só de cueca, encharcado de suor, que descia em filetes pelo seu rosto e pelas costelas, molhando o lençol. Mônica abriu a porta e depois fechou com todo cuidado; seguiu pelo corredor iluminado por uma lâmpada ao lado do banheiro e chegou na sala. Mônica não precisou ligar o interruptor de luz para encontrar o que queria; conhecia todas posições dos móveis com olhos fechados. Tateou no armário e bateu em cima da capa do álbum. Tirou da prateleira, dobrou-o e seguiu para a área.
Entrou na cozinha, abriu a geladeira e pegou uma garrafa de água gelada e encheu um copo. Bebeu um gole e levou o copo pela metade em caso de Adroaldo fosse surgir de repente na cozinha. O copo d'água era seu álibi. Diria: Estava com a garganta seca e vim beber água. E se Adroaldo visse o álbum de figurinhas embaixo do braço dela, ela podia dizer: Sabe como são os meninos, sempre bagunceiros (além de ladrões!), deixam rudo espalhados! Claro que ele acreditaria nela. Mônica aprendeu que mentir era necessária para que pudéssemos atingir nossos objetivos. E ela descobriu, sem querer, que sabia mentir, e muito bem!
Uma porta de madeira separava a cozinha da área. Ela girou a chave e pisou no chão de cimento. Deixou o álbum e o copo d'água em cima de uma pequena mesa onde se guardavam um pote cheio de pregadores e um refil com amaciante. Abriu o armarinho e precisou ficar na ponta dos pés para alcançar a sacola de plástico; ela estava enrodilhada nos fundos, entre uma caixa de sabão em pó e uma garrafa de água sanitária. Conseguiu pegar a sacola, voltou para a mesa e sentou-se em um banco redondo de madeira. Acendeu a luz da área, e o lugar se iluminou fracamente. Os seus dedos tremiam quando rasgou os pacotinhos. Foi tirando os cromos e espalhando-os em cima da mesa. Foi colando uma a uma e as repetidas deixando de lado. Seu coração batia descompassado e gotículas de suor brilhavam em cima dos seus lábios. Não demorou nem quinze minutos e tinha colado todas figurinhas. Guardou as repetidas dentro da sacola de plástico, e a escondeu de novo dentro do armarinho.
Depois voltou para saborear o álbum. Já tinham mais de sessenta figurinhas novas, mas nenhuma página ainda foi completa. Em cada página havia um tema do corpo humano. Na primeira eram precisos oito cromos para formar o quadro de um crânio humano - só tinham três cromos colados, a fronte lateral, um que era da mandíbula e uma parte do maxilar.
Na página seguinte era do sistema circulatório. Ali cinco cromos mostravam quase o quadro completo do coração humano. Mais uma vez ficou impressionada com a nitidez e a riqueza de detalhes de cada figurinha. Era como se estivesse vendo um coração na sua frente. Mônica soltou uma risadinha nervosa com a súbita imaginação fértil; durante sua vida inteira foi uma mulher prática, que nunca sonhou e nem fantasiou com coisas que não existisse ao seu redor.
Virou as páginas freneticamente até que chegou na última delas. Mônica ficou sem ação por um momento; a última página, agora iluminada por uma fraca lâmpada de 60 velas, mostrava um quadro com o número 280. Só uma figurinha completava essa página. Ela leu na legenda e ali só estava especificado: CROMO FINAL.280.
Voltou as páginas e conferiu-as: Todas tinham um índice. Uma era do crânio humano, outra das artérias, outra do coração... Todas tinham uma descrição. Só a última que não, era só o único e solitário quadradinho com o número 280, e escrito Cromo Final.
Mônica fechou o álbum e balançou a cabeça. Quando viesse essa figurinha número 280, ia saber do que se tratava. De repente podia ser a foto do corpo humano em miniatura...
Precisava voltar ao seu quarto antes que Adroaldo interrompesse seus roncos para ir no banheiro. E se ele não a visse deitada e suada, embalada pelo vento quente do ventilador, ia procura-la pela casa toda. E se a encontrasse ali na área com o álbum de figurinhas, com certeza não ia sorrir.
Sem perceber, ela escondeu o álbum dentro do armarinho, desligou a luz da área e voltou correndo descalça para seu quarto. "Meu ninho do amor!", pensou. Controlou o riso iminente para não acordar seu marido. Deitou-se, virou de lado e pensou:
"Preciso de mais dinheiro para comprar figurinhas. Vou completar esse álbum logo. Esse prêmio vai ser meu!"
Dormiu quase imediatamente, dessa vez um sono sem sonhos.

Continua...

No próximo capítulo: Mônica às voltas com sua vizinha fofoqueira.

Rogerio de C. Ribeiro


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