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terça-feira, 1 de julho de 2014


ACRÓSTICO

Juvenal Herpes odiava seu nome. Principalmente, o sobrenome. Atrapalhava na hora que ia ver um emprego. Na entrevista, te perguntavam o nome e ele respondia:
- Juvenal. - E ficava em silêncio.
O entrevistador levantou uma das sobrancelhas e disse:
- Juvenal de...
- Juvenal.
- E o sobrenome? - Perguntou, já perdendo a paciência.
- Ah... O sobrenome... - Se fez de desentendido.
- Exato.
Juvenal, falando baixinho:
- Herpes.
O entrevistador, sem entender:
- Como?
- Herpes.
- Herpes? Igual a...
- Isso mesmo. O mesmo que herpes.
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Uma vez, Juvenal conheceu uma menina e a convidou pro cinema. Juvenal gostava de filmes com bastante ação, enquanto a menina, Dorinha, era mais de assistir filmes românticos, açucarados.
- Tem um com Van Damme novo - disse Juvenal.
- Prefiro Richard Gere. - Suspirou Dorinha.
- Os filmes com ele são melosos...
- Ele é lindo!
- Não acontece nada nos filmes dele!
- Ele é um tesão!
- Filme sem ação me dá sono!
- Quem me dera se tivesse um Richard Gere aqui no meu lado...
Juvenal decidiu. Foi ver Van Damme, e que Dorinha procurasse o Richard Gere por aí. Não tinha paciência com isso!
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Nada como um dia depois do outro! Juvenal foi promovido, depois de 18 anos na repartição. De auxiliar nível III, agora era auxiliar nível II, com um aumento de 12 reais no seu contracheque.
E seu colega de repartição, apadrinhado de um senador qualquer da vida, com menos de 2 anos na casa, foi promovido de auxiliar nível III a supervisor de área estratégica. Esse cargo - diga-se de passagem - significava que o funcionário não precisava aparecer todos dias, e no seu contracheque vinha um aumento de 20 mil reais.
Quem não padrinho, morre pagão - Juvenal aprendeu.
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Ia ser pauleira, mas Juvenal Herpes tinha que decidir. Era uma questão prioritária na sua vida. Chegara aos 45 anos, e ainda morava com seus pais.
O pai, de 78 anos, foi que disse:
- Juvenal... Sente aqui, ao meu lado - apontou uma poltrona.
- Que foi, papai?
O velho Herpes, meio sem jeito, disse:
- Meu guri ( ele adorava a música de Chico Buarque e sempre chamava seu filho assim), mês que vem é seu aniversário...
- Ah, pai... esqueci de pedir meu presente, né...
- Não, guri. Quero chegar na sua idade...
- Oh... vou fazer 46 anos...
- Com 46 anos eu já tinha me casado com sua mãe e era pai...
- Eu sei.
- Com 46 anos visitava meus pais.
- Eu sei...
- Com 46 anos era responsável... tinha casa própria, poupança...
- Eu sei... e aí? Não estou entendendo...
O velho Herpes tamborilou os dedos no braço da sua cadeira e disse, meio sem jeito:
- Eu e sua mãe merecemos uma viagem... uma segunda lua de mel... mas para isso não podemos ficar preocupados com você...
- Ah, é isso, pai? Quer viajar com mamãe... Viajem, eu dou a maior força!
- A questão não é só a viagem em si, Juvenal...A questão é que você não sai de casa... e não trabalha...
- Pai... Não foi o senhor mesmo que disse para que eu não me preocupasse com o financeiro... que ia cuidar de mim...
- Juvenal, eu falei isso quando você tinha 10 anos de idade!
- E daí? Não sou seu filho?
- É! Mas se acontece algo comigo ou sua mãe... como você fica?
Juvenal pensou, pôs a mão no queixo e estalou os dedos.
- Ora essa! Fico aqui em casa, né!!!
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Logo, logo, era sua hora. Juvenal Herpes olhava o consultório do dentista cheio. Um abscesso o incomodava há dias. Uma senhora gorda, de peitos do tamanho de câmaras de pneus de caminhões, segurava um lenço que espremia nos lábios. Ela virou-se para Juvenal e disse:
- Canal...
- Eu, um rio de pus - disse Juvenal, ajeitando-se na desconfortável cadeira.
A recepcionista, uma menina de uns 17 anos, chamou:
- Juvenal Herpes!
Era sua hora! Foi conduzido para a sala do dentista.
Dr Osvaldo o atendeu, de braços abertos, estampando um imenso sorriso que mostrava dentes perfeitos e brancos:
- Ora, ora, ora... se não é meu velho amigo Juvenal!
- Olá, Osvaldo - disse Juvenal, sentando na cadeira. Para ele, estava sentado numa cadeira de faquir.
- Há quanto tempo, Juvenal - disse Osvaldo enquanto lavava as mãos. A recepcionista continuava na sala. Osvaldo viu o olhar interrogativo do paciente e velho conhecido e explicou: - Ela vai me ajudar na cirurgia.
Mesmo com a bochecha inchada, Juvenal perguntou claramente:
- Que cirurgia?
O sorriso de Osvaldo era enigmático. E um pouco perverso, também.
- O que vou fazer...
- Osvaldo, é um pequeno abscesso! Uma pequena suturinha deve servir pra acabar com o inchaço.
- Quem é o dentista aqui? Eu ou você?
Não havia humor na pergunta.
- É... é você...
- E quem é o paciente?
- Eu.
- E quem - perguntou o dentista, se aproximando. Ele segurava um imenso alicate, que brilhava com a luz. - Quem deu em cima de Lulu?
- O quê?
- Responda à pergunta - gritou Osvaldo, quase em cima de um indefeso Juvenal. - Quem foi o safado que cantou minha irmã, prometendo mundos e fundos e tirou a virgindade dela?
- Espera, Osvaldo... isso aconteceu quando tínhamos treze anos...
- Quem foi??????
Juvenal engoliu em seco. Parecia que Osvaldo não se esquecera daquilo...
- Lulu casou...
- Você não respondeu ainda!
- Osvaldo, isso aconteceu há mais de 50 anos!
- Não importa... - disse Osvaldo, no alto dos seus 73 anos. Ele brincava com o alicate na frente de Juvenal e disse:
 - Essas coisas ninguém esquece!
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Depois que saiu da missa, Juvenal parou na praça principal, pegou um saquinho que tinha no bolso e abriu. Pegou um punhado de pipocas e comeu. Mastigou lentamente, saboreando a pipoca salgada. A praça estava quase vazia, só umas crianças com seus pais brincavam no escorrega e balanço, e dois ou três desocupados dormiam nos bancos da praça.
Esperou que a missa terminasse para saborear a pipoca. Era uma das iguarias que mais apreciava.
Botou mais um punhado na boca, ia mastigar, mas parou. No chão de terra à sua frente, três pombos cinzas o olhavam.
- Estão esperando que eu jogue pra vocês, né... - disse com a boca cheia, cuspindo casquinhas do milho. - Mas olha só o que vou fazer, seus piolhentos!
Enfiou a mão no saco e jogou um punhado de pipocas na boca. Mastigou ruidosamente, com uma ponta de sorriso no canto dos lábios. Os pombos arrulhavam, subindo e descendo as cabeças, na frente de Juvenal. Mais dois pombos desceram e pousaram. Agora eram cinco pombos esperando o milho de pipoca.
Juvenal disse:
- Já ouviu a frase: Um gato entre pombos? O gato sou eu! - E desandou na gargalhada, lançando mais casquinhas de milhos em volta.
Escutou um som contínuo de flap-flap-flap, levantou os olhos e viu uma nuvem de pombos se aproximando. Eles voavam em cima da sua cabeça, rodeando como num ataque aéreo.
Com um princípio de nervosismo aflorando, enfiou a mão no saco e abarrotou sua boca de pipoca. Enquanto mastigava, observou o céu escurecendo em cima dele pelas centenas de pombos rodando no alto.
Quando terminou, amassou o saquinho e jogou na direção dos cinco pombos, que dançavam na sua frente, arrulhando.
- Toma pra vocês, pragas piolhentas!
Nisso, sentiu um pingo caindo na sua cabeça. Depois, outro pingo. Não demorou muito, uma enxurrada desabou de cima. Juvenal pulou do banco e desandou na corrida. Centenas de pombos voaram atrás, arremessando jatos de merda em cima dele.
A camisa ficou ensopada, e os cabelos grudados. Tonto, sem saber por onde pisava, caiu de cara na areia da praça.
Juvenal ficou encolhido, fedendo. Agora o cabelo emplastrado tomou uma tonalidade ocre, e ele sentia o gosto das fezes que escorria do seu rosto para os lábios.
- Chega! - Pediu Juvenal.
Viu, através de uma cortina embaçada, os cinco pombos se aproximando. E antes que pudesse dizer algo, um deles bicou e furou seus olhos.
Depois disso, Juvenal não lembrou de mais nada...
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Essa não, pensou Juvenal Herpes. Seu sonho de ser um personagem famoso, conhecido até no exterior, caiu por terra! Percebeu que o Autor não tinha mais interesse de escrever mais nenhuma estória, tendo ele como protagonista.
Juvenal Herpes até tentou, ligou algumas vezes, e quando viu que o Autor nem atendia mais o celular, desistiu em apelar.
Fazer o quê, né? Não é sempre que o Autor escreve estórias neste estilo. Talvez nunca mais escreva. E também não é todo dia que o Autor decide escrever um conto usando um acróstico com o nome da sua mulher.
É, Juvenal, quem sabe... O Autor pode dedicar um acróstico em homenagem do seu cão. E talvez você seja lembrado.
Ou não!


Rogerio de C. Ribeiro




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