Agilmente, ela correu para a pia e pegou outra faca, essa um pouco maior que a outra. Escondeu dentro do álbum.
Suspirou e disse para si mesma:
- Vamos acabar com tudo isso...
Ela saiu da cozinha e foi para a sala. Adroaldo, de pijamas, quando a viu, gritou:
- O que aconteceu com você? Que sangueira é essa?
Mônica sorriu. Seu rosto era uma máscara vermelha, e só se viam os olhos e os dentes encardidos.
- Isso, Adroaldo? O início do meu prêmio!
Capítulo 34
Adroaldo
se aproximou dela. Preocupado, perguntou:
-
Você bateu em algum lugar? Se cortou?
-
Eu? - Mônica riu. Um leve tique nervoso tremia no canto dos lábios. - Não...
Estou ótima... Agora, não posso falar o mesmo do jornaleiro...
Era
um pesadelo! Adroaldo desconfiava que alguma coisa estava acontecendo com ela,
mas não imaginava que fosse naquele ponto. Não reconhecia mais a mulher que
era sua esposa há dez anos. Aquela figura na frente era como nos filmes de
terror!
Mas
ele não estava em nenhum filme. Aqui era vida real.
-
Que tem Jorge?
Ela
ainda agarrava o álbum contra o peito. E ali dentro escondia uma faca.
-
O safado veio roubar meu prêmio. Pensou que eu não ia desconfiar...
-
Do que está falando? - Adroaldo, prudente, mantinha uma certa distância dela. Ainda estava
perto do corredor que levava aos quartos, enquanto Mônica parecia uma estátua
pintada de vermelho na porta da cozinha.
Mônica
não respondeu. Dentro da sua cabeça, ouviu a voz:
(Ele também quer pegar seu
prêmio. Se ficar aí parada, ele vai agir e roubar o álbum das suas mãos. O
tempo tá correndo. Hoje é tudo ou nada!)
O
que Adroaldo viu, deixou-o mais assustado ainda. Os olhos dela pareciam vidrados e
ela movia os lábios como se estivesse falando algo.
Mas
o que veio em seguida fez com que ele tomasse uma decisão.
Mônica
mexia os lábios e de repente disse:
-
Ele não vai pegar nada!
(Vai achando isso...)
Adroaldo
viu que ela falava, mas não ouviu nenhum som.
Notou
também o livro dobrado contra o peito dela. Reconheceu:
-
Isso aí não é o álbum das crianças? Aquele que sumiu?
Mônica
deu dois passos em frente. Tinha um sorriso vago:
-
Que crianças? Esses meninos que estão estragando minha vida?
Adroaldo
deu um passo para o lado, e do ângulo que ficou, vislumbrou uma parte da
cozinha. Seu coração disparou, parecia que ia chegar na boca.
Viu
Jorge, o jornaleiro, caído em volta de uma poça de sangue. Adroaldo quis voltar
para o corredor, mas Mônica estava no seu lado.
Ela
fedia a suor e a sangue pisado. Os cabelos dela estavam emplastrados, duros,
disformes. Ela disse, e seu hálito embrulhou seu estômago.
-
Não imagina como lutei para conquistar esse prêmio. Mesmo com vocês me
atrapalhando, eu consegui!
Adroaldo
tinha que agir friamente. Sua mulher surtara. Matou um homem a sangue frio, e
sua postura era perigosa. Tinha que medir suas atitudes.
-
Mônica, você precisa de ajuda... vem, vamos sentar no sofá..
(Cuidado! Ele vai te enganar!
Como sua mãe sempre te enganou...)
- Larguei de ser idiota, mãe! - Sua boca estava torta e mostrou dentes amarelos
manchados de sangue. - Adroaldo - consertou ela.
-
Sou seu marido, só quero ajudar!
-
Você tá fazendo a mesma coisa que minha mãe! - Logo, ela abaixou os olhos e
murmurou algo que ele não ouviu.
Sua
preocupação era com os meninos no quarto, que ainda dormiam. Notou que havia algo
escondido naquele álbum dobrado. Provavelmente, a mesma coisa que matou o jornaleiro.
Estava
de pijamas e seu celular no quarto. Tinha que passar por ela para voltar
ao corredor. Mas ela impedia sua passagem. Estava com medo de cometer um erro e
depois sobrar para os garotos.
-
Foi você, Adroaldo... - ela sussurrou e dessa vez ele ouviu algo como foi ele sim. - Atrapalhou meu
trabalho... fiz com tanto cuidado..
-
Eu não fiz nada! - Se esforçou para não mostrar o pânico que sentia naquele momento.
Ela
gritou. Acelerou as palavras e enquanto falava, cuspia em cima dele:
-
FEZ SIM! FOI LÁ NA CASA DA VELHA PORTUGUESA E A RESSUSCITOU! EU TINHA
MATADO AQUELA PORCA E VOCÊ FOI LÁ SALVA-LA!
-
Tá falando da dona Guiomar?
-
DESGRAÇADO! NUNCA QUIS ME VER FELIZ! É IGUALZINHO À MINHA MÃE! VOCÊ E ELA SÓ
QUEREM ME ATRAPALHAR. QUANDO PENSO QUE MINHA VIDA VAI MELHORAR, VOCÊS FAZEM DE
TUDO PRA QUE EU FAÇA ERRADO.
-
Sua mãe não morreu? - Tinha que ganhar tempo. Talvez alguém na rua ouvisse a
gritaria. Nunca pensou que ia precisar da ajuda daqueles fofoqueiros.
-
VOCÊ VIU GUIOMAR AMARRADA E A AJUDOU. NÃO SEI COMO FEZ, MAS A RESGATOU DO
INFERNO!
-
Mônica, você não está falando nada com nada...
Ele
deu um pequeno passo, mas Mônica plantou-se na sua frente. Pegou de dentro do
álbum a faca escondida. Agarrou pelo cabo e rosnou:
-
VOCÊS ESTÃO MANCOMUNADOS PRA ME DERROTAR! MINHA MÃE SEMPRE DISSE QUE EU NUNCA
DEVIA TER NASCIDO. REPETIA QUE EU PERDIA MEU TEMPO SONHANDO. E VOCÊ FALA IGUAL
A ELA! MANDA QUE EU SAIA DO MUNDO DA LUA E CAIA NA REALIDADE! AGORA ESTOU
VIVENDO MINHA REALIDADE, ADROALDO! AGORA SOU MERECEDORA DO PRÊMIO QUE VAI ME
AJUDAR A ME LIVRAR DE VOCÊS TODOS... QUERO ESQUECER QUE PERDI MEU TEMPO COM
ESSA FAMÍLIA... QUERO SER EU MESMA!
-
Mônica... Por favor... Larga essa faca - disse Adroaldo. Olhou para a janela
fechada e não viu ninguém andando na rua.
Tinha
que ligar para a polícia... Mônica precisava de um tratamento...
Ela
moveu os lábios de novo e depois disse:
-
Então você que é o responsável pelas enxaquecas... Vem me envenenando todos esses anos... Canalha!
Adroaldo
não desgrudava os olhos da faca. Um passo errado...
No
corredor, ouviu Felipe:
-
Pai... Manhê... que barulheira é essa?
-
Corre, Felipe! - Adroaldo gritou. - Se tranque no quarto! Rápido!
Ele
tentou agarrar o pulso de Mônica, mas ela foi ágil. Desferiu um golpe, e a
lâmina rasgou o braço dele. Sangue jorrou da ferida aberta.
Felipe
chegou no fim do corredor. Ainda estava com sono. Quando viu sua mãe
ensanguentada e seu pai com o braço vermelho de sangue, gritou.
Urrando como uma fera, Mônica puxou Felipe contra si, envolvendo seu braço pela garganta do menino.
Adroaldo
estava de joelhos, segurando o braço ferido que ardia como ferro em brasas.
-
Deixa ele ir, Mônica...
Apertando
mais ainda a chave de braço no menino, Mônica ergueu a faca.
- Ir pra onde? Tempo esgotado!
Continua...
Não percam o último capítulo da série.
Rogerio de C. Ribeiro
Continua...
Não percam o último capítulo da série.
Rogerio de C. Ribeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário