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sexta-feira, 4 de julho de 2014

O PRÊMIO CAPÍTULO 20

No capítulo anterior: Ela esperou que a voz replicasse, mas ficou em silêncio. Saiu da área e foi ao quarto dos meninos.
Daniel continuava dormindo, com seu polegar na boca, ressonando lentamente. Mônica afagou os cabelos dele e perguntou a si mesma:
- Será que a dose que dei foi muito grande?
Daniel parecia um anjo.
(E os anjos moram no céu!)

Capítulo 20

- Não fala isso! - Controlou o tom da voz para não gritar. Suas mãos agarravam a parte superior do berço, e com a pressão que segurava, corria o risco de quebra-lo.
(Não minta para você mesma, princesa. Você sabe que seu filho não vai mais acordar desse soninho. Ele vai dormir para sempre!)
- Isso não é verdade!
(Às vezes fico aqui pensando com os meus botões... Você é mesma tão idiota como parece ou só finge que é uma pateta?)
- Por quê?
(Mônica, está prestes a faturar o maior prêmio que nenhuma pessoa nesse mundo jamais sonhou em ganhar, e me vem com essa de que está preocupada se o seu filho tomou uma dose extra do calmante que deu a ele... Ainda não parou para pensar que Daniel é menos um para te atrapalhar para seu sucesso? Nesse momento, você tem que se preocupar é com Guiomar, que tá lá na casa dela amarrada, e depois dela, com seu marido e seus filhos.)
- Vou vê-la amanhã.
(Que pode ser tarde. Vai que ela consegue se desamarrar. Quando for parar na cadeia, ali dentro o prêmio não vai servir pra nada.)
Nervosa, Mônica começou a sentir suas dores de cabeça. A dor que vinha era como se uma agulha fina tivesse furando seus miolos.
- Não diga mais nada! Minha cabeça está explodindo!
(Tenho que falar, sim! Abra seus olhos, menina, caia na real! O mundo inteiro está pronto pra te reverenciar e você ainda aí,  perdendo seu tempo preocupada com seu anjinho? Já te avisei várias vezes, se não tem ambição pra conquistar teu grande prêmio, tua vida continuará a mesma bosta que sempre foi. Pense no que perdeu na vida, vivendo ao lado dessa família que só pensam neles, nesses anos todos. O que você é hoje? Nada. Pra que nasceu, se é uma insignificante? O prêmio vai fazer com que as coisas acertem; vão te transformar na pessoa que sempre teve que ser!)
A sensação agora era que tinham substituído as agulhas e agora enfiavam na sua cabeça dezenas de chaves de fendas. Seus olhos lacrimejaram, e precisou agarrar no berço para não desmaiar.
(Faça o que você tem que fazer... ainda tem os pacotes para abrir... e colar... e sentir o seu álbum...)
Com a cabeça abaixada, ela sentiu algo quente escorrendo; passou a mão no nariz e viu que era sangue. Desde sua infância, com seis, oito anos, não teve mais hemorragia nasal. Culpou o calor dentro do quarto. Também culpou Adroaldo, que não tinha ambição e a obrigava que vivesse nessa vida miserável, culpou os filhos que tomavam todo seu tempo livre para que desse atenção a eles.
Foi ao banheiro. Sua imagem no espelho era pior que pensava. Estava com olheiras pretas, o sangue estancou, mas sua boca e seu queixo estavam rubros com sangue seco; a franja do cabelo colou na testa. Sua aparência era cadavérica.
Abriu a torneira e deixou a água escorrer. Lavou com sabonete o sangue seco, e olhou admirada a água vermelha rodopiando e sendo sugada pelo ralo.
Enxugou o rosto e quando chegou na sala, sua fisionomia voltou a ser a mesma de sempre. Felipe e Mateus viam televisão (como sempre) e ela foi para a cozinha preparar o jantar.
Eram sete e meia da noite quando Mônica ouviu o Gol do marido estacionando em frente da casa. Escutou os passos pesados dele e da porta da sala rompendo, depois o barulho da pasta sendo jogada em cima da mesa da sala, e por fim, a voz sempre mal humorada dizendo boa noite para os filhos, que responderam de forma tímida para ele.
"Como são previsíveis...", pensou Mônica enquanto mexia com uma colher de pau um molho de tomates em uma pequena panela.
Adroaldo irrompeu dentro da cozinha, e tirou a camisa suada.
- Que calor dos infernos tem feito essa semana! O ar condicionado da imobiliária pifou de tanto utilizar, e meu plantão de hoje foi uma desgraça em dois sentidos: Fiquei derretendo dentro do escritório e não apareceu nenhum cliente nas horas que fiquei de plantão. - Ele jogou a camisa social por sobre o ombro e abriu a geladeira. Ficou procurando por algo e perguntou: - Você não esqueceu minhas cervejas no congelador, ou esqueceu?
- Não vi nenhuma lata de cerveja, Adroaldo. Aquelas que comprei ontem acabaram.
- Menos mal, odeio quando acho uma lata congelada. Acabo jogando fora e depois  me dá uma dor no coração com o desperdício do dinheiro jogado na lata do lixo!
Mônica se absteve em responder. Adroaldo pegou uma garrafa de vidro com água gelada e bebeu em goladas grandes pelo bocal. Largou a garrafa na mesa e sentou-se em uma cadeira. Mônica conhecia tão bem seu marido, que já sabia o que seguiria. Adroaldo faria seu discurso, ou se fosse uma peça teatral, ele encenaria um monólogo. Ele se sentia o máximo quando tinha sua esposa como espectadora. Enquanto ela refogava o molho e verificava a água do macarrão, Adroaldo se esticou na cadeira, botou as mãos na cabeça e começou:
- Ah... Você tem sorte, Mônica. Fica aqui dentro de casa, só na sombra e água fresca e com os ventiladores todos em cima de você. Nem imagina como foi meu dia hoje. Me escalaram de última hora para substituir o Ramos no plantão. Como minha maré nas vendas não andam lá essas coisas, principalmente depois daquela venda certa que perdi, decidi apostar minhas fichas e ver no que podia render. Pelo menos eu ia ficar no gelado. Vi o termômetro hoje marcando 43 graus! E não duvido muito se não era mais do que isso. Uns 60, na sombra! A minha mesa dá de  frente para a rua. Me deu uma inveja danada quando vi as pessoas na praia de Icaraí. Mesmo com aquela água imunda, tinha gente mergulhando e brincando. Essa semana o calor não deu refresco! Só quarenta graus, e a chuva que prometia hoje, nem deu as caras. Mas deixa falar do meu plantão. Mal sentei, senti um cheiro de queimado. O geladinho que eu me deliciava virou um bafo quente! Deu um curto circuito na porcaria do ar condicionado e parou de funcionar. Foi um tal de corretor arrancando paletó e a gravata, de arregaçar as mangas... e teve um, o Orlando, lembra? esse tirou os sapatos e as meias e ficou no plantão descalço. Não cheguei nesse ponto, só tirei meu paletó, mas te confesso. Minha vontade mesmo era chutar o balde, botar uma bermuda e dar um mergulho nas águas do Cocoraí. E depois parar lá no Recinto, beber alguns chopes , e ver o por do sol.
Adroaldo pegou a garrafa d'água e bebeu direto do gargalo. Tempos atrás, Mônica ia chiar, mas hoje o dia estava sendo intenso, e não ia se desgastar por causa de algumas salivas do marido na água.
- E como foi o seu dia, Mônica?
Ela estava de costas para ele, descascando batatas. Virou-se, limpou as mãos no avental e exibiu um largo sorriso para ele:
- Meu dia hoje foi o mais normal possível.
- Os meninos se comportaram?
- Depois da sua lição, eles estão um anjo!
- Melhor assim - retrucou Adroaldo, que caminhou para a área.
Mônica largou a faca, que caiu no chão. Adroaldo, surpreso, perguntou:
- O que foi?
Mônica procurou controlar o nervosismo:
- Para onde está indo?
Adroaldo tirou sua camisa do ombro e mostrou para sua esposa:
- Essa camisa tá em petição de miséria! Vou deixar lá dentro da máquina de lavar.

Continua...

No próximo capítulo: Se Adroaldo abrir a máquina de lavar, vai descobrir dois mil pacotes espalhados lá dentro. Mônica precisa agir. E rápido.

Rogerio de C. Ribeiro

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