(SUA FRACA! NÃO VOU MAIS PERDER TEMPO CONTIGO! PODE ESQUECER DO PRÊMIO!)
- Não vou esquecer nada - teimou Mônica.
(COM ELES TE ATRAPALHANDO, ESSA É A ÚNICA ALTERNATIVA QUE LHE SOBRA! )
- Vou encontrar uma saída...
(E se não achar? Me diga! Responda!)
- Se ver que estou travada por causa deles... - Ela largou sua cabeça, que parecia anestesiada, em torpor. - vou fazer o que quer... me livro deles.
Capítulo 27
Ela
esperou que a voz gritasse de novo, mas não chegou nenhum som dentro da sua cabeça.
Caminhou para a sala e viu Daniel usando uma roupa de sair. Ele estava sentado no sofá quietinho, olhando um comercial que passava na tevê.
Adroaldo veio do corredor, agora vestindo camisa e calça social.
- Vou leva-lo no médico - anunciou ele. - Se quiser, te levo também.
Mônica
negou com a cabeça.
- Me viro aqui mesmo, Adroaldo. Estou com a minha cabeça doendo, mas nada
que uma aspirina não possa resolver.
Adroaldo
ia insistir mais uma vez, mas mudou de ideia e saiu com Daniel. Sozinha em
casa, Mônica arriou na poltrona e disse:
-
Espero que não precise daquela segunda alternativa... só quero o prêmio... não consigo me
ver maltratando as criança... e nem Adroaldo, e nem mais ninguém...
Ela
levantou-se, correu para a janela, e protegida pela cortina, viu o Gol de
Adroaldo dobrando a esquina. Olhou para o lado da rua e notou que dona Amélia estava parada na frente da
casa de Guiomar com mais três vizinhos, que Mônica chamava de Turma dos
Aposentados do Barreto.
Ela
atravessou a sala e a cozinha correndo e na área tirou a sacola de dentro da
máquina de lavar. Queria terminar logo antes que os meninos ou o marido voltassem da
rua. Com o álbum aberto sobre a mesa, iniciou o ritual de rasgar os
envelopes, tirar os cromos, conferir, separar ou jogar as repetidas para dentro
da sacola.
A
falta de uma boa noite de sono começou a fazer seus efeitos nela. Mônica estava
acordada há mais de vinte e quatro horas, e sentiu suas mãos dormentes e os
olhos ardiam como se tivessem jogado areia dentro deles. Mesmo com todas
intempéries, ela continuava no seu ritmo de rasgar, separar, jogar fora e
colar.
No
fim de duas horas e meia, a sacola de plástico que comprara de um camelô no
centro continuava inchada com milhares de figurinhas repetidas. Do montante de
seis mil figurinhas, ela só tinha colado quinze novas. E tirando a página do
crânio humano, as outras continuavam incompletas.
-
Não é possível! - Mônica apoiou os cotovelos na mesa e entrelaçou os dedos
magérrimos nos fios oleosos do seu cabelo. - Isso tá parecendo uma...uma...
(A palavra fugiu da sua boca?
Sacanagem.)
Mônica
puxou seus cabelos para cima e nem sentiu dor. O desespero tomou conta dela:
-
Como vou comprar mais figurinhas?
(Comprar é o de menos.)
-
Como de menos?
(Você ainda tem o cartão da
portuguesa. O que precisa mesmo é diversificar.)
-
Como assim? - Mônica largou os cabelos, que ficaram espetados para os lados, e
sem que percebesse, acariciava a capa do álbum.
(Quando digo diversificar, significa
que não pode ir comprando as figurinhas no mesmo bairro. Tem que correr todas
bancas da cidade!)
Com
Adroaldo em casa? Impossível!
(Só assim pode conseguir alguma
coisa...)
Mônica
guardou o álbum, escondeu a sacola abarrotada de figurinhas na máquina de lavar
e foi ao banheiro. Tomou um banho gelado. Precisava manter-se desperta. Agora
seu corpo inteiro parecia dormente e o coração adquiriu uma arritmia que ela
nunca tivera antes.
Vestiu
uma roupa leve, pegou sua bolsa e vasculhou o conteúdo dela, virando alguns
papeis antigos, um batom pela metade, um espelhinho e um guardanapo com a
estampa do Tratoria Torna, uma lembrança que ela guardou ( e se esquecera
também) da noite que Adroaldo dissera para a família que iam jantar fora para
comemorarem uma venda que fizera. Nessa noite, seu marido parecia outro homem,
não quis economizar em nada e até os meninos se deliciaram com um enorme banana split. Admirando o guardanapo, Mônica achou que esse momento foi
o único que toda família se reuniu e se confraternizaram como tal. Foi uma
noite épica, mas foi a única vez.
Ela
amarrotou o guardanapo, foi ao banheiro e jogou dentro da privada. Deu a
descarga e viu o papel se esfarelar e sumir junto com a água azul de cloro que
foi sugada para o esgoto.
-
Já era esse tempo - disse Mônica. - Agora os dias são outros. Principalmente
para mim.
Voltou
ao quarto e pegou a bolsa que estava caída sobre o colchão com a boca
escancarada. Vasculhou novamente, agora em um ritmo rápido, e seus dedos
tocaram em algo plástico. Encontrou o que queria, o cartão do banco da falecida
portuguesa.
Guardou
o cartão dentro da sua carteira juntamente com o papel da senha e se dirigiu para a sala. Mal saiu do corredor,
viu que eram meio dia e meia. Logo os dois pestinhas estariam de volta do
colégio.
Mesmo
arrumada para sair, Mônica foi esquentar o almoço deles. Depois pegou um papel
e escreveu: VOLTO LOGO e pendurou com um imã na porta da geladeira.
Saiu
para a varanda e decidiu que não ia trancar a porta da frente. Se trancasse,
era bem possível que Felipe e Mateus entrassem pela área, e ela não queria
correr mais nenhum risco que um deles, bisbilhoteiros que eram, em um lampejo
abrissem a tampa da máquina e fosse descobrir mais de cinco mil figurinhas
repetidas dentro de uma sacola.
Ao
sair para a rua, viu um movimento estranho na frente da casa de Guiomar. Uma
viatura da polícia militar estacionara em frente. Algumas pessoas conversavam
entre si ao lado da mangueira que despejava suas folhas diariamente, obrigando
que a portuguesa as varressem todos dias.
Dona
Alice conversava com um sargento da PM em frente do portão fechado da casa de
Guiomar. Mônica aproximou-se da velha vizinha e perguntou, manejando um tom
suave e distraído à sua voz.
-
O que aconteceu, dona Alice? Dona Guiomar chamou a polícia?
Dona
Alice ajeitou o aparelho de surdez do seu ouvido e respondeu:
-
Não chamou. Aproveitei que o sargento Ernesto passava aqui na esquina e
chamei-o para ver se alguma coisa aconteceu com ela.
Mônica
parecia uma espectadora atenta quando viu a dentadura de dona Alice subindo e
descendo e um momento, quase foi cuspido para longe.
-
E eu tô tentando explicar para ela que não posso fazer nada. - disse o
Sargento. O cabo que era o parceiro de Ernesto concordou com a cabeça. - Ninguém nos ligou reclamando do desaparecimento dela, e não temos nenhum
mandado assinado pelo Juiz para entrarmos sem sermos convidados.
-
Ernesto, lhe conheço desde garoto, muitas vezes você quebrou minhas janelas com
sua péssima pontaria nos chutes. Eu e sua mãe participamos das festas anuais da
igreja, e você era um dos que mais comiam cachorro-quente e eu nunca disse nada
pra ninguém.Também teve aquela vez que você pegou "emprestado" um
pacote de pão de mel no Emanuel e para sua mãe não saber desse empréstimo
paguei e...
-
Tá bom, dona Amélia - disse o sargento, constrangido. - Vou bater na porta
dela... É o máximo que posso fazer.
-
Não adianta bater na porta, Ernesto, ninguém atende.
-
Se não atendem, é porque não tem ninguém em casa - disse Mônica enquanto se
afastava deles a caminho do ponto de ônibus.
Ela
ainda arriscou uma olhada para trás e viu os policiais entrando na viatura,
deixando dona Amélia e sua dentadura bailarina enfurecida.
Quando
chegou na esquina, viu Jorge, o jornaleiro, acenando para ela.
"É
hoje", pensou Mônica. Sem alternativa, atravessou a rua.
-
Oi, dona Mônica - disse Jorge. - A senhora ficou de passar aqui na banca
ontem...
Mônica,
indignada:
-
Eu não marquei nada de ontem, Jorge. Vou te lembre o que falei: No
máximo na semana que vem.
Pela
cara dele, Mônica sentiu que alguma coisa tinha acontecido.
-
Dona Mônica, a senhora sabe que infelizmente não sou o dono da banca. Seu
Giuseppe apareceu aqui ontem e pegou o relatório das vendas. E hoje me ligou
dizendo que faltava dinheiro no caixa...
Giuseppe,
um italiano de Nápoles, era dono de metade das bancas de jornais de Niterói e
São Gonçalo. Conhecido pela sua rigidez nos negócios, era também impiedoso com
funcionários inaptos. Seu lema era: "Vender fiado só para freguês antigo e
só pode ser jornal, mas tem que pagar no dia seguinte. Se o freguês não tem
dinheiro para ler jornal, ou ele lê as notícias na internet ou fica
desatualizado com as notícias do dia!"
-
E daí, Jorge?
-
Ele percebeu que faltavam 110 reais no caixa. E o prazo que me deu para
devolver esse dinheiro é hoje!
-
Não posso fazer nada, Jorge. Não tenho dinheiro. Quem te mandou que vendesse fiado?
Antes
que Jorge respondesse, ela passou por ele e caminhou para o ponto de ônibus.
Continua...
No próximo capítulo: Dentro de um táxi, Mônica faz um tour pela cidade.
Rogerio de C. Ribeiro
Continua...
No próximo capítulo: Dentro de um táxi, Mônica faz um tour pela cidade.
Rogerio de C. Ribeiro
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