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segunda-feira, 28 de julho de 2014

DESTINO: INCERTO / CAPÍTULO 1

O ônibus executivo da Viação Interiorana sacolejava vagarosamente pela estrada federal seguindo caminho para a pequena cidade de Santopolis, interior de São Paulo. Júlio ignorava que existisse uma cidade batizada com esse nome, e desconfiava que também nem era mencionado no mapa do Estado, mas foi a única saída que teve quando chegou na rodoviária de São Paulo. Assim que desembarcou do ônibus que veio do Rio de Janeiro com duas bagagens de mão e sua filha Roberta ao seu lado, ele apressou-se em direção do primeiro guichê que viu aberto naquela manhã de quinta-feira. Um rapaz de uniforme cinza cochilava, e quando Júlio bateu no vidro do guichê, o rapaz pulou assustado da cadeira e rapidamente disfarçou, fingindo que lia um relatório que tinha sobre a mesa.
O funcionário levantou a cabeça e disse, sorrindo:
- Bom dia, senhor. Em que posso ajudar?
Júlio, que segurava firme a mãozinha da sua filha de cinco anos para não correr nenhum risco de  ter alguma surpresa desagradável, leu as cidades que a empresa fazia rota.
- Qual o próximo ônibus que vai sair agora?
O funcionário conferiu na tela do computador e respondeu:
- Santopolis. O ônibus sai em vinte minutos.
- Essa cidade, Santopolis, fica distante?
- Daqui para lá, cerca de doze horas.
- Quero duas passagens - pediu Júlio.
Pegou uma nota de cem reais, pagou e pegou o troco. O funcionário informou o portão de embarque, e antes que desse bom dia de novo, o homem saiu às pressas com uma menina que quase corria ao lado dele.
O funcionário, cujo nome era Reílson, disse no dia seguinte ao detetive que viera interroga-lo, sobre aquele homem e a menina:
- Na hora não estranhei, doutor. Mesmo com a rodoviária quase deserta, sempre aparece alguém para comprar passagens de última hora. Bem, na verdade, nunca atendi um homem sozinho com sua filha às seis e meia da manhã. Mas tudo pode acontecer, né? Nesse mundo, nunca podemos dizer que isso ou aquilo é impossível. Já trabalho na empresa há cinco anos, e atendi muita gente que dormiram na rodoviária, esperando a abertura do guichê. Sim, concordo com o senhor, doutor. Normalmente quando se tem uma criança junto, é mais fácil ver pais e filhos pequenos viajando em horários normais. Mas vou te dizer, doutor, na hora pensei: vai que esse moço estivesse com pressa para chegar no seu destino e por isso comprou as passagens para Santopolis pra fazer baldeação? No momento nem me liguei, mas agora que o senhor me falou quem ele é, me liguei que é raro aparecer alguém pra comprar uma passagem para essa cidade. Santopolis é tão pequena, que nem rodoviária tem!

                                                 *******

Júlio sentiu seus olhos pesados. Era o cansaço invadindo seu corpo. Na poltrona junto à janela, Roberta dormia com a cabeça deitada no seu colo, espalhando sua cabeleira castanha em volta. Ele acariciou-a no rosto, se controlando para não cair no sono. Já eram mais de vinte horas de viagens interestaduais, e Júlio ainda não tinha decidido qual seria o destino deles dois.
No ônibus, menos de dez passageiros seguiam viagem. Júlio e Roberta viajavam no fundo do corredor, nas poltronas 37 e 38. Pouco atrás deles, a porta do banheiro não trancava, e a cada curva na estrada, a porta abria e fechava com barulho. Já que nenhum passageiro foi reclamar com o motorista, não seria ele que iria.
Já bastava o risco de viajar com uma menor. Em seu íntimo, sabia que uma hora aquela fuga chegaria no fim. Com certeza, a essa hora, a polícia estava atrás dele. Ele passou a mão na frente da sua camisa, e sentiu o volume de uma arma.
No momento que aquilo acabasse, ele não cederia tão facilmente. 

"Como é uma confissão, vou começar pelo dia que conheci Elaine. Amigos em comum nos apresentou. E não vou mentir, no instante que a vi, tive certeza que era a mulher da minha vida.
O engraçado é que sempre moramos no mesmo bairro, mas nunca nos cruzamos. Soube depois que os pais dela já conheciam minha mãe, e repito, nem assim cruzei com ela antes.
O que me fascinou nela foi que me mostrou logo de cara o tipo de mulher que era: Independente, irônica e extremamente inteligente. Nunca fui sarcástico e nem irônico, por isso às vezes não entendia bem algumas tiradas que ela disparava, principalmente sobre minha vida.
No início, nunca soube por quê se interessou por mim. Nós pensávamos diferentes e muitas vezes brigamos por causa disso. Mas ela sabia me dobrar e sempre vencia nos debates. Como escrevi antes, ela foi mais inteligente  que eu.
Sempre fui de emoção, ela da razão. Constantemente me criticava pela forte ligação que tinha com minha mãe. Expliquei milhares de vezes que mamãe era sozinha, que meu pai a abandonou quando eu ainda era recém-nascido. E que minha mãe, ao invés de se casar novamente, preferiu dedicar sua vida inteira para minha formação; mas no fundo também desconfiei que minha mãe ainda tinha um restinho de esperanças que meu pai voltasse.
Elaine nunca quis entender meu ponto de vista. Para ela, que mal ligava com os próprios pais, repetia que eu me portava feito um mariquinhas. Foi nessa tempo que descobri que o jeito dela, além de independente, irônica e inteligente, também era uma tremenda egoísta, vivendo só para seu umbigo.
Já foi escrito que os pólos contrários se atraem, e mesmo com todas discordâncias, um dia ela decidiu por nós dois que íamos morar juntos. Os pais dela, claro, foram contra essa ideia - e naquele tempo achei que fosse por minha causa, mas depois vi que não - mas minha mãe me apoiou, disse que era bom eu morar com Elaine,e viver minha história de amor com ela. Eu relutei um pouco a essa ideia, mas ainda não sabia que mamãe estava muito doente, tanto que dois meses depois, ela faleceu.
Depois que mamãe morreu, a impressão que tive foi que o mundo desabou, que o chão abriu aos meus pé e fiquei atarantado. Nesse momento de tristeza absoluta, meu ponto de apoio foi Elaine. Naquele período de luto, ela sempre se mostrou amorosa, cúmplice das minhas dores.
Isso durou uma semana. Depois que terminou a missa de sétimo dia, com meus parentes e os pais dela ainda dentro da igreja, Elaine chamou a todos e disse em alto e bom som:
- Bem, agora acabou o seu período de luto. O momento agora é de viver, de aproveitar a vida. Sua mãe já foi enterrada, o mundo pra ela acabou-se, e a única certeza agora, são os vermes que vão se fazer naquela carne podre.
Houve um coro de Ah e Ohs, e até o padre ficou assustado com aquelas palavras. Todo mundo criticou Elaine, só eu que não falei nada e nem esbocei nenhuma crítica. Eu precisava dela, pra mim só existia Elaine no mundo, independente do seu jeito e seus modos. 
Fiquei dependente dela até o dia que ela informou que estava grávida e ia abortar a criança.

CONTINUA
No próximo capítulo: Júlio às voltas com uma passageira curiosa.



Rogerio de C. Ribeiro

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