Translate

quarta-feira, 9 de julho de 2014

O PRÊMIO CAPÍTULO 23

No capítulo anterior: Tinha bastante coisa para fazer nessa noite. Passou pelo quarto dos meninos e olhou Felipe e Mateus, que dormiam em uma beliche e Daniel no berço. Também fechou a porta do quarto deles.
Precisava agir rápido agora. Primeiro ia visitar Guiomar, depois as figurinhas.
O relógio bateu meia-noite.
Essa madrugada vai ser longa. Muito longa.

Capítulo 23

Depois que se vestiu, Mônica saiu pelos fundos da sua casa, e tomou todo cuidado quando chegou na rua deserta. Caminhou devagar, olhando para trás para certificar-se que não tinha nenhum insone intrometido observando-a da sua janela. Mesmo com a noite quente, os vizinhos resolveram colaborar com a missão dela. Parou em frente do portãozinho da casa de Guiomar, deu outra espiada e tranquila com a paz que reinava, entrou.
Fez o mesmo caminho da manhã, aproveitando que a porta da cozinha estava destrancada. Ao entrar, parou de repente, hesitante. Se deu conta que Guiomar continuava amarrada e amordaçada há várias horas. E se nesse ínterim ela tivesse morrido? Há mais de dez horas que a largara no quarto para ir ao banco. E além de amordaçar e amarrar a velha portuguesa, também quebrou o joelho dela. Imaginou-a estirada em cima do tapete do quarto, com vermes passeando pela ferida aberta do joelho. E com aquele calor sufocante dentro do quarto, outros bichos estariam saindo pelos orifícios e moscas pousando no seu rosto inchado.
(Coragem, Mônica. Você começou isso. Agora tem que terminar com essa sujeira toda. E sem muita demora. As figurinhas estão te esperando ansiosamente!)
Mônica sabia que agora, mais que nunca, não podia recuar e fugir. Principalmente depois que dona Alice comentara que a vira entrar com Guiomar nessa casa no dia anterior. Tinha que fazer o que planejou a tarde toda.
Na sala, um grande armário com vários livros, enfeitava o canto inferior. Ela pegou os exemplares e espalhou-os pelo chão. Depois quebrou um vaso, com uma faca, rasgou o sofá e as poltronas e cortou o assento de palha da cadeira de balanço. Exausta, contemplou o serviço que fez na sala.
(Aprovado! Agora vamos para o quarto.)
No quarto de hóspedes, retirou todas as gavetas do armário e espalhou o conteúdo aleatoriamente. Quando a polícia entrasse ali, não iam duvidar que a casa tinha sido assaltada.
Agora o ponto principal: O quarto da portuguesa.
Se fosse por sua vontade, Mônica sairia sem entrar naquele quarto. Decorrência de um fato do seu passado. Queria esquecer, mas não conseguia. Mas aconteceu há tanto tempo... Por que se lembrou? Pela similaridade. 
Sabia que não era mulher que ficava com a dúvidas. Gostava de ver para crer. Tinha que ver se Guiomar continuava viva ou não.
(E se você vai embora, mas ela está viva? Na hora que chamarem a polícia, ela vai cuspir merda no ventilador, e aí garota, você tá fodida e mal paga!)
Mônica detestava palavrões. De novo o passado voltando com toda força. Mas a voz tinha razão. Ela começou a sentir um certo desconforto nas têmporas, as veias pulsavam ao ritmo dos batimentos cardíacos. Pediu, chegou mesmo a implorar que não viesse a enxaqueca agora. Não sem antes terminar o que...
(É necessário.)
Mônica se perguntou em que momento tudo isso iniciou? A causa era seu passado ou foi agora? Ou os dois se misturaram e ocasionaram tudo? Até quatro dias atrás, se esforçava em manter uma vida basicamente normal. Arrumava os filhos para o colégio ia fazer compras no Emanuel, dava bom dia a Guiomar enquanto a portuguesa varria a calçada, cuidava de Daniel e até se divertia quando assistia desenho com ele. Mesmo quando Adroaldo reclamava de tudo, ela o compreendia. Afinal, eram dez anos de casamento, dez anos que formou sua família. E nesse momento, sentiu que tudo escorria pelos seus dedos como aconteceu há mais de vinte e cinco anos...
Mônica, não vai querer ter uma crise de consciência justo nessa hora! Sabe muito bem porque está agindo assim. Vamos lá, diga se estou errado! Você viveu uma mentira durante sua vida inteira! Agora me vem com essa que compreendia seu marido... Mentira! Você pode ter gostado dele, mas depois que os meninos nasceram, a relação de vocês esfriou. Quantas vezes por mês vocês tem uma noite intensa de amor? Conta nos dedos, com certeza não chega a uma noite! Gosta de assistir desenho com seu filho... Confessa! O desenho era a babá que nunca teve para seus filhos, a tal babá eletrônica! Só assim ele te deixava em paz, sossegada. E se não me engano, você sempre desprezou seus vizinhos. Nunca gostou desse bairro, sempre achou o Barreto um lugar de pobres. Quer se livrar disso tudo, mas se não lutar pelo que quer, não vai conseguir mudar nada! Por isso precisa desse prêmio. É a única forma de se ver livre disso tudo! E apagar o passado!)
A enxaqueca chegou de vez. Mônica sentiu tonteiras, seu estômago revirou como um embrulho, e vomitou no chão do quarto todo jantar. Seus olhos lacrimejaram, e ela respirou fundo. O ar tinha um cheiro podre, nauseabundo.
- Estou com medo...
(Medo vai ficar depois que perder seu prêmio.)
- E se ela estiver viva... não sei se vou conseguir...
(Vai lá e confere, porra! Isso não é hora de covardia! Você é uma vencedora! E os vencedores não tem medo!)
Mônica saiu do quarto de hóspedes. Seus joelhos tremiam enquanto ia para o quarto principal. Quando segurou a maçaneta, fez uma pausa. A dor de cabeça era lancinante. Um fio de sangue escorreu pelas narinas.  Automaticamente, passou as costas da mão no nariz. Abriu a porta e entrou.
Ali dentro o calor era maior que de manhã. O quarto estava envolvido pela escuridão. Ela tateou a parede em busca do interruptor, quando achou, acendeu a luz. E o que viu sob a luz fria, foi algo que nunca mais esqueceria.
Guiomar continuava no mesmo lugar, deitada com as mãos nas costas e os pés amarrados com as tiras de lençol que ela rasgara; um pedaço de pano embolado enfiado na boca com outra tira amarrando em volta. Guiomar estava imóvel. De onde estava, ao lado da penteadeira, Mônica fixou os olhos na portuguesa procurando ver se ela respirava. A dor que sentia na cabeça, como uma faca rasgando seus miolos, dificultavam sua visualização. Precisava se aproximar para confirmar. Deu três passos e ficou de pé, olhando de cima para o corpo deitado. Viu ao lado do joelho direito de Guiomar um círculo marrom, como sangue seco sobre o tapete. Pôs a sola do seu sapato mocassim sobre o corpo da portuguesa e sacudiu-a até que virou o corpo para o lado.
Mônica quase gritou. A sua dor de cabeça se espalhou para a nuca. Vários pontinhos pretos dançavam alegremente diante dela. 
Guiomar tinha os olhos esbugalhados, mas opacos. Mas a olhava e a acusava.

Continua...

No próximo capítulo: E agora? Ainda na calada da madrugada, Mônica continua fazendo suas obrigações.

Rogerio de C. Ribeiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário