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segunda-feira, 30 de junho de 2014

O PRÊMIO CAPÍTULO 18

No capítulo anterior: O limite da paciência começou a se esgotar. Mônica se abaixou para pegar as alças da sacola abarrotada de pacotes de figurinhas, quando escutou:
- Mas de tardinha fiquei sentada na minha cadeirinha na calçada em frente da minha casa.
- Dona Amélia, tá ameaçando um toró e...
- E sabe o que eu não vi? - Foi impressão sua ou vislumbrou os olhinhos da velha brilhando?
- O que a senhora não viu, dona Amélia?
- Guiomar. - A dentadura voltou para o seu lugar.


Capítulo 18

Mônica fingiu que não tinha entendido. Se a velha é esperta, eu também sou, pensou.
- Hã... E daí?
- Você não acha estranho? - Dona Amélia inclinou a cabeça para o lado direito, outro cacoete que tinha.
- Eu não acho nada estranho - respondeu Mônica, secamente.
Dona Amélia torceu sua boca para baixo, e voltou com a mastigação da dentadura.
- O que estou estranhando, é que nos vinte e tantos anos que conheço Guiomar, ela vem com sua vassoura para tirar as folhas da calçadas. É um ritual que ela segue de domingo a domingo, mesmo debaixo de sol ou de chuva...
- Dona Amélia, não sei do que a senhora tá dizendo. A senhora conhece a mim e a Adroaldo, não somos o tipo de vizinhos que ficamos vendo os passos que os outros dão ou fazem...
- Mas eu não estou fazendo nenhuma fofoca! - Quando ela disse a última palavra, quase cuspiu a dentadura para fora. - É que Guiomar, mesmo doente, sempre arruma uns minutos para varrer as folhas. É uma mania que ela tem...
- Vai ver que ela saiu, foi na cidade resolver alguma coisa, sei lá. Pode ter ido na casa de um parente.
- Ela nunca vai em casa de parentes, e nem eles vem para cá para vê-la.
"Isso é bom", pensou Mônica.
- Era sobre isso que eu ia te perguntar, Mônica. Na hora que saiu, não viu Guiomar na casa dela?
- Na casa dela?
- É, lá - a dentadura subia e descia, e o pescoço continuava deitado de lado.
- E o que eu ia fazer na casa dela?
Dona Amélia balançou os ombros.
- Sei lá... é que ontem você entrou lá.
- Entrei com ela, dona Amélia.
- Eu sei, eu vi... O que houve com ela ontem?
- Acho que eram os joelhos... estavam doendo...
Agora foi por pouco que a dentadura não escapou e escorregou pelos lábios; automaticamente dona Amélia empurrou-a com o dedo indicador.
- Sinto muita pena dela... aquilo deve doer à beça. Graças a Deus que não tenho nada de ruim nas articulações...
- Bem, dona Amélia, quem sabe a dona Guiomar pode ter ido ao médico para ver os joelhos. Não somos obrigados em saber o que nossos vizinhos fazem ou deixam de fazer. Por mais que a senhora seja vigilante, sempre existe um detalhezinho que pode escapulir da sua vista. Agora preciso ir mesmo. Tchau dona Amélia.
Mônica levantou a sacola, mas com o peso, a parte de cima virou e alguns pacotes de figurinhas caíram na calçada.
- Droga - reclamou Mônica.
Dona Amélia foi mais rápida. Contrariando sua idade, abaixou-se lépida e pegou os pacotes em uma tacada só. Deveria ter quinze ou vinte pacotes na sua mão. Curiosa, leu o verso:
- Cromos ilustrativos do corpo humano! Há quanto tempo que não vejo um desses!
- Comprei para os meninos - disse Mônica, tentando pegar os pacotinhos da mão da vizinha. Mas dona Amélia protegeu as mãos virando para o lado e continuou lendo:
- Em cada pacote vem três cromos... na época que meus filhos eram crianças, o nome era figurinha e precisava de cola para botar no álbum... Osmarino, meu falecido marido - que Deus o guarde bem - sempre disse que esse negócio de álbum de figurinha era o melhor modo de jogar dinheiro fora.
- Adroaldo fala a mesma coisa. Mas sempre compra. Os meninos adoram - mentiu Mônica.
- Esse álbum é novo? É do corpo humano... interessante... vou comprar pro meu neto, Gustavo... é o que tem 8 anos, quando vem me visitar, brinca com seus filhos. Ele vai gostar.
(Viu só, Mônica, fica aí perdendo seu tempo com essa esclerosada... vai acabar sendo mais uma concorrente para faturar o prêmio...)
- Não! - Mônica gritou. - O seu neto não vai gostar... esse álbum é muito erudito pra idade dele... Crianças com essa idade gostam de futebol, heróis em quadrinhos...
- Ora essa! Seus filhos não gostam? Qual é a diferença deles para o meu neto? Além do mais, podem trocar as figurinhas... Os meninos sempre gostaram disso!
"Tenho mais de 600 figurinhas repetidas, vamos ver se vão trocar todas", pensou Mônica, aproveitando para pegar os pacotinhos da mão de dona Amélia.
Jogou-as na sacola e a pôs no ombro. Quando se afastava, ainda ouviu dona Amélia dizendo:
- Se ver Guiomar, diz a ela que estimo as melhoras...
"Vou ver sim, mas não agora..."
Atravessou a rua em passos rápidos, abriu o portão e deixou-o aberto; pegou as chaves e abriu a porta. Entrou e viu Mateus rabiscando uma revista velha.
- Cadê Felipe? - Perguntou Mônica, ajeitando a alça da sacola pesada no seu ombro.
Mateus sacudiu os ombros e continuou com suas obras de artes na revista; Mônica passou por ele e entrou na cozinha. Largou a sacola em cima da mesa e foi beber água. Quando deixou o copo em cima da pia viu uma sombra na área de serviços.
Correu para lá e viu Felipe sentado ao lado da máquina de lavar com as pernas cruzadas e mexendo em várias figurinhas dentro do saco plástico que ela esquecera na noite anterior.
- O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AÍ????? - Mônica gritou, paralisada com que viu.
Felipe pulou com o susto que levou e várias figurinhas que tinha nas mãos se espalharam pelo chão. Aterrorizado, viu sua mãe parada ao lado da porta da cozinha.

Continua...

No próximo capítulo: Mônica pegou Felipe no flagrante, e precisa pensar rápido. O que ela fará?

Rogerio de C. Ribeiro

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