Urrando como uma fera, Mônica puxou Felipe contra si, envolvendo seu braço pela garganta do menino.
Adroaldo estava de joelhos, segurando o braço ferido que ardia como ferro em brasas.
- Deixa ele ir, Mônica...
Apertando mais ainda a chave de braço no menino, Mônica ergueu a faca.
- Ir pra onde? Tempo esgotado!
ÚLTIMO CAPÍTULO
Adroaldo esqueceu que seu braço ferido ardia como se estivesse em chamas e observou que o álbum estava ali entre Mônica e
Felipe. Sem tempo para planejar qualquer coisa, agiu impulsivamente. Aproveitou que a ponta da
faca estava virada para o teto e saltou em cima dos dois. Os três caíram ruidosamente no chão
e Mônica bateu a cabeça no pé da mesa. Ela afrouxou o braço que
estrangulava o menino e Felipe rolou para o lado. Adroaldo agarrou o punho de
Mônica que segurava a faca e gritou:
-
Felipe! Pega o álbum!
Os
olhos de Mônica arregalaram:
-
NÃO! MEU PRÊMIO, NÃO!!!!!
Como
todo menino ativo, Felipe arrancou o álbum do braço da sua mãe e correu para o
corredor. Como um animal ensandecido, Mônica enfiou os dedos da mão livre e
arranhou o rosto de Adroaldo.
-
DEVOLVA O MEU ÁLBUM! - Ela berrava.
Adroaldo
se impressionou com a força que vinha do pulso magro da mulher. A faca foi sendo
virada na direção do seu rosto lanhado.
-
Fica calma, Mônica! Eu quero te ajudar! - Adroaldo gritou.
Uma
baba vermelha e viscosa escorria pelo queixo dela. A sala se transformou em um cenário digno de filme
de terror. Aconteceu uma transformação naquele rosto sujo de sangue. Os cabelos
oleosos grudavam na testa, e dos olhos vinham uma expressão de ódio.
Ela
disse com sua voz normal:
-
Não me atrapalhe mais, Adroaldo, sempre...
E
agora ela rugiu com uma voz rouca:
-
VOCÊS SEMPRE ME DESPREZARAM! MÃE, NÃO TIVE CULPA DO CARA TER TE LARGADO...
Voz
normal:
-
Não quero mais ser rejeitada... preciso que as pessoas saibam que posso ser
feliz...
-
DESGRAÇADO! VOU ACABAR COM VOCÊS! DEVOLVAM MEU PRÊMIO!!!!
Adroaldo
estava surpreso. Alguma coisa aconteceu com ela naqueles últimos dias. Parecia possuída por alguma entidade. Ou talvez
ela sempre fosse assim. Pelo que falava agora, dava a impressão que o álbum libertou um
lado escuro que ela mantinha escondido, em segredo, desencadeando todo horror.
Mônica
tentou a todo custo libertar seu punho da mão do marido. Ela mirou no braço
ferido dele, dobrou a cabeça para o lado e mordeu-o.
Adroaldo
gritou e afrouxou a mão. Se levantou e segurou o braço que jorrava sangue. Um
pedaço de carne pairava nos lábios dela.
Agora
se afastou um pouco. Felipe, paralisado atrás dele, ainda segurava o álbum.
Mônica ficou de pé e apontou a faca. Rosnou:
-
SEJA BONZINHO E ME PASSE O ÁLBUM, FELIPE... PROMETO QUE NÃO VOU... - Ela
sorriu. Cuspiu o naco da carne e terminou: - PROMETO QUE NÃO VOU FAZER NADA...
QUE TE FAÇA SOFRER!
O
menino, apavorado, continuava imóvel. Adroaldo ouviu vozes na rua. Deu uma
espiada para a janela aberta e viu os vizinhos na frente do seu portão. Entre
eles, Dona Amélia liderando os curiosos:
-
Socorro! Chame a polícia! - Adroaldo gritou.
-
NÃOOOOOOOOOOOOOOO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Ela
ameaçou dar um passo e Adroaldo teve uma ideia:
-
Felipe! Rasgue esse álbum!
Mônica
parou.
-
NEM TENTE FAZER ISSO, PIVETE!
Felipe
parecia em estado de choque. Adroaldo viu Mateus saindo do quarto e
berrou:
- Volta pro quarto e tranque a porta, Mateus!
Quando
ouviu o nome do irmão, Felipe acordou do transe. Viu sua mãe andando na direção
deles e gritou:
-
Não, manhê!
Abriu
o álbum pelo meio e rasgou-o de cima para baixo. Horrorizada, Mônica largou a
faca:
-
Não... meu prêmio...
Ela
viu que o álbum sangrava. O sangue jorrava e manchava as mãos do menino, que
picava as páginas.
-
Você está machucando... ferindo ele...
"Acabou. Teve sua chance e
perdeu."
Consternada,
viu as páginas reduzidas a tiras de papel rasgados. Pedaços de figurinhas foram espalhadas pelo
chão, envolvidas em uma poça de sangue.
-
Não estão vendo... O álbum está sofrendo... O sangue...
Nem
Adroaldo e Felipe viram qualquer sangue. Só tiras rasgadas de um álbum de
figurinhas. Mônica caiu de joelhos e pôs as mãos na cabeça. A dor de cabeça era
voraz. Viu um pedaço da figurinha do crânio humano nos pés do menino.
Na
hora que a multidão de vizinhos entraram na casa, Mônica caiu desacordada.
Dois
dias depois do incidente, Guiomar estava tendo uma melhora considerável. Ela contou
para a polícia que fingiu que tinha morrido quando a maluca esteve na sua casa
de noite. Agora tinha a perna engessada e recebeu a visita de Amélia, que
como sempre, contou em detalhes do barraco que aconteceu na casa da doida de
pedra.
Na
rua, o assunto era só esse. Nunca a rua teve tanta movimentação como agora.
Adroaldo
cuidou do braço ferido e precisou levar injeção de antitetânica. Seus
filhos foram para a casa dos seus pais. Sabia que ia demorar bastante tempo para que
Felipe se esquecesse daquilo. Se conseguisse...
Mônica
estava internada no hospital. Foi feito exames e constataram que ela tinha um
tumor no cérebro. O médico disse que isso explicava as atitudes dela.
-
E tem chances... - perguntou Adroaldo.
-
Infelizmente não - respondeu o médico. - O tumor se alastrou. Agora é só
esperar. Em questão de dias, ela...
Adroaldo
pediu para vê-la. A mulher na cama não lembrava em nada com a moça que
se casou. O câncer a consumiu rapidamente. Ela estava em coma induzido, e
dificilmente responderia pelo assassinato do jornaleiro.
Ele
deixou-a a sós.
Mônica caminhava por
uma rua colorida e as pessoas à sua volta a cumprimentavam. Não conhecia aquele lugar, mas sabia que estava longe daquelas pessoas que a fazia infeliz. Nada da sua mãe, Adroaldo, vizinhos intrometidos. Agora príncipes a cortejavam.
As mulheres a admiravam e a imitavam, como modelo de vida. A sensação de liberdade inundava seu peito. Ela recebeu seu prêmio. E agora era feliz.
FIM
Rogerio
de C. Ribeiro
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