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quarta-feira, 23 de julho de 2014

O PRÊMIO CAPÍTULO 33

No capítulo anterior: "Por isso, quando vi o álbum e o prêmio, vi que ia mudar minha vida.. Quis apagar meu passado, mas ela voltou...
"Só que hoje vou apagar novamente, e dessa vez, com meu prêmio, nunca mais terei o passado na minha vida!"
(Assim que se fala, Mônica. Tem que se lembrar da Guiomar... daqui a pouco ela acorda e se você demorar...)
- Não vou demorar - disse ela, ainda colando as figurinhas no álbum.

Capítulo 33

Eram sete e meia da manhã quando Mônica terminou de colar as figurinhas. À sua volta, estavam espalhados pela mesa e jogados no chão, centenas de pacotes rasgados e figurinhas repetidas.
Mônica apreciou o álbum sobre a mesa. Estava aberto pelo meio e as páginas pulsavam, subiam e desciam lentamente, o som do batimento cardíaco aumentando...
Ela passou os dedos pelas figurinhas. Nas pontas dos dedos, chegava uma corrente que dava pequenos choques; Mônica riu, insanamente.
A dor de cabeça voltou, e a hemorragia nasal também. Mas ela estava tão hipnotizada pelo álbum completo, que nem se deu conta.
Pegou o álbum e foi para a sala. Parou ao lado do sofá. Agarrava o álbum contra o peito. Acariciava a capa como se fizesse carinho em um amante. Finalmente, acabou!
Ela sabia que aquele álbum tinha vida própria. O coração pulsava forte, as correntes sanguíneas corriam velozmente. E o crânio dizia:
(Chegou a hora, Mônica. Agora é só esperar pelo seu prêmio.)
Mal acreditava nisso. Depois de tudo que passou, ia ter sua recompensa. A felicidade que sentia era tanta que ofuscou aquela dor latejante da enxaqueca. E o sangue não parava de escorrer das suas narinas.
Bateram na porta da sala. Desconfiada, dobrou o álbum e o protegeu com os braços. Quem podia ser naquela hora da manhã?
As batidas na porta eram insistentes. Se continuasse assim, ia acordar Adroaldo e as crianças. Relutante, caminhou e abriu a porta. Sempre com o álbum nos seus braços.
Era a última pessoa que imaginou ver nessa manhã. Na sua frente, Jorge, o jornaleiro, disse:
- Bom dia, dona Mônica. A senhora me desculpe, mas seu Giuseppe está lá na banca me cobrando os cem reais...
- Hã... e daí?
- Daí que a senhora me deve esse dinheiro!
Mônica não sabia se fechava a porta na cara dele ou lhe dava um pontapé. Mas não seria uma boa ideia; era provável que aquele sujeitinho berrasse para a vizinhança que ela comprou figurinhas e não pagou.
Jorge notou o álbum nos braços dela e comentou:
- Dinheiro dos pacotinhos que fiz fiado!
(Ele vai roubar o álbum... Já que não vai pagar mesmo, vai tomar teu álbum e reivindicar o prêmio...)
"Não vai mesmo!", pensou Mônica. Ela sorriu, e Jorge viu os dentes dela vermelhos de sangue.
- Vamos, entre... vou perguntar pro Adroaldo se tem algum trocado...
Jorge pensou duas vezes. Dona Mônica parecia um zumbi na sua frente. Pálida, o nariz vermelho e os dentes manchados de sangue seco.
- Não sei... seu Giuseppe está me aguardando... ele tem outras bancas para olhar...
- Não quer seu dinheiro, Jorge? Posso te chamar de Jorginho?
Agora mesmo que ele não entendia mais nada. Ela sempre foi seca com ele, nunca foi de muito papo...
- É, se a senhora quiser, fique à vontade - Jorge queria fugir dali, mas seu patrão ia cobra-lo. Se ele tivesse aquele dinheiro sobrando, pagava logo e esquecia essa mulher. Parecia que estava doida!
Mas Jorge também não podia sair dali com as mãos vazias. Seu Giuseppe foi bem claro: Se não acertar hoje, rua!
E não estava nos seus planos ficar desempregado agora. Não com sua mulher grávida de sete meses... Se fosse demitido, perdia seu plano de saúde, e sua mulher não ia gostar nem um pouco de ter o filho em uma maternidade pública.
Mônica olhou por cima dos ombros daquele subordinado escroto se via alguém passando na rua. Nenhuma alma viva . Ótimo, pensou ela.
Mônica abriu a porta mais ainda e convidou-o para entrar.
- Vem, vamos lá para a cozinha... acabei de passar um cafezinho... Enquanto isso, vou falar com Adroaldo.
O que intrigava mais a Jorge era aquele álbum dobrado, imprensado contra o peito magro dela, como se ela estivesse acalentando como um bebê.
Mesmo a contragosto, Jorge entrou. Mônica fechou a porta e girou a chave duas vezes. A enxaqueca que assolava sua cabeça fazia que visse pontinhos pretos dançando na sua frente.
- Vem, vamos para a cozinha...
Ela o conduziu até lá. Jorge se acomodou na cadeira enquanto Mônica pegava a garrafa térmica de cima da pia.
- Um café fresquinho para Jorginho!- cantarolou ela.
Jorge pegou um copo cheio de café que Mônica ofereceu, e mais uma vez, ficou impressionado com a aparência dela. Até dez dias atrás, dona Mônica era do tipo comum, mas gostosa. Agora parecia um cadáver ambulante! E aquele sangue seco nos dentes? Seria gengivite? Aquela pobre mulher estava muito doente, mas muito mesmo!!!!
Mônica puxou uma cadeira e sentou-se ao lado dele. Ainda agarrada com o álbum dobrado contra o peito, ela disse, sedutora:
- Então, Jorginho... alguma vez se imaginou aqui na minha cozinha, nós dois sozinhos...
Ele não respondeu. Se arrependeu de ter aceitado o café.
- Ah!!!! Não faça essa carinha de inocente, de menino tímido... Bobinho! Eu sei das suas olhadas na minha bunda quando ia comprar jornal... Cada olhada gulosa... acha que fiquei zangada? Que nada! No fundo gosto... adoro quando os homens me desejam... Quando deixo eles tarados, querendo me comer...
- Dona Mônica... - cortou Jorge, constrangido. - O dinheiro! Preciso daqueles cem reais...
Mônica riu e deu um tapa na testa.
- É mesmo... o dinheiro, né? Só quer o dinheiro? Mais nada? Tem certeza?
(Na hora que der as costas, o cara vai tomar teu álbum na marra e dar no pé.)
- Acha que não sei disso? - disse ela para a voz. Jorge não entendeu nada.
- Senhora, se eu demorar muito, seu Giuseppe vai perder a paciência comigo...
Mônica ficou de pé. Agora não sorria mais.
- Isso foi uma desculpa esfarrapada...mas tudo bem, você tentou. Mas sou mais esperta...
- Do que a senhora está falando?
Mônica se afastou e ficou de costas para o jornaleiro. Em cima da pia havia um faqueiro com cinco facas diferentes. Ela pegou uma pequena e colocou-a entre o álbum dobrado. Virou-se de novo e viu que Jorge continuava sentado.
- Todo mundo quer o prêmio, mas só uma pessoa vai ser premiada. Que no caso, sou eu! - Enquanto ela falava, contornou a mesa. - O prêmio é a salvação da minha vida... Não sei se já te contei, mas minha infância foi uma merda. Em todos sentidos. Quando me casei, quis esquecer de tudo. E sabe que por um tempo esqueci mesmo... mas a ironia é que tudo se repete, não? Às vezes Deus diz para sermos felizes, e no momento que fica mau-humorado, resolve destruir tudo...
Absolutamente, Jorge não entendia bulhufas que ela dizia. Esvaziou o café e disse:
- Bem, dona Mônica, não posso demorar, mas depois venho e converso com seu marido...
Mônica aproveitou o instante que Jorge deu as costas para ela para pegar a faca do álbum.
Jorge nem sentiu a pontada na nuca. Mônica enterrou a lâmina amolada no pescoço dele. Sangue espirrou feito jato, encharcou Mônica e a porta da cozinha.
Jorge caiu de lado da cadeira e tombou no chão. O cabo preto da faca continuava na sua nuca.
(Isso aí! Vamos tirar do caminho quem quer te atrapalhar!)
O rosto de Mônica era uma máscara da morte. Olhou o jornaleiro morto, emborcado no chão da cozinha e não sentiu um pingo de remorso.
O que ela sentiu foi a necessidade de acabar logo com tudo e receber seu prêmio, só isso...
- Que barulho todo é esse aí?
Era Adroaldo, na sala.
Agilmente, ela correu para a pia e pegou outra faca, essa um pouco maior que a outra. Escondeu dentro do álbum.
Suspirou e disse para si mesma:
- Vamos acabar com tudo isso...
Ela saiu da cozinha e foi para a sala. Adroaldo, de pijamas, quando a viu, gritou:
- O que aconteceu com você? Que sangueira é essa?
Mônica sorriu. Seu rosto era uma máscara vermelha, e só se viam os olhos e os dentes encardidos.
- Isso, Adroaldo? O início do meu prêmio!

Continua...

No próximo capítulo: Não perca o penúltimo capítulo de O Prêmio!

Rogerio de C. Ribeiro

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