No capítulo anterior: A portuguesa segurou os braços de Mônica, tentando desesperadamente tirar aquelas mãos geladas do seu pescoço. Ela arregalou os olhos e os lábios se moviam freneticamente, mas não saiu nenhum fiapo de voz.
- Cospe logo! Fala onde esconde sua fortuna, senão quebro teu pescoço e eu mesma vou procurar!
O rosto de Guiomar tomou uma forma púrpura, e ela, em ato de desespero, enfiou suas unhas e arranhou o rosto de Mônica.
Capítulo 14
Com
um grito de raiva, Mônica soltou suas mãos do pescoço da portuguesa e esfregou
o arranhão embaixo do seu olho direito. Uma risco vermelho, salpicado de
sangue, ficou naquela face anêmica.
-
Sua puta velha! - Mônica disse, babando de ódio.
Guiomar
bateu com o seu cotovelo nas costelas de Mônica, que dobrou-se de dor. A
portuguesa tentou se levantar, porém Mônica se recompôs, e a empurrou novamente
para a cama.
-
Desgraçada...
-
Socorro... - o fiapo de voz de Guiomar saiu baixa e rouca.
-
Não adianta pedir socorro, velha safada. Vamos ver se agora não vai me contar
onde esconde seu dinheiro!
Mônica
levantou-se da cama deixando Guiomar ainda deitada, e caminhou até uma
penteadeira em frente; abriu todas gavetas e foi espalhou pelo chão tudo que
encontrou. Da cama, Guiomar massageava seu pescoço inchado. Mônica virou-se
para ela, a expressão que transmitia no rosto era demoníaco, e ameaçou:
-
Isso no pescoço não é nada em comparação do que vou fazer se não me disser onde
guarda sua fortuna! - Mônica tinha os lábios retorcidos e sua aparência era
grotesca com os cabelos oleosos colados na testa. - Por quê fica guardando
tanta porcaria nessas gavetas? - Pegou um punhado de calcinhas e disparou todas
na direção da cama. - Que merda!!!!
O
tempo voava e daqui a pouco Felipe e Mateus chegariam do colégio. Uma parte
dela avisou que ainda tinha que preparar o almoço deles. Mas não contava com a
teimosia da velha! Achou que as coisas iam correr com mais facilidade...
(Para
atingir seu objetivo, vai ter que superar os obstáculos. Nada na vida é
fácil... Use sua pouca inteligência para reverter uma situação difícil em
facilidades!)
Seus
olhos giravam das órbitas como se buscasse alguma coisa. Um fio transparente de
saliva escorria no canto dos seus lábios. De repente fixou o olhar em algo.
Achou o que queria.
Sobre
a penteadeira, haviam vidros de perfumes e alguns objetos de enfeite. Entre os
objetos, viu um peso de papéis de cor dourada em cima de algumas contas, e
pegou-a. Voltou para a cama, agarrando o objeto pesado. Arrancou o cobertor que
ainda cobria Guiomar e jogou-o para trás. Os olhos brilharam quando viu os
joelhos inchados da artrose e comentou, com um leve tique nervoso no canto dos
lábios:
-
Primeiro bato no direito. Se continuar com sua teimosia, depois arrebento o
esquerdo também!
Guiomar
guinchou:
-
Mônica!!! Não tem nada aqui ... Pelo amor de Deus, não faça isso... Meu Deus...
-
E aí, estou esperando - disse Mônica, enquanto jogava o peso para o alto.
-
Isso é loucura, Mônica! O que tá havendo com você?
-
Vai saber - Mônica sentou-se na beira da cama.
Mônica
ergueu a mão que agarrava o peso de papéis e desceu com força sobre o joelho
direito de Guiomar. Quando o peso atingiu a perna inchada, fez-se um som de
algo quebrando; Guiomar arregalou os olhos e tentou gritar, mas mais uma vez
não conseguiu emitir nenhum som. A pele do joelho abriu-se como uma fenda e uma
mistura de sangue com pus escorreu pelo lado perna, manchando o lençol branco.
Mônica viu um pedaço de osso rasgando a pele.
Guiomar
desmaiou. Mônica não contava com isso. Largou o peso de papéis ensanguentado em
cima da penteadeira e saiu do quarto. Precisava respirar ar puro, sair daquele
ambiente fechado e abafado, que fedia a urina e sangue.
Foi
ao banheiro e se olhou no espelho. O arranhão embaixo do olho inchara, e havia
alguns pontinhos de sangue coagulado. Girou a torneira e molhou o rosto com
bastante água gelada. Depois apoiou as duas mãos na pia e mirou o espelho
novamente. A água fria deu uma aliviada na ardência que sentia, mas ela não
reconhecia mais aquele rosto do espelho. Por algum motivo, sua boca continuava
torta, e o olho esquerdo desandou a piscar freneticamente.
-
Tudo culpa da velha. Se ainda colaborasse, nada disso ia acontecer...
(Acreditou
mesmo que ela ia entregar o dinheiro de bandeja para você? Só porque você é a
vizinha que nunca se intrometeu com a vida dela? Ah, Mônica, quando penso que
ficou esperta, ainda me mostra que continua tão burra como antes! Ela tem
dinheiro escondido. Adroaldo disse isso pra você... Ou ele se enganou?
-
Eu não sei mais nada - disse Mônica, ainda contemplando o rosto de uma
estranha, no outro lado do espelho.
(Ai,
ai, ai... Não comece agora com esse negócio de crise na consciência. Agora é
tarde, minha querida. O caldo entornou.)
-
Se ela não me disser onde guardou o dinheiro...
(
Se ela não disser, foda-se. Você procura. Só que antes tem que dar um jeito
nela. Senão, quem vai se foder nessa história toda vai ser você.)
-
Não sei se consigo - disse ela para a mulher do espelho. Os braços que apoiavam
na pia do banheiro tremiam descontrolados.
(Consegue...
Já estourou o joelho dela... E quando fez, não teve nenhuma crise de
consciência.)
A
voz que retumbava dentro dela como eco, estava coberta de razão. Mônica
respirou fundo, soprou o ar, e disse:
-
Vou terminar logo... Daqui a pouco os meninos chegam e vão estranhar minha
ausência.
(Por
isso que gosto de você, minha princesa. Como sempre agindo como uma mãe
dedicada e zelosa para sua família.)
Mônica
ignorou o sarcasmo da voz, deu as costas para o espelho e saiu do banheiro. Se
alguém a visse agora, andando com os ombros caídos, curvada, iam se assustar
com aquela aparência medonha. Mônica ajeitou os fios de cabelos grudados da
testa e entrou na cozinha. Na pia encontrou um faqueiro com vários tipos de
facas; pegou a maior e saiu arrastando a sapatilha pelo sinteco segurando um
facão que balançava ao lado de sua perna.
Voltou
para o quarto e Guiomar continuava desmaiada. Largou o facão em cima do colchão
da cama e depois agarrou a portuguesa pelos flancos e jogou-a no chão. Guiomar
caiu como um pacote flácido, e ficou estirada de costas. Sua perna direita era
uma massa torta e disforme, e Mônica preferiu não olhar
a sangueira para prosseguir com o planejado.
Enfiou
o facão no colchão até o cabo, e foi rasgando-o. Espumas brotaram dentro dele.
Ela foi riscando, rasgando, catava as espumas e jogava-os para os lados. Todo
seu corpo doía com o esforço, aliado ao calor, que era sufocante.
Enxugou
a testa encharcada de suor com a costa da sua mão livre, e disse para si mesma:
-
Para mim estava no colchão!
Mônica
estava ajoelhada em cima do colchão dilacerado, com pequenos flocos amarelos de
espumas grudados pelo seu corpo magro, quando ouviu o som rouco vindo do chão
atrás dela. Ela virou-se para trás e viu Guiomar acordada, se rastejando pelo
tapete com os cotovelos, indo para a porta aberta do quarto.
-
Ah, não vai fazer isso, não, velha escrota!
Agilmente,
deu um salto do colchão esfarrapado e caiu com seus joelhos nas costas de
Guiomar. Teve a impressão que ouviu um barulho de ossos se deslocando dos
braços da portuguesa. Os cotovelos que apoiavam o tapete giraram pelos lados, e
Guiomar bateu com o rosto no chão. Mônica agarrou e puxou os cabelos crespos da
portuguesa, levantou o rosto e com a outra mão que segurava o facão, encostou a
ponta entre os olhos dela:
Mônica
perdeu a paciência. Gritou:
-
Fala logo onde está a porra do dinheiro!
Continua...
No próximo episódio: Será que Guiomar fala?
Rogerio de C. Ribeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário