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terça-feira, 17 de junho de 2014

NOTÍCIA DE ÚLTIMA HORA

Deu na primeira página no jornal O Povo:

MULHER GRÁVIDA DE SETE MESES FOI ATROPELADA EM FRENTE DA CENTRAL DO BRASIL POR UM CAMBURÃO EM ALTA VELOCIDADE.

Embaixo do título, havia uma resenha:

NORMA GOMES, 29 ANOS, FOI ATROPELADA ONTEM ÀS SETE HORAS DA NOITE POR UMA VIATURA DA POLÍCIA QUE FUROU O SINAL FECHADO E VINHA A MAIS DE CEM QUILÔMETROS PELA PISTA CENTRAL DA AVENIDA PRESIDENTE VARGAS. SEGUNDO PESSOAS QUE PRESENCIARAM A FATALIDADE, NORMA GOMES ATRAVESSOU A PISTA PELA FAIXA DE PEDESTRES ENQUANTO O SINAL PARA ELA ESTAVA VERDE. ELA AINDA ESTAVA NO MEIO DA PISTA QUANDO UMA VIATURA DA POLÍCIA SURGIU COM A SIRENE E OS FARÓIS APAGADOS, IGNORANDO O SINAL FECHADO PARA OS CARROS, E ATINGIU NORMA EM CHEIO, A LANÇANDO A TRÊS METROS. NORMA GOMES ESTAVA GRÁVIDA DE SETE MESES. QUANDO A AMBULÂNCIA DOS BOMBEIROS CHEGOU, ELA NÃO RESISTIU AOS FERIMENTOS E MORREU NO LOCAL . MAIS DETALHES NA PÁGINA 5.

O Jornal O Globo também deu a notícia:

GRÁVIDA É ATROPELADA NA PRESIDENTE VARGAS
Norma Gomes, 32 anos, grávida de sete meses, foi atropelada por uma viatura da polícia militar ontem às sete e meia da noite. Segundo testemunhas, ela atravessava em direção da Central do Brasil quando o sinal fechou para ela na terceira pista, e uma viatura atingiu-a em cheio. O Sargento Hilton e o cabo Jeílson foram socorrê-la, mas apesar de todo socorro, era tarde demais.

O Jornal Extra disse o seguinte:

FATALIDADE EM FRENTE DA CENTRAL DO BRASIL
Mulher grávida de oito meses foi atropelada por uma viatura em frente a Central do Brasil. Com a força do impacto, foi arremessada a dez metros adiante e sofreu múltiplas fraturas e escoriações, e morreu na hora. Enquanto os policiais prestavam atendimento, seus pertences sumiram. Não sabemos informar se foi a polícia que guardou a bolsa da desconhecida ou se alguma pessoa próxima ao local do acidente surrupiou os pertences. Informações sobre a identidade da mulher, com idade presumida de quarenta anos, favor entrar em contato com a delegacia do centro...

Repórteres de várias emissoras entrevistavam algumas testemunhas.
- Eu vi tudo - disse um sujeito moreno com um embrulho embaixo do braço. - Ela tava parada do meu lado esperando o sinal abrir. Quando o sinal fechou para os carros, ainda avisei: Prefiro esperar um segundo pra poder atravessar essa rua com segurança. Mas acho que a moça tava atrasada, porque mal fechou o sinal, ela saiu correndo...
- E ela disse alguma coisa antes de atravessar?
O sujeito do embrulho pensou em alguma coisa, estalou os dedos e disse triunfante:
- Sim... ela falou sim... que não podia esperar, era agora ou nunca!
Outra testemunha, uma mulher de quarenta e poucos anos, moradora de Bangu, comentou com uma repórter:
- O carro da polícia não teve nenhuma culpa. A moça que foi apressada!
- Outras pessoas disseram que Norma atravessava na faixa de pedestres...
- Que faixa de pedestres o quê! Ela tava atravessando no meio dos carros, se desviando deles! Só que pra azar dela o "cambura" perseguia um carro suspeito, aí aconteceu a traulitada. Uma tremenda irresponsável, isso sim!
Já dois rapazes contaram outra versão:
- Olha, até comentei com Patrick na hora que vi a mocinha sendo atropelada: tadinha, não merecia morrer daquele jeito...
- Jessé,  você esqueceu que ela corria feito uma desarvorada, mesmo com aquele barrigão todo... - disse Patrick.
- Não esqueci, Patrick, e pare com essa mania horrorosa de ficar se intrometendo enquanto eu estou falando...
- Seu mal, Jessé Eduardo, é que sempre quer ser o centro dos holofotes!
- Patrick, agora não é hora para discutirmos! Não viu que a gente tá ao vivo na televisão?
-  Quando chegarmos em casa, vamos conversar, e...
O repórter disse:
- Assim termino...
Jessé puxou o microfone para si:
- Tem que dizer tudo em detalhes! Qualquer detalhezinho vai ser importante nas investigações!
Patrick arrancou o microfone dele:
- É por isso que brigamos, Jessé, pelos seus detalhezinhos!!!!

Uma Veraneio com o logotipo de uma emissora de tevê estampado nas laterais, estacionou na Rua do Mato Alto, na Baixada Fluminense. Um câmera e uma repórter entraram na casa de Jairo Gomes, marido de Norma Gomes.
Na pequena sala mal iluminada por uma lâmpada de sessenta velas, Jairo estava sentado em um sofá de três lugares com seus cinco filhos ao lado. Jairo exibia um olhar de revolta, e mantinha seus dedos entrelaçados sobre os joelhos. A reportagem seria exibida no programa Domingo Espetacular, e a repórter não mediu as perguntas:
- Sr. Jairo, vocês já tinham escolhido o nome da criança?
A lente em foco no rosto de Jairo. Close naquele rosto magro, com uma singela barbicha flutuando em um queixo pontudo, para os olhos marejados que refletiam indignação e submissão ao mesmo tempo; câmera indo para mostrar as crianças, três meninos e duas meninas com idades entre 9 a 3 anos.
- Ia ser um menino... Já tinha escolhido o nome dele, ia se chamar Wanderson.
- E como vai ficar a sua vida agora, Sr. Jairo?
- Minha vida... Norma era tudo pra nossa família. Boa mãe e uma companheira sensacional. Minha ficha não caiu ainda...  Como nossa vida vai ficar sem ter Norminha no nosso lado. Sabe, estou desempregado, faço algum bico às vezes, mas a comida era Norma que botava aqui dentro. Ela era diarista, e mesmo com sete meses de barriga, nunca foi de negar serviço. Agora mesmo não tenho a menor ideia como vou fazer pra botar comida pros meus filhos. A senhora tá vendo, são cinco bocas nervosas. E  como vou falar com eles da mãe... Eles vão me perguntar e o que vou responder? Que mamãe foi estraçalhada por um camburão da polícia que furou o sinal fechado, e agora mamãe tá junta com a Vó Eufrina no céu? - A câmera focou na única lágrima do homem. - Vó Eufrina era minha mãe,  ela morreu de pneumonia no ano passado...
Corte na cena. Agora só a repórter em frente do barraco de Jairo.
- Presenciamos agora a dor de um homem que perdeu sua esposa, atropelada por um veículo dirigido por um irresponsável. O que serão dos pobres órfãos que não vão ter mais o convívio e a alegria da mãe deles por perto? E a sociedade, o que diz disso?

Jairo, o irmão dele e um advogado dos direitos humanos foram recebidos pelo assessor do Governador do Estado. Com dezenas de câmeras espalhados pela sala do Palácio, e diversos microfones sobre a mesa, o assessor dizia:
- Recebi hoje um comunicado do Governador, que infelizmente não pôde estar aqui presente por causa do congresso em Nova York; ele ordenou que todas medidas serão tomadas para a punição dos responsáveis pelo triste acidente com a senhora Norma Gomes.
- E a pensão que o Governador prometeu ? - Perguntou Jairo.
- Sim, claro - o assessor pegou uma folha e leu, - o Governo está analisando a possibilidade dos seus filhos receberem uma pensão vitalícia...
Jairo pulou da cadeira e gritou:
- Meus filhos???? E eu, como fico?
Flashes de câmeras em cima do viúvo. Microfones, celulares, gravadores em cima do assessor, que suava:
- É... bem... o Governador não mencionou o senhor...
- Vou processar o Estado pelo assassinato da minha mulher!!!!
Tudo foi registrado e passou nos principais jornais do mundo.
Manchetes nos principais jornais diziam:
"JAIRO GOMES ACUSA GOVERNO E A POLÍCIA DO ESTADO: ASSASSINOS DE GRÁVIDAS!"
Produtores dos programas de televisão disputavam a tapa a presença de Jairo para uma entrevista exclusiva. Jairo optou pela emissora líder, e mediante um ótimo cachê, foi entrevistado nos seus principais programas.
No programa noturno ele disse ao apresentador:
-Tenho recebido ameaças da polícia. Ligaram para o meu celular e alguém se fez passar pelo comandante do batalhão, dizendo que se eu não calasse a boca e tirasse as acusações contra o governo, eu ia sofrer com o sumiço dos meus filhos.
- Comandante da polícia? - Espantou-se o apresentador.
- Ele disse que sim - disse Jairo.
"JAIRO GOMES E SUA FAMÍLIA NA PROTEÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL."
Jairo e os filhos precisaram mudar suas identidades, e fontes disseram aos repórteres que investigavam o caso, que eles saíram do País, e só regressariam depois do julgamento e condenação dos policiais envolvidos pelo atropelamento.
Com Jairo fora, a repercussão do caso foi esfriando, e logo outros acontecimentos tornaram-se notícias que atiçavam o interesse do público.
Meses depois, um repórter encontrou o editor do jornal que foi o primeiro que noticiou o caso do atropelamento e perguntou:
- E como tá o caso dos policiais do camburão que atropelou a grávida?
- Eles? Continuam na ativa, na função administrativa...
- E mais nada do julgamento?
- Ninguém fala mais nisso. Os leitores querem novidades, notícias de última hora estampando nas manchetes dos jornais!


Rogerio de C. Ribeiro




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