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quinta-feira, 5 de junho de 2014

O PRÊMIO CAPÍTULO 8

No capítulo anterior: - Droga! - Era Adroaldo. - Procura logo esse álbum pros garotos pararem de encher o meu saco!!!
A resposta dela o surpreendeu:
- Eles que vão procurar - sua voz era firme, decidida. - Tenho um monte de coisa pra fazer. Eles tem que aprender de guardar suas coisas nos lugares certos. - e deu as costas e foi para a cozinha.
E deu resultado. Os meninos ficaram quietos e Adroaldo começou a ir pegar suas cervejas na geladeira. Graças ao prêmio, pela primeira vez na sua vida, Mônica teve uma atitude. E nesse dia não houve mais reclamações.

Capítulo 8


Nessa noite, Adroaldo custou para dormir. Também, com seu dia dedicado à ociosidade, não era de se estranhar. E no escuro do quarto, ele falava, e seu falar significava: reclamar.
Reclamou de tudo, da imobiliária, da falta de chance nos melhores lançamentos, que sempre eram distribuídos para os mesmos corretores de sempre; reclamou das comissões que atrasavam, do custo de vida, do colégio público que Felipe e Mateus estudavam porque (ele acreditava) ensinavam que surrupiar dinheiro na carteira do seu pai era a coisa mais normal do mundo; reclamou dela porque não era tão fogosa como no começo do casamento, e até reclamou do caçula, que Daniel só dava despesas e o preço do leite em pó estava os olhos da cara!
Depois reclamou da política econômica, dos governantes, da violência na cidade, dos engarrafamentos, dos seus parentes, e depois de tantas reclamações, enfim silenciou e roncou. Mônica ainda esperou mais dois roncos e depois que ouviu, levantou-se e fez a mesma peregrinação da noite anterior, caminhando na escuridão até a área de serviços. Pegou a sacola de plástico do armarinho e tirou de dentro os 215 pacotes de figurinhas. Tirou o maço do elástico, e com a adrenalina em polvorosa, rasgava os pacotes e tirava as figurinhas e as juntava em um montinho. Viu no relógio de parede que eram duas horas da madrugada, e tirando o silêncio que só era quebrado pelos roncos de Adroaldo, o resto da casa estava na santa paz. Depois de rasgar os 215 pacotinhos, abriu o álbum e começou a colar os cromos nos devidos lugares. Dessa vez a cada dez ou quinze figurinhas, só uma era inédita. O montinho com figurinhas repetidas iam aumentando, e Mônica tentou imaginar onde ia troca-los. Não podia simplesmente entregar para seus filhos e dizer: "Olhem, a mamãe escondeu o álbum porque sabia que vocês logo iam se enjoar dele, aqui está ele e mais essas trezentas figurinhas repetidas, vão troca-las com seus amiguinhos...". E se Adroaldo estivesse presente nessa conversa, ela também diria: "Benzinho, já que não quis abrir sua mão de vaca para comprar os pacotinhos, fui eu que peguei vinte reais da sua carteira e deixei que os meninos levassem a culpa, e agora estou devendo cento e poucos reais pro Jorge, o jornaleiro, porque você sempre fez de tudo para que minha vida fosse insignificante, que durantes esses anos todos, tudo que faço nessa casa é te servir como escrava, sem ter nenhum direito de me divertir, de viver minha vida como quero..." 
Observou a montanha de figurinhas repetidas e balançou a cabeça. Iria pensar o que faria com elas mais tarde. Agora precisava colar os cromos.
Das 645 figurinhas que vieram nos 215 pacotes, somente 100 eram inéditas. Teve pacote que veio três figurinhas repetidas com o mesmo número para colar. A irritação tomou conta dela, mas respirou fundo quando se lembrou do comercial e de Damiano Lescarter dizendo, de modo enfático:
Por que sei que o meu álbum não vai ser completo por todo mundo. O meu álbum só vai ser completo por uma pessoa. É esse o diferencial do álbum para os que existem por aí. Só uma pessoa vai completar o álbum, porque só haverá uma figurinha especial para isso. E quando o felizardo encontrar essa figurinha carimbada, vai ganhar seu grande prêmio!
Foi a lembrança dessas palavras que acalmou Mônica. Se você almeja o sucesso, então saiba que antes de consegui-lo, muitas pedras terão pelo caminho, e cabe a você se vai continuar pisando nelas e suportar a dor ou esperar que elas saiam dos seus lugares e depois abram um caminho de terra para você seguir. Como a segunda hipótese é impossível de acontecer, então precisa sangrar seus pés até atingir o outro lado do obstáculo, e aí sim, você vai alcançar o tão desejado sucesso.
- Podem vir milhares, centenas de milhares de figurinhas repetidas que não vou me abalar. Vou completar o álbum inteiro e quando eu achar a figurinha carimbada, eu que vou ser a grande vencedora. Eu acredito nisso, e vou ganhar o prêmio!
Enquanto falava consigo mesma, Mônica ia colando os cromos. Conseguiu completar a primeira página, que era o perfil de um crânio humano. Nas outras páginas, ainda faltavam duas, três figurinhas para serem completas. Quando acabou com as figurinhas inéditas, pegou as repetidas e enfiou no saco plástico. Amarrou as pontas e ia levantando do banco quando ouviu uma voz:
(Mônica...)
Apavorada, olhou a cozinha que estava envolvida na escuridão. Seu coração disparou. Adroaldo tinha acordado e agora a procurava. Na mesa da área, o álbum descansava com as páginas abertas. " E agora? Qual desculpa vou dar pro Adroaldo?"
(Ei, Mônica!)
Mônica jogou a sacola de plástico amarrada ao lado da máquina de lavar. O volume dele era protuberante.
- Oi, estou aqui... - disse Mônica para a escuridão do restante da casa. - Vim na cozinha beber água...
(Não quero saber de água nenhuma, Mônica! Olha para mim, merda!)
Mônica estranhou o timbre da voz. Adroaldo acordou rouco?
(Esquece esse imbecil e presta atenção em mim, porra!)
Essa voz não era de Adroaldo. Em dez anos de casamento, mesmo se estivesse estressado ou furioso por alguma razão, ele não falava palavrões. E como para confirmar, ouviu o barulho do ronco dele vindo do quarto.
(Finalmente! Deixa de ser idiota e olha pra mim... Agora!!!!)
Mônica olhou de um lado ao outro, e a única coisa que viu foi o saco plástico abarrotado de cromos repetidos e a máquina de lavar. Baixou os olhos e viu o álbum aberto entre as páginas 18 e 19 quase completas, que representavam os quadros da artéria femoral e do coração humano.
(Isso aí, Mônica, boa menina. Agora olhou para o lugar certo. Volta para a primeira página...)
Estou sonhando, ela pensou apavorada. Suas mãos tremiam e quando voltou uma página, sem querer rasgou a parte inferior do papel.
(Toma cuidado com isso, porra!)
- Es... Estou ficando louca... Parece que a voz tá vindo do álbum!
Nervosa, foi voltando as páginas, agora com mais cuidado. Quando chegou na página 1, era a página completa com as figurinhas com o perfil do crânio humano. Mônica sentia que mal conseguia respirar. Bagos de suor escorriam pelas suas costas e seus cabelos castanhos com alguns fios brancos grudavam na sua cabeça.
A lâmpada de sessenta velas jogava uma luz amarelada sobre o pôster do crânio de perfil. Mônica segurava as laterais da mesa e sem perceber cravou as unhas no tampo de madeira. Sua respiração era ofegante e seus olhos não desgrudavam daquele grupo de figuras, que como um quebra-cabeças, formavam uma nítida foto.
Seus olhos não acreditavam no que estava presenciando. Lentamente, o crânio foi virando para o lado direito. Mônica segurou a respiração e seus olhos pareciam que iam pular das órbitas. O crânio foi se movendo para o lado, a página pulsava a cada movimento, e quando se estabilizou, as figurinhas mostraram um crânio de frente, com todos dentes sorrindo para ela. Das órbitas vazias da caveira, a luz fraca da lâmpada misturava-se com um brilho que emanava dentro dele. As mandíbulas moveram-se num rangido, e o som de dentes chacoalhando um no outro soou no silêncio. O crânio sorriu e Mônica ouviu:
(Finalmente, Mônica, já estava perdendo a paciência com você!)

Continua...

No próximo capítulo: Imaginação ou realidade... Os opostos se confraternizam na cabeça de Mônica.


Rogerio de C. Ribeiro

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