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sexta-feira, 27 de junho de 2014

O PRÊMIO CAPÍTULO 17

No capítulo anterior: Seu coração batia descontrolado dentro do seu peito. Um nó apertou sua garganta.
Fingiu que se mostrava desinteressada, tediosa, enquanto aguardava. E na tela surgiu:
SENHA INCORRETA.
Agora, além do coração dando cambalhotas feito louco dentro dela, eram as pernas bambas. O suor que escorria pelo rosto deixou rastros da maquiagem, mas ela nem sentiu. Respirou fundo, pegou novamente o papel e foi digitando cada número pausadamente...
TEMPO ESGOTADO. - Apareceu na tela.


Capítulo 17

Já não sentia mais o ar condicionado central; o suor escorria pelas costas, mãos, e agora tinha certeza que, de alguma forma, a portuguesa desgraçada conseguiu se soltar das amarras e chamou a polícia. Sua vontade agora era de fugir dali, ir o mais longe possível dos olhos acusadores que as pessoas no banco lançavam, e se esconder em qualquer buraco. O papel que segurava desmanchava-se aos poucos pelo suor. Mônica sentiu-se atordoada, acuada, e nesse momento, só queria era estar em casa, ali se sentia protegida...
(Calma, Mônica, o que tá havendo é que você está muito nervosa! Respira fundo, conte até dez e digite novamente. Essa é sua última chance...)
Mônica fechou os olhos. Sua cabeça era massacrada por uma forte dor aguda que vinha da nuca. Fez o que a voz mandou (Será que a voz da caveira tem nome? É do Damiano? Só podia ser, claro!), respirou fundo e depois contou até dez. Quando abriu os olhos, sua dor de cabeça diminuiu, e ela então enfiou o cartão na máquina, escolheu saque e aguardou. Digitou os números devagar, repetindo a senha em voz baixa, e fixou os olhos na máquina. Na tela, apareceu TECLE AS LETRAS, e ela digitou, agora com seu dedo mais firme, a combinação das letras.  Um instante depois, e veio na tela: VALOR.
Mônica digitou R$ 1.000,00. Ouviu um som de notas se agitando dentro da caixa automática e leu a mensagem: AGUARDE ENQUANTO AS NOTAS SÃO CONTADAS.
O compartimento abriu exibindo várias notas. Mônica pegou-as sem conferir e colocou na sua bolsa, junto do cartão e o papel com a senha. Apressou os passos, mantendo a cabeça baixa, e saiu da agência. O sol da tarde ofuscou sua visão. Ela se misturou à multidão que ia e vinha, e parou ao lado de desconhecidos, e esperou que o sinal de pedestres ficasse verde. Ela sentia sua adrenalina fervendo dentro dela, e uma leve tontura. Mal o sinal abriu, foi a primeira que atravessou a rua, correndo. No outro lado, havia uma banca de jornais.
- Oi, tem a figurinha do corpo humano? - Perguntou ela ao jornaleiro, atropelando as palavras.
- Tem sim.
- Quero duzentos pacotes.
O jornaleiro, um careca de óculos, assobiou:
- Puxa... se me aparece outros fregueses iguais a senhora, estou feito!
Ela puxou duas notas de cinquenta reais da bolsa e exigiu:
- Mais rápido aí, moço...
- Sim senhora, um minutinho só! Não é toda hora que conto duzentos pacotinhos!
Contou e tirou de um bolo, a quantidade pedida. Entregou e Mônica jogou todas dentro da bolsa. Saiu sem dizer nem boa tarde.
Até o terminal de ônibus ela fez uma peregrinação; passou em mais de dezesseis bancas de jornais, foi comprando todo estoque que conseguia nelas. O dinheiro que sacou, gastou tudo em dois mil pacotes; ela comprou uma sacola grande de plástico em uma banca de camelô na Coronel Gomes Machado e jogou os pacotes lá dentro. Por causa da costela machucada pela cotovelada que levou de Guiomar, carregou a sacola pesada com dificuldade; principalmente enquanto caminhava pelas ruas do Centro: esbarrou nas pessoas apressadas, e uma vez, correu o risco de ser atropelada pelos carros, por causa das barracas dos camelôs que tomavam as calçadas na Rua da Praia.
Quando chegou no terminal, logo conseguiu pegar seu ônibus. Olhou as horas no seu pequeno relógio de pulso, e se deu conta que passava das quatro horas da tarde. O corpo todo doía, a têmpora direita latejava. Seu dia estava sendo atarefado, mas que não acabou ainda. Tinha que dar um jeito de entrar em casa com a sacola, sem que seus filhos vissem.
O ponto do ônibus em seu bairro ficava a dois quarteirões de sua casa. Ela viu um céu carregado de nuvens pretas, e após mais um dia beirando quarenta graus, o final da tarde prometia com uma tempestade daquelas de alagar as ruas.
Andou rápido pela calçada, e viu os mesmos vizinhos, os mesmos parasitas que  se enraizaram ali, e que nunca mais sairiam daquele bairro deplorável. Mesmo com seu ombro ardendo, apoiava as alças da sacola pesada ali. No momento que foi atravessar a rua para o lado onde ficava sua casa, uma mulher beirando 70 anos, estacionou na sua frente. A última figura que queria ver agora! Era dona Amélia, a moradora mais antiga do bairro.
- Oi, Mônica, pera um pouco... Posso te fazer uma pergunta?
- Ah, dona Amélia, agora não! Estou com bastante pressa e...
Os vizinhos diziam que dona Amélia, surda nos dois ouvidos, tinha ganho dos filhos no seu último aniversário, um aparelho de surdez, mas tinham dúvidas quando ela os usava ou não.
Quando Mônica disse que tinha pressa, dona Amélia utilizou o benefício da dúvida e fingiu que não tinha ouvido. Era uma das suas artimanhas para poder manter uma pessoa conversando com ela.
- Querida, não ouvi o que você disse...  - Ela pôs a mão na orelha, e continuou, - mas posso te fazer uma pergunta?
Mônica tirou a sacola pesada do ombro dolorido, e colocou no chão. Nervosa, olhou seu relógio de pulso. Impaciente, disse:
- Tá, dona Amélia, qual pergunta?
Dona Amélia mantinha um cacoete que enojava Mônica. Tinha mania de mastigar sua dentadura superior. Havia pessoas que desviavam a cara para o lado, quando os dentes postiços dançavam pelos lábios murchos da velha.
Mônica nunca desviou o rosto, mas nesse momento seria bem capaz de enfiar a mão na boca da velha se presenciasse aquela dentadura dançando na sua frente.
- Sabe o que é, Mônica... estou estranhando uma coisa... - enquanto ela falava, a dentadura subia e descia. - sabe que conheço todos moradores da nossa rua, e alguns deles, desde que eram crianças...
- Dona Amélia, meus filhos estão me esperando, tenho que dar o lanche deles e...
Dona Amélia atropelou as palavras de Mônica, fingindo que não a ouviu.
- Hoje o calor foi de rachar, fiquei lá em casa o dia inteiro com o ventilador em cima de mim... Dizem que o vento quente faz mal, mas nem tô aí... Pelo menos aproveitei para por minhas costuras em dia...
O limite da paciência começou a se esgotar. Mônica se abaixou para pegar as alças da sacola abarrotada de pacotes de figurinhas, quando escutou:
- Mas de tardinha fiquei sentada na minha cadeirinha na calçada em frente da minha casa.
- Dona Amélia, tá ameaçando um toró e...
- E sabe o que eu não vi? - Foi impressão sua ou vislumbrou os olhinhos da velha brilhando?
- O que a senhora não viu, dona Amélia?
- Guiomar. - A dentadura voltou para o seu lugar.

Continua...

No próximo capítulo: O ponto de vista de dona Amélia e sua dentadura bailarina.

Rogerio de C. Ribeiro

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