Saiu
da repartição às quatro horas em ponto. Despediu-se dos
colegas, andou pelos imensos e antigos corredores do prédio do Ministério da
Fazenda até os elevadores. Era um homem alto e magro, sempre usando um terno
cinza amarrotado, sapatos que precisavam de uma graxa e óculos com grossas lentes bifocais. Dava passos ritmados como marcha, e mantinha sua postura ereta, e
na mão direita levava uma velha pasta marrom. Tinha pressa de sair logo do
prédio, porque queria voltar o mais rápido possível para casa e ver se sua
mãe melhorara da febre que persistia desde a noite anterior.
Na
avenida caminhava nas largas calçadas se passando despercebido pela multidão.
Elias Barreto era um homem tímido e insignificante. No trabalho só dirigiam a
palavra com ele quando não tinham mais alternativa e
era necessária para a solução de algum problema burocrático ; quando ia almoçar
sempre comia sozinho, e nas vezes que um colega seu aparecia, ignorava sua presença e sentava em outra
mesa. Aos 43 anos, Elias fora do trabalho, seu tempo era preenchido única e
exclusivamente em prol da sua mãe. Principalmente agora com ela em tratamento
de um câncer terminal em sua casa.
Ali
no quarto dela foi preparado toda uma estrutura hospitalar , um home care. Sua
mãe implorou que, como já tinha sido desenganada pelo médico, preferia terminar
seus dias na casa onde vivia desde que nasceu há sessenta e dois anos, ao
lado do seu único e venerado filho. Convencido, Elias aceitou, e agradecia ao plano de saúde dela que cobria
esse tipo de tratamento que não era nada barato.
Elias
entrou no estacionamento, pegou as chaves do seu velho Fusca 71 e foi ao lugar
onde sempre estacionava. Abriu a porta do carro, jogou sua pasta no banco de
trás, deu partida e contornou outros carros estacionados até sair de lá.
Pegou a avenida Antonio Carlos e foi dirigindo devagar, no meio de um pequeno
engarrafamento, em direção da Presidente Vargas. Ligou o rádio toca fitas e
trocou os canais. Parou em uma estação em que um locutor dizia.
-
A polícia ainda não tem pistas da identidade do misterioso assassino que
já matou cinco prostitutas no Cais do Porto.
Elias
mantinha sua atenção no trânsito em frente em silêncio. Sempre que pegava um
engarrafamento, a sua mente flutuava, e as lembranças vinham lhe fazer
companhia.
A
voz do locutor do programa policial continuava dizendo:
-
A polícia tem aconselhado que durante a madrugadas pessoas evitem de
circular nas ruas adjacentes ao Cais do Porto. No início, acreditavam que
se tratava de crimes isolados, mas depois da quarta vítima viram um padrão para
as mortes. O misterioso assassino costuma degolar suas vítimas com uma arma que
pode seu uma faca ou estilete...
-
Uma navalha - disse Elias calmamente, tamborilando os dedos no volante e
olhando atento o engarrafamento na sua frente.
-
... e segundo uma informação que obtivemos de um agente que não pode se
identificar, a polícia acredita que o maníaco possa ser um psicopata que se
esconde na área do Cais do Porto...
-
Em Quintino - a resposta de Elias soou automática, e dessa vez olhou de relance
para o porta-luvas do fusca. Soltou uma das mãos do volante e abriu, clicando
um pequeno e enferrujado fecho. Catou no meio de papéis e tirou de lá uma
navalha. A lâmina estava marrom - precisa de uma limpeza, pensou enquanto
guardava novamente dentro do porta-luvas.
O
locutor narrava as notícias policiais sempre naquele tom exaltado e indignado, mas Elias não prestava atenção nas palavras. Sua mente era absorvida
por lembranças enquanto aguardava os carros parados em frente do seu fusca saíssem daqueles passos de tartarugas.
"Com
certeza teve algum acidente lá na frente, pensou Elias, sentado com a postura
reta, segurando o volante do fusca com as duas mãos, não é possível que às
quatro horas da tarde o trânsito esteja congestionado dessa forma..."
Elias
virou seu rosto e viu uma mulher que parecia ter uns 30 anos parada no meio
fio, no meio de uma multidão de pessoas que atravessavam a rua no meio dos
carros parados. Sentiu seu coração disparar de repente, aquela moça se parecia
muito com ela...
A
mulher atravessou na frente do seu fusca rapidamente, e em seus braços havia
uma montanha de pastas de documentos. Virou seu rosto para o lado e ele
suspirou aliviado, não era quem imaginou.
Mas
teve um instante que lembrou-se de um tempo passado bem distante quando uma vez tomou coragem e enfrentou a ira da sua mãe. Foi quando conheceu o
que acreditou na época, do grande amor da sua vida.
Por
essa paixão arrebatadora, conseguiu libertar-se das garras maternas que o
aprisionavam desde criança. Isso começou desde que sua mãe foi abandonada pelo seu pai. A
voz da sua mãe na sua cabeça ecoava todos dias, em ritmo massacrante,
obrigando-o nunca esquecer:
"Só tenho você nesse mundo, Elias; depois que o desgraçado do teu pai
desapareceu daqui de casa, só temos um ao outro. Nunca se esqueça dos
sacrifícios que fui obrigada a me submeter para sua criação, de quantas vezes
deixei de comer para que você não viesse chorando de fome, dos homens que
dispensei para não dividir meu imenso amor por você pelos outros; do meu
afastamento da família inteira por sua causa, porque sempre me acusaram que me
dedico demais a você e por isso seu pai deu no pé fora de casa..."
Ela
sempre jogava essas indiretas na sua cara. Uma vez Elias dissera que conheceu uma menina interessante no colégio e ia leva-la para sua mãe conhecê-la. Mas
sua mãe, uma senhora imensa, enfurnada na sua poltrona onde esticava em cima de
um banquinho em frente suas duas pernas inchadas, como se tivesse elefantíase,
rugiu, torcendo a boca:
-
Não me traga nenhuma vagabunda para dentro da minha casa.
Nesse
dia Elias nem tinha completado 15 anos ainda. E sua mãe apontou-lhe o dedo
indicador inchado e completou:
-
Não te criei para ficar cheirando as calcinhas dessas putas.
Elias
mudou de ideia. Os anos foram passando, Elias sempre chegava em casa
pontualmente, fazia o jantar para sua mãe que só se levantava da poltrona para
ir ao banheiro ou dormir, ficavam assistindo tevê juntos, conversando sobre
amenidades, até que um dia ele descobriu que havia se apaixonado por uma colega
da sua seção no trabalho.
Para
muitos homens, a mulher não exibia nenhum atrativo físico, nem sexual. Mas para
os olhos míopes de Elias, ela era sedutora, maravilhosa, e a mulher da vida
dele.
Parecia
que as investidas tímidas que ele lançava fez que a moça acabasse se
interessando por aquele rapaz tímido e gago. Almoçavam juntos, ele sempre a
acompanhava até o ponto final do ônibus que ela pegava para casa, descobriam
que tinham afinidades, gostavam do mesmo tipo de filmes, de livros, de passear
na Quinta da Boa Vista.
Elias
começou a mentir para sua mãe. Dizia que tinha que fazer serões no trabalho,
principalmente em alguns sábados, e mesmo com a desconfiança da mãe, ia se encontrar com seu amor.
Passeando
pelas alamedas da Quinta, com o lago brilhando sob os raios solares da tarde,
Elias declamava Vinicius para a moça, que se impressionava com aquela memória
prodigiosa. E foi lá, sentados na grama do jardim olhando passarinhos voando
como se estivessem dançando só para eles, que teve o primeiro beijo. Elias foi
pego de surpresa quando a moça segurou-lhe pela nuca e colou seus lábios nos
dele.
Era
a primeira vez que Elias beijava uma garota. Normalmente só beijava sua mãe, um beijo seco e estalado na testa eventualmente cheirando a gordura, quando chegava do trabalho e na hora que ela ia dormir,
Mas
esse beijo acendeu uma chama até então desconhecida, que o fez sentir-se o
homem mais feliz do mundo, um homem determinado e corajoso, disposto de enfrentar
qualquer obstáculo, tudo em nome do amor que o arrebatava.
E
decidiu que era hora de enfrentar sua mãe.
Quando
anunciou que ia trazer sua namorada para conhecê-la, sua mãe fez mais uma
daquelas cenas dramáticas que tanto o abalou antes. Ela vertia lágrimas que
desciam pelo rosto redondo e pintado de sardas pretas, seus beiços murchos e
úmidos tremiam como se fosse uma criança fazendo birra; ela ficou
de pé, abraçou-o e implorou que não a abandonasse por causa de uma qualquer...
Mas Elias soube suportar todo drama materno de modo firme para que sua mãe soubesse que agora ele não ia mais se curvar diante daquelas chantagens, mesmo que
dentro dele um terremoto estivesse acontecendo com pena do estado da sua mãe
naquele momento, obesa e eternamente doente, parada no meio da sala e com os dedos gorduchos entrelaçados como se orasse.
Quando
viu que seus argumentos se perdiam no vácuo, e a chantagem emocional falhou, sua mãe de repente parou de chorar, voltou a
sentar-se na poltrona, aumentou o volume da tevê com o controle remoto e disse,
de forma simples e sem emoção:
-
Então traga-a para jantar conosco.
Elias
pulou de alegria e abraçou a mãe. Ela deu um tapinha seco nos ombros dele e
completou:
-
Só que você faz o jantar. Não vou agradar ninguém com minha comida.
Elias
nem se importou. Ligou para a namorada e anunciou:
-
Sábado... isso, no sábado. Que bom, mamãe tá louca para te conhecer.
E
veio o sábado da apresentação. Sua mãe estava enfurnada na sua poltrona gasta
quando a moça chegou. Elias a apresentou, e a mãe nem um sorriso deu. Estendeu
sua mão gorda e mal apertou a da moça. Elias havia preparado a mesa, e quando a
comida ficou pronta, sentaram-se.
Nervoso
com o silêncio que reinava durante o jantar, Elias começou a falar sobre
diversos assuntos, mais para quebrar o gelo. Sua namorada tentou ser simpática,
elogiando Elias para a mãe que só tinha os olhos fixos no prato enquanto
engolia a comida.
O
que desandou foi depois, na hora do café. Elias segurava a garrafa térmica e ia
servir sua mãe quando de repente ela disse:
-
Então a senhorita quer levar meu filho pra longe de mim.
A
moça assustou-se com aquela repentina pergunta.
-
Eu nunca... nunca pensei nisso...
Elias
continuava em pé, segurando a garrafa térmica, virando seus olhos de uma para a
outra. Sua mãe soltou uma risada que beirava o grotesco, e arrematou:
-
Claro que quer, qual é a nora que quer morar com a sogra no lado? A nora quer
mais é o marido bem longe de qualquer mãe zelosa como eu sou. E olhando pra sua
cara, vejo que não é uma boa bisca...
-
Senhora, assim está me ofendendo... Nunca falamos em casamento, mal nos
conhecemos.
-
Se é assim, pior ainda. Uma moça que se preste não abre as pernas com o primeiro que
aparece.
Elias
olhou aterrorizado para a moça, que gritou:
-
A senhora é maluca, dona? Elias me convidou para jantar e conhecê-la, e foi só
isso! Nunca falamos de casamento, pra mim é fora de cogitação. Trabalho e me
sustento sozinha, nunca precisei de nenhum homem pra ficar na aba...
-
Mentirosa...
Elias
largou a garrafa térmica na mesa e explodiu:
-
Vocês duas parem com isso agora!
A
moça lançou um gélido olhar para Elias e comentou:
-
Se soubesse que sua mãe é uma neurótica não ia perder meu tempo pra vir comer a
merda da sua comida.
O
sangue subiu na sua cabeça, o rosto ficou escarlate e Elias gritou:
-
Não chame minha mãe de neurótica!
A
mãe de Elias aplaudiu. Seus olhinhos brilharam de satisfação. A moça ficou de
pé, andou até a porta e antes de sair, decretou:
-
Nunca mais me dirija a palavra, Elias. Já desconfiava que era um trouxa,
que vive nas barras das saias da sua mãezinha. Mas agora tenho certeza disso.
Frouxo. Nem pra me defender dessa megera...
A
vontade de Elias era agarra-la pelo pescoço e quebra-lo com suas mãos. Mas
sentiu a mão de sua mãe segurando-o no braço, e sentiu que ficava mais calmo.
Sua mãe disse:
-
Viu como tenho razão, Elias. Todas são iguais.
A
moça saiu, batendo com a porta atrás de si, e Elias sentou-se ao lado da sua
mãe. Ousou em perguntar:
-
Será que a senhora não foi muito dura com ela, mãe?
Elias
levou um tapinha carinhoso no rosto e teve a resposta:
-
Meu filho, se eu não te proteger, quem mais vai fazer isso?
E
nos dias subsequentes que vieram depois do jantar, Elias ouvia os colegas do trabalho
caçoando dele. A moça espalhou para todos departamentos que Elias era um
frouxo, que era ninado pela mãe antes de dormir... um até comentou por alto que
Elias era enrustido.
Elias
passou a odiar aquela moça. Não se viram mais porque ela foi transferida para
outro departamento, mas ele nunca a tirou da sua cabeça.
Tinha
que provar para ela e para os outros que não era nada daquilo que imaginavam.
Não ia mudar sua vida com sua mãe por causa deles. Mas um dia veriam que ele
não era um frouxo e iam respeita-lo.
O
começo aconteceu naturalmente. Sua mãe tinha ido dormir, e Elias ficou na sala
vendo televisão. Não conseguia concentrar-se na programação da tevê e decidiu
dar uma volta. Era uma hora da madrugada, e as ruas estavam desertas. Dirigiu seu fusca pelos bairros desertos, e sem pensar, abriu o porta-luvas. Sabia o
que estava procurando porque achou logo. Era uma navalha.
Ficou
olhando a lâmina que cintilava quando passava pelos postes da Avenida Brasil.
Tinha essa navalha desde que era garoto e sempre escondeu da sua mãe. A
princípio usava mais para cortar os pescoços dos passarinhos que conseguia
capturar nas arapucas que armava. Mas quando chegou na adolescência, matar
passarinhos se tornou tedioso. E acabou deixando de lado quando foi admitido na
repartição pública.
Mas
nessa madrugada que passeava pela Avenida Brasil teve vontade de usar a navalha
novamente, principalmente depois dos comentários que ouviu dele no trabalho.
Necessitava que um dia aqueles falastrões soubessem que ele era diferente deles.
Que não se submetia a ninguém, que era mais poderoso que qualquer um...
Fechou
a navalha e guardou no bolso da sua calça. Aproximava-se do Cais do Porto. Foi
dirigindo a uma velocidade mínima nas ruas escuras dos armazéns do cais. E
próximo de Santo Cristo achou o que queria.
Parou
o carro na esquina da rua Santo Cristo e uma mulher magra, de cabelos
oxigenados, fumando um cigarro fedorento, chegou até a janela do carona.
-
Tá procurando companhia, amor?
-
Estou sim, Sueli. - respondeu Elias.
A
mulher levantou uma das sobrancelhas finas e riu.
-
Meu nome é Darlene. Se quiser uma rapidinha, pode ser no carro ou ali mesmo em
pé ao lado do muro...
-
Melhor em pé, Sueli.
Elias
saltou do carro e foram para um canto mal iluminado. Darlene encostou-se no
muro e avisou:
-
Só de camisinha, hein, e pagamento adiantado.
Elias
olhou para os lados e não viu ninguém por perto. Fixou seus olhos na mulher na
sua frente e disse suavemente:
-
Como quiser, Sueli.
Sueli,
que não saía da sua cabeça, que ignorava quem ele era de verdade.
-
Acha mesmo, Sueli, que sou frouxo? - Perguntou Elias enquanto enfiava a mão no
bolso e sentindo o cabo da navalha nos dedos.
-
Que tá havendo, cara? Já te disse que meu nome é Darlene...
Ela
sentiu que existia alguma coisa estranha com aquele cara. Empurrou-o para trás
e disse:
-
Olha, vamos deixar isso pra depois, estou ouvindo alguém me chamando e...
Quando
Darlene virou o corpo e se preparou para correr, Elias lhe deu uma gravata e
sussurrou no ouvido dela:
-
Que pressa é essa, Sueli... ainda nem começamos!
-
Socorro!!! - Darlene gritou.
Ela
tentou se desvencilhar dele, mas Elias, apesar da aparência frágil, era forte.
Puxou do bolso a navalha, apertou a mola e ela a lâmina abriu. Encostou a
lâmina fria na carótida de Darlene e disse, com um misto de prazer e ódio:
-
Nunca mais me despreze, Sueli. Vai ser castigada porque se comportou muito
mal...
Os
olhos de Darlene estavam esbugalhados, e com a pressão do braço no seu pescoço,
não conseguia mais gritar.
-
Durma bem, Sueli, sonhe com os anjos...
E
depois tudo aconteceu rápido. Quando passou a navalha na carótida do pescoço de
Darlene, saiu um esguicho de sangue que inundou o muro em frente. Quando ele
tirou seus braços dela, Darlene caiu com os dois joelhos no chão e segurava o
pescoço rasgado com suas mãos que ficaram encharcadas de seu sangue. Caiu
emborcada de cara no chão, criando uma poça ao redor do seu corpo.
Elias
correu, entrou no fusca e partiu a toda velocidade. Jogou a navalha que estava
suja no banco ao lado e nem reparou no seu braço que também estava sujo de
sangue.
Quando
chegou em casa, entrou devagar para que sua mãe não acordasse, foi ao banheiro
e tomou banho. Depois, pegou sua camisa e a calça que estavam manchadas de
sangue, e as colocou na máquina de lavar e deixou de molho. Já que era ele quem
lavava as roupas da casa, não corria o risco de sua mãe ver água rubra nas suas roupas.
Deitou-se
naquela noite e teve um sono profundo sem sonhos.
E
depois da morte daquela prostituta, o hábito retornou com força total. Sempre
que botava sua mãe na cama, ele ficava na sala da sua casa com seus pensamentos
em Sueli. Suas mãos formigavam de ansiedade para sair e encontrar Sueli, a
prostituta que ria dele, e ensinar-lhe uma lição.
E
ele fez isso, por mais quatro vezes.
Agora
dentro do seu fusca no engarrafamento no centro, o trânsito voltou a funcionar
em seu fluxo normal. Havia tido um acidente entre um ônibus e um carro, aquele
era o motivo do caos que se instalara no centro.
Chegou
em casa e foi direto ao quarto da sua mãe. Uma enfermeira cuidava dela, estava
lendo um livro quando Elias entrou. Ela baixou o livro e disse:
-
Seu Elias, que bom que tenha vindo.
-
Como está ela? - Perguntou. Sua mãe estava dormindo numa cama hospitalar; nos
últimos meses emagrecera bastante, e seu rosto tinha um tom cinzento. A
enfermeira respondeu:
-
Está sedada. Ainda sente muitas dores.
Elias
balançou a cabeça consternado. Sentia seu coração estraçalhado quando via sua
mãe daquele jeito. Ele disse:
-
Vai ficar essa noite?
-
Vou sim.
-
Tenho que sair para resolver um problema, e talvez nem durma em casa. Mas
amanhã cedo venho te render.
-
Não tem problema, seu Elias. Se precisar de alguma coisa ligo para o hospital.
Elias
agradeceu e saiu do quarto. Trocou de roupa, olhou para ver se não tinha
esquecido de nada e saiu, sem falar com a enfermeira. Entrou no seu fusca e
saiu para procurar Sueli.
Eram
meia noite e meia e ficou circulando pelas ruas transversais do Cais do Porto
observando cada mulher sozinha. Não estava encontrando quem queria, e achou que
não seria nessa noite que ia castigar Sueli novamente.
Quando
já se preparava em seguir para a Rua Rodrigues Alves, a viu perto da praça da
Gamboa. Sueli fumava um cigarro sentada em um banco de cimento com as pernas
cruzadas e tinha um ar entediada. Elias estacionou o fusca em frente e disse,
da janela:
-
Está esperando alguém, Sueli?
Ela
levou um susto e deu um pulo, descruzando as pernas. Era uma mulher magra, de
cabelos oxigenados e bastante maquiagem pesada no rosto. Ao responder, mostrou
que não tinha os dentes da frente:
-
Cara, quase me matou de susto!
-
Desculpe, minha intenção não foi assusta-la.
A
mulher se pôs em pé e caminhou até o carro. Tinha uma das mãos na cintura e com
a outra segurava uma pequena bolsa.
-
O bonitão tá querendo companhia?
-
Estava te procurando, Sueli.
-
Então bonitão, achou a pessoa errada. Meu nome é Charlotte.
-
Eu sei, Sueli... - Elias desceu abriu a porta do carro, saltou e fez meia volta
em frente ao capô do fusca. Charlotte se afastou, dando passos para trás.
-
Ih, bonitão, tá precisando trocar de óculos... - ela abriu o fecho da sua bolsa . Pôs a mão dentro e tirou algo escondido no punho fechado.
Elias
também tinha um objeto na mão: sua navalha. O sorriso que ele tinha estampado
era, para Charlotte, de um maluco.
-
É você, é você o assassino do Cais do Porto - Charlotte pisou em falso e caiu
sentada - Socorro, é o maníaco do cais!!!
Elias
exibiu a navalha e disse, numa voz macia:
-
Prometo que não vai doer nada, Sueli... Vai ser rápido, juro...
Quando
se abaixou, com a navalha pronta para o golpe, ela abriu sua mão e mostrou o
que escondia, um spray de pimenta. Ela apertou o botão e um jato foi direto nos
olhos dele.
Elias
berrou enquanto esfregava os olhos. Charlotte aproveitou o momento, levantou-se
e saiu correndo gritando por socorro.
-
Sueli, sua vaca maldita, volte...
Conseguiu
visualizar alguma coisa. Viu Sueli correndo, dobrando uma esquina. Ele voltou
para o seu fusca, e quando acelerou, viu que várias pessoas surgiram correndo
em seu encalço.
Dirigiu
a toda, com seus olhos ardendo e bastante vermelhos. Jogou a navalha no chão do
carro e pensou: "Não adianta fugir de mim, Sueli, amanhã ou depois te
pego."
Mais
uma vez contou com a sorte, não cruzou com nenhum carro da polícia.
Quando
chegou em casa, entrou direto e foi para o seu quarto. Sua raiva era tanta por
ter deixado Sueli escapar que beirava a insanidade. Socou a parede várias
vezes, e chegou a chorar com as mãos na cabeça, sentado na beira da cama.
Bateram
na porta do seu quarto. Elias se recompôs, foi atender e nem percebeu que só
estava de cuecas.
Era
a enfermeira de plantão. Ela assustou-se quando o viu daquele jeito, mas Elias
nem se perturbou. Perguntou:
-
O que foi?
A
enfermeira, evitando olha-lo de frente:
-
Sua mãe...
-
O que tem minha mãe?
-
Acabou de falecer.
Parecia
que o chão abriu sob seus pés.
Dessa
vez o choro dele era genuíno.
Enquanto
aguardava que o corpo fosse liberado para o IML, os vizinhos entravam e saiam
da casa de Elias para dar os pêsames. Elias agradecia a todos de forma mecânica.
Uma antiga vizinha apertou suas mãos e disse:
-
Sua mãe estava sofrendo bastante...
-
Eu sei disso.
-
Lembre-se que Deus sempre age nas horas certas. A hora da sua mãe chegou...
-
Obrigado.
E
a vizinha, antes de sair, completou:
- Que dona Sueli descanse em paz.
Rogerio de C. Ribeiro
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