Translate

segunda-feira, 9 de junho de 2014

O PRÊMIO CAPÍTULO 9

No capítulo anterior: Seus olhos não acreditavam no que estava presenciando. Lentamente, o crânio foi virando para o lado direito. Mônica segurou a respiração e seus olhos pareciam que iam pular das órbitas. O crânio foi se movendo para o lado, a página pulsava a cada movimento, e quando se estabilizou, as figurinhas mostraram um crânio de frente, com todos dentes sorrindo para ela. Das órbitas vazias da caveira, a luz fraca da lâmpada misturava-se com um brilho que emanava dentro dele. As mandíbulas moveram-se num rangido, e o som de dentes chacoalhando um no outro soou no silêncio. O crânio sorriu e Mônica ouviu:
(Finalmente, Mônica, já estava perdendo a paciência com você!)


Capítulo 9

Mônica não sabia se levantava do banco, ou enfartava ali mesmo sentada.
(Você está indo muito bem, Mônica. Sinto orgulho da sua persistência.)  
- Vo...Você está falando comigo! - Mônica não queria acreditar, mas a voz vinha daquela caveira!
( É claro que estou falando com você, merda! Por acaso tem outra Mônica aí no teu lado?)
- Não... - Era impressionante, mas mesmo se sentindo uma idiota, estava conversando com um poster de figurinhas de um crânio.
(Não fica aí pensando se ficou maluca ou não, Mônica. Não foi você que acreditou que sua única salvação para se libertar dessa vidinha medíocre que leva, estão aqui nessas páginas? Está coberta de razão. Se não é o Livro Ilustrado do Corpo Humano, sua vida ia continuar uma bosta, como é hoje, até no dia que morrer.)
Mônica fechou os olhos. Abriu-os de novo. O pôster do crânio ainda a encarava, só que agora suas órbitas vazias emanavam uma coloração violeta.
O crânio riu. Alargou os ossos para cima e mostrou um sorriso com dentes pontiagudos e brancos.
(Ainda estou aqui, Mônica. Você é mais bonita do que imaginei. Um pouco relaxada, mas bonita. Do jeito que está, suada dos cabelos aos pés, não vai conseguir que alguém note seus atributos. O problema com sua aparência é porque ficou acomodada nesta sua vidinha de merda, aturando um neurótico e três crianças que não te merecem.)
- O que quer de mim? - Mônica perguntou, e estranhou que fez a pergunta com naturalidade.
(Quero que não perca o foco do seu objetivo, Mônica. Vai comprando pacotes e mais pacotes de figurinhas até completar todo o álbum. Apostamos em você, minha querida, e torcemos que ganhe o grande prêmio!)
Agora o tom da voz que chegava do crânio era idêntica a de Damiano Lescarter, uma voz suave, carinhosa, convincente...
- O que mais quero é esse prêmio! Mas conforme vou juntando as figurinhas, mais repetidas aparecem!
(O jogo é esse, querida, ou achou que não ia aparecer nenhuma figurinha repetida?)
- Eu sei que não. E tem outro problema, não tenho dinheiro para comprar mais figurinhas. Se for pegar do meu marido, ele vai acabar descobrindo que fui eu que roubei os vinte reais dele... - Mônica ainda não acreditava na surrealidade que estava acontecendo naquele momento. Se dissesse para os outros, iam interna-la na hora. Mas a voz vinha do álbum, e a mesma voz entranhava na sua cabeça.
(O dinheiro dele também é seu, Mônica, só ele que não vê assim. Mas agora, você tem que cair na real, o idiota não tem cacife para bancar para o que vem agora. As dificuldades aumentarão, haverá vezes que não virá nenhuma figurinha nova. Você pode desanimar, mas vai ter que buscar forças que nem sabe que tem. Para concretizar seu sonho, vai precisar de bastante dinheiro para investir no seu prêmio!)
- E onde vou conseguir todo esse dinheiro? 
A caveira alargou mais ainda o sorriso. Ela ouviu um som como de gravetos secos quando os ossos se alargaram mais ainda.
(Ainda não entendeu onde quero chegar? Às vezes fico pensando, porquê investimos tanto em você? Acho que estou perdendo meu tempo. Mônica,presta atenção, você é surda ou idiota? Não entendeu onde quero chegar?)
Mônica fechou a cara. Não gostou de ser chamada de idiota. As órbitas vazias do crânio fulguraram mais ainda, agora em um tom vermelho vivo.
(Pode fazer beicinho, mas não me comove nem um pouquinho. Odeio burrice, Mônica. Hoje de manhã, seu marido soltou uma deixa, só você que não pescou.)
- Que deixa?
(Sua vizinha portuguesa obesa, dos joelhos escangalhados. Ela é a sua fonte de renda, querida. Só ela que pode solucionar seu problema financeiro.)
- Dona Guiomar? Essa não abre a mão nem pra dar tchau. Imagine então me dar um centavo...
(Lógico que ela não dar, querida. Aquela lusitana é miserável. Miserável, mas endinheirada. Ela não confia em bancos, nunca confiou, e todo dinheiro está escondido na casa dela.)
- Está sugerindo que entre na casa dela e roube o dinheiro?
(Tem alguma ideia melhor? Se tem, estou aberto às sugestões...)
- Não, não tenho...
(Vinte reais surrupiados da carteira do seu marido, cada vez que o trouxa estiver dormindo ou tomando banho, para completar o álbum, é ilusão, querida. Até que chegue perto de completar, outra pessoa mais persistente e mais ágil que você, já terá faturado o prêmio há muito tempo. E a Mônica, como vai ficar? Chupando dedo, e vivendo essa sua vidinha de dona de casa medíocre. Mas se tomar a iniciativa que deve tomar, bem, as chances para sua vitória serão imensas.)
- Como vou fazer isso?
(Na hora você vai saber. Agora vai dormir. Tenho um pressentimento que seu dia vai longo, muito longo, mas bem proveitoso!)
- Espere...
O crânio não disse mais nada; virou-se para o lado e retomou sua posição de perfil. Agora o silêncio reinou absoluto.
Mônica acariciou o conjunto de figurinhas que formavam o crânio, e mais uma vez teve aquela sensação que alisava um osso de verdade. Fechou o álbum, escondeu-o dentro do armarinho e voltou para a cama. Antes de pegar no sono, tinha uma ligeira impressão que se esquecera de algo.
Caiu em um sono profundo, sem se lembrar da sacola de plástico abarrotada de figurinhas repetidas que foi jogada ao lado da máquina de lavar.

Continua...

No próximo capítulo: Daniel, o filho caçula, é um empecilho para os planos de Mônica.

Rogerio de C. Ribeiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário