- Peraí que mamãe esqueceu uma coisinha muito gostosa pro meu neném!
Ela caminhou até o banheiro, abriu as duas portas do armário sobre a pia e procurou o que queria. Mexeu nas escovas de dentes, esbarrou em um tubo de fio dental que caiu no chão, olhou alguns comprimidos e acabou encontrando: uma cartela de Mellodyn, um calmante que às vezes usava quando tinha insônia.
Capítulo 11
Continua...
No próximo capítulo: O que for feito, não tem mais volta.
Rogerio de C. Ribeiro
Capítulo 11
Pegou
uma pílula e voltou para a cozinha. Com um amassador de alho, esfarelou o
remédio em cima da mesa; depois com o bocal da mamadeira cheia empurrou todo pó
para dentro e balançou bem para mistura-lo. Abriu o micro-ondas e aqueceu o
suficiente para não queimar a boca do neném. Pôs o bico e voltou para a sala.
Daniel bateu palmas e soltou um gritinho alegre:
-
Mamá! Mamá!
-
Aqui seu mamá - Mônica estendeu a mamadeira, e seu filho pegou, feliz. Daniel
deitou a cabecinha no braço do sofá e enquanto bebia seu Nescau batizado, ficou
assistindo o desenho do Pica-Pau na televisão.
E
Mônica, pacientemente esperou de pé ao lado do armário, que seu filho
esvaziasse a mamadeira. E enquanto aguardava, a voz surgiu dentro da
sua cabeça de novo:
(Acho que tenho uma notícia não
muito boa pra te dar , Mônica...)
-
Que notícia? - Perguntou, receosa pela resposta.
(Enquanto você fica aí se distraindo
com o merdinha do bebê chorão, fui informado que uma pessoa está quase
completando o álbum...)
-
Eu não estou aqui me distraindo, só tô esperando que ele durma!
(E se ele não dormir agora? Vai
ficar aí esperando,parada feito uma imbecil?)
- É claro que não! - Mônica gritou.
(Você fica aí de babá enquanto a
velha tá gastando o dinheiro dela...)
-
Para de falar! Minha cabeça tá doendo!
(E vai doer mais ainda, quando for assistir na televisão, o grande felizardo que faturou o prêmio do álbum... O prêmio que seria
seu, com todo mérito, mas que você deixou escapar por causa de um pentelho que
não vai dormir!)
-
Ele vai dormir! - Enfurecida, Mônica berrou e pôs as mãos na cabeça. Sentia que
ali dentro seus miolos estavam a ponto de explodir, e sentiu uma
súbita pontada que parecia furar seus olhos. - Chega, só mais um minuto... se ele não dormir...
A
voz soou persuasiva, melódica:
(Se ele não dormir... vai fazer o
quê? Outra mamadeira batizada?)
-
Eu vou... - ela gemeu, e pressionou mais ainda sua cabeça com as mãos.
(Vai o quê, sua puta? Voltar pra cozinha
e fazer o almoço dos meninos que logo vão chegar do colégio? E depois pensar
qual jantar vai preparar pro idiota do seu marido? Por que é isso o que vai fazer, sua vaca! Voltar pra sua vida medíocre de dona de casa que sempre foi? Hein?)
A
voz gritou dentro da sua cabeça, e Mônica viu pontinhos pretos na
sua frente. Um início de náusea sacudiu suas tripas e teve vontade de vomitar,
mas conseguiu controlar-se.
"Termina
logo essa mamadeira, ela pensou, acaba logo e dorme..."
(ELE NÃO VAI DORMIR!)
Mônica
deu um passo e sentiu as pernas bambas. Observou Daniel, que continuava com
os olhos arregalados no desenho da tevê enquanto segurava a mamadeira
pela metade com as duas mãos. Mônica cambaleou até a poltrona de Adroaldo
e atirou-se nela. Não conseguia desviar os olhos do seu filho. Ele tinha que dormir, senão...
(Senão você fica sem alternativa, minha querida. Vai ter que mata-lo. A morte dele é necessária! Raciocine comigo,você não pode sair para resolver sua situação e deixar o pentelho gritando pelo seu nome e atraindo a curiosidade dos vizinhos. Tem que decidir seu rumo,
Mônica. É agora, ou nunca mais!)
Mônica
hesitou, mas quando viu que Daniel deixou a mamadeira ainda pela metade
ao seu lado e continuava prestando atenção no desenho, ela decidiu. Tinha
que fazer logo ou a voz, com toda razão, ia desistir em ajuda-la. Ela
não queria desistir, pelo fato de depois que angariasse a fortuna da velha,
completaria o álbum e resgataria sua liberdade. O prêmio era merecimento, e
ela, mais que todos, pelo que vinha passando, merecia ganha-lo e enfim, conquistar sua paz.
Levantou-se com certa dificuldade, e suas pernas estavam firmes. Caminhou em direção do quarto em passos rápidos.
Pegou seu travesseiro. Apertou-o contra o peito em um abraço fraternal, e
murmurou:
- Que todos me perdoem, mas preciso fazer isso...
(Finalmente, acordou! É óbvio que precisa, querida,
precisa e vai fazer. Não fique se sentindo culpada de nada. Saiba que torço por
você. É a minha preferida!)
-
É meu filho... não quero o mal dele...
(O que vai fazer é para o bem dele. Pior seria se ele morresse eletrocutado, asfixiado, ou pior
ainda, ele ficar berrando e amanhã uma assistente social tirar ele de você por abandono de incapaz.
Não, pelo menos assim, ele não vai sentir absolutamente nada... ele não vai sofrer...)
Mônica
olhou as horas no despertador em cima da mesinha ao lado da cama. Dez horas. Dentro de duas horas e meia, Felipe e Mateus chegavam do colégio.
Ela tinha que correr contra o tempo.
Andou naturalmente até a sala, e da posição onde se encontrava, atrás do sofá, não viu seu
filho. Mônica pegou o travesseiro com as duas mãos, ergueu para o alto, e se aproximou.
Contornou suavemente o sofá e cantarolou:
-
Mamãe te ama, querido... é para o seu bem...Continua...
No próximo capítulo: O que for feito, não tem mais volta.
Rogerio de C. Ribeiro
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