Translate

sábado, 30 de agosto de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 21

No capítulo anterior: - É sua filha, doutora. Anabela.
- O que ela quer? Meu dia não começou nada bem. - Ela entrou na sala e pegou a extensão.
- Mãe! - Anabela sussurrou.
- O que foi?
- Mãe, vem pra casa...
- Aconteceu alguma coisa?
Anabela soluçou.
- A nova empregada, mãe... Ela é má, muito má!


Anabela e Juninho estavam na sala principal. O menino estava à espreita no arco que separava o cômodo da sala de jantar. Sua missão era vigiar a cozinha no caso da nova empregada saísse de lá. Enquanto isso, sua irmã ligava, do telefone fixo que ficava em cima de uma mesinha ao lado da poltrona que seu pai sentava, para sua mãe.
Anabela ficou apavorada quando a empregada falou tudo aquilo a Juninho. Ela ouviu palavras que nunca foram ditas na sua casa. Nem nos momentos que sua mãe ficava braba falava palavrões.
Mas o que mais a deixou amedrontada foi a maneira como Fernanda falou. Ela não gritou, nem fez cara feia. A nova empregada simplesmente falou tudo aquilo de uma maneira calma, sensata, como se estivesse dando conselhos.
Durante o almoço, Fernanda os serviu em silêncio e depois levou um prato para o quarto de dona Vitória. Anabela aproveitou a ausência dela para falar com Juninho:
- Morri de medo!
Juninho admitiu:
- Eu também.
Dequinha apenas sorriu.
Quando a empregada levou os pratos e talheres para a cozinha, Anabela puxou Juninho para um canto e disse:
- Vigia pra ver se ela não aparece!
- E Dequinha? Ela pode ir falar com ela!
- Ô! Dequinha sempre vai dormir depois do almoço. A essa hora deve tá enfiada na cama com o dedo na boca. Vai, fica ali olhando. Vou ligar pra mamãe!
Mesmo apavorado, Juninho ficou de tocaia enquanto Anabela discava para o escritório da mãe.
- Mãe! Ela é muito má!
Ouviu Vera no outro lado da linha:
- O que é que tá falando, Anabela? Já de implicância com a empregada?
- Não impliquei nada, mãe! Ela brigou com Juninho...
Vera engasgou:
- Fernanda bateu no seu irmão?
Anabela sussurrou. Ela também estava de olho no arco.
- Não, mãe. Ela não bateu nele. Mas falou palavrão.
Vera parecia incrédula:
- Ela é evangélica! Que eu saiba, os evangélicos não falam palavrões!
- Mas ela falou.
Houve um breve silêncio e depois Vera disse:
- Você está mentindo pra mim, Anabela, isso é feio.
- Não tô mentindo! - Anabela estava prestes a cair no choro.
- Tá sim. Vocês não gostaram da menina. Eu sei que estavam acostumados com Belinda. Eu também sinto falta dela. Mas não é justificativa para me ligar e contar mentiras. Fernanda é uma moça muito boa.
- Ela é má!
- Não vou ficar discutindo com você no telefone. Quando chegar em casa a gente conversa.
Anabela ouviu o clique no outro lado da linha. Sua mãe desligou o telefone sem ter acreditado nela.
- É!!!! - Juninho agitou as mãos. - Tá vindo pra cá!
Quando Fernanda entrou na sala principal, Anabela e Juninho estavam sentados no sofá. Fernanda não comentou nada, apenas olhou o telefone em cima da mesinha fora do lugar. O aparelho estava virado de lado, mostrando um pedaço retangular sem a poeira da mesa.
Juninho disse:
- Não fizemos nada.
Fernanda sorriu. Um sorriso frio, gélido:
- Eu sei que não aprontaram nada. Continuem assim, quietinhos. Sua avó tá dormindo.
Ela deu as costas e saiu da sala. Anabela perguntou:
- Será que ela sabe?
Juninho, apavorado:
- Sei lá. Mas tô com medo dela.
- Eu também - admitiu a irmã mais velha.
                                   *********
Estavam no quarto jogando videogame quando ouviram o característico barulho do Palio estacionando em frente da casa. Dequinha, excluída da brincadeira dos irmãos, alertou:
- Eles chegaram.
Juninho largou o console e disparou na frente. Anabela foi logo atrás, seguida de uma Dequinha tranquila.
Chegaram na sala e viram seus pais. Vera deixou sua pasta em cima da mesa e disse:
- Anabela, conversei com seu pai quando vínhamos e precisamos esclarecer tudo isso.
- É mesmo - disse Aurélio, sentado na sua poltrona favorita. - Que história foi aquela que a moça falou palavrão?
Anabela tomou a frente e contou em partes o que havia acontecido. No instante que chegou na parte do palavrão, Fernanda entrou na sala.
Anabela ficou pálida e silenciou. Juninho preferiu ficar ao lado da sua mãe.
- Fernanda - disse Vera, sentada no sofá com seu filho encostado nela. - Anabela me disse...
Fernanda cortou:
- Desculpe interrompê-la - sua voz era calma, mas parecia magoada. - Mas Anabela disse que Juninho empurrou Andréia?
Vera encarou seu filho.
- Isso é verdade?
- Foi, mãe - disse Dequinha. Ela estava parada ao lado de Aurélio. - Eu caí e machuquei minha mão.
- Você não me falou isso, Anabela - disse Vera, zangada.
- Não... Não falei...
- Mas Fernanda falou um palavrão! - disse Juninho, apavorado.
Fernanda olhou para ele e seus olhos tinham lágrimas.
- Dona Vera, eu sei que todo mundo gosta da Belinda. Mas não é porque entrei há três dias que seus filhos podem mentir dizendo isso...
- Não menti! - disse Anabela.
- Eu ia ligar para a senhora - disse Fernanda, ignorando o protesto da menina. - Fiquei pensando se fiz alguma coisa de errado. Procuro fazer tudo que a senhora manda, e até fiz um bolo para eles. Mas o que fizeram comigo é muito chato.
- Fizeram o quê? - Aurélio perguntou.
Fernanda juntou as mãos como em oração e disse, aos prantos:
- Rasgaram minha bíblia.
- O quê? - Vera gritou. Juninho, que estava grudado nela, pulou do sofá, assustado.
As lágrimas corriam pelo rosto da empregada:
- Quando eles chegaram, Dequinha reclamou que tinha sido empurrada. Olha, eu só falei isso: Jesus não gosta de ver irmãos mais velhos maltratando os mais novos. Juninho me respondeu que fazia o que quisesse com a irmã mais nova. E Anabela apoiou.
- Mentirosa!!!! - disseram os dois, em uníssono.
- Falei da bíblia, que dizia isso e os dois falaram: Me mostre onde está escrito.
"Depois do almoço, fiquei com dona Vitória. Ela comeu bem e foi cochilar. Como não gosto de assistir televisão, fui no meu quarto para pegar minha bíblia. E aí vi..."
Fernanda tirou do bolso várias folhas rasgadas e entregou a Vera. Eram páginas da bíblia.
- Não sabia o que fazer, dona Vera. Nunca, nem mesmo nas minhas perdas pessoais, sofri tanto como agora. Estou fazendo o bem e eles fazem isso...
Aurélio ficou de pé. Anabela rogou:
- Papai, não fizemos nada disso...
- Além de rasgar a bíblia, eles escreveram...
- Tem mais? - Aurélio estava desnorteado. Vera não dizia nada, só observava furiosa os filhos.
Fernanda tampou o rosto com as mãos e disse:
- Eles escreveram na parede do quarto: "Vai embora, vaca sem vergonha". "Não gosto de você, quero que Belinda volte!"
- Quero ver isso - disse Vera, atravessando a sala em direção da área de serviços.
Com Vera na frente, todos a seguiram como uma fila. Vera abriu a porta do quartinho de empregada. Nas paredes, escritos em lápis de cera, estavam essas mensagens. E as letras eram deles.
Constrangida, Vera disse:
- Nem sei como posso pedir perdão em nome deles, Fernanda. Mas espero que releve isso e continue conosco.
- Obrigada, dona Vera - disse Fernanda, humilde. - Não pensei em ir embora. Compreendo seus filhos. Sou uma intrusa na casa. Mas nunca quis tomar o lugar de ninguém..
- Você é uma moça com coração bom - disse Aurélio. - Nós vamos conversar com eles. Isso não vai acontecer mais, te garanto.
- Sim, senhor - disse Fernanda indo para a cozinha.
Ela ouviu Vera e Aurélio repreendendo os dois. Passou a mão na face para secar as falsas lágrimas. Sorriu.
"Idiotas. Na próxima vez vão aprender que não podem mexer comigo. E nunca mais vão deixar suas mochilas à minha mão. Pra copiar suas letras de primário é a coisa mais fácil do mundo. A partir de agora vão ficar pianinhos comigo. "
Ouviu som de tapas. E de choros.
Agora ficou satisfeita.

Continua...

No próximo capítulo: Mais uma vez, Aurélio tenta convencer Vera em vender o casarão.

Rogerio de C. Ribeiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário