- O que ela quer? Meu dia não começou nada bem. - Ela entrou na sala e pegou a extensão.
- Mãe! - Anabela sussurrou.
- O que foi?
- Mãe, vem pra casa...
- Aconteceu alguma coisa?
Anabela soluçou.
- A nova empregada, mãe... Ela é má, muito má!
Anabela
e Juninho estavam na sala principal. O menino estava à espreita no arco que
separava o cômodo da sala de jantar. Sua missão era vigiar a cozinha no caso da
nova empregada saísse de lá. Enquanto isso, sua irmã ligava, do telefone fixo
que ficava em cima de uma mesinha ao lado da poltrona que seu pai sentava, para
sua mãe.
Anabela
ficou apavorada quando a empregada falou tudo aquilo a Juninho. Ela ouviu
palavras que nunca foram ditas na sua casa. Nem nos momentos que sua mãe ficava
braba falava palavrões.
Mas
o que mais a deixou amedrontada foi a maneira como Fernanda falou. Ela não
gritou, nem fez cara feia. A nova empregada simplesmente falou tudo aquilo de
uma maneira calma, sensata, como se estivesse dando conselhos.
Durante
o almoço, Fernanda os serviu em silêncio e depois levou um prato para o quarto
de dona Vitória. Anabela aproveitou a ausência dela para falar com Juninho:
-
Morri de medo!
Juninho
admitiu:
-
Eu também.
Dequinha
apenas sorriu.
Quando
a empregada levou os pratos e talheres para a cozinha, Anabela puxou Juninho
para um canto e disse:
-
Vigia pra ver se ela não aparece!
-
E Dequinha? Ela pode ir falar com ela!
-
Ô! Dequinha sempre vai dormir depois do almoço. A essa hora deve tá enfiada na
cama com o dedo na boca. Vai, fica ali olhando. Vou ligar pra mamãe!
Mesmo
apavorado, Juninho ficou de tocaia enquanto Anabela discava para o escritório
da mãe.
-
Mãe! Ela é muito má!
Ouviu
Vera no outro lado da linha:
-
O que é que tá falando, Anabela? Já de implicância com a empregada?
-
Não impliquei nada, mãe! Ela brigou com Juninho...
Vera
engasgou:
-
Fernanda bateu no seu irmão?
Anabela
sussurrou. Ela também estava de olho no arco.
-
Não, mãe. Ela não bateu nele. Mas falou palavrão.
Vera
parecia incrédula:
-
Ela é evangélica! Que eu saiba, os evangélicos não falam palavrões!
-
Mas ela falou.
Houve
um breve silêncio e depois Vera disse:
-
Você está mentindo pra mim, Anabela, isso é feio.
-
Não tô mentindo! - Anabela estava prestes a cair no choro.
-
Tá sim. Vocês não gostaram da menina. Eu sei que estavam acostumados com
Belinda. Eu também sinto falta dela. Mas não é justificativa para me ligar e
contar mentiras. Fernanda é uma moça muito boa.
-
Ela é má!
-
Não vou ficar discutindo com você no telefone. Quando chegar em casa a gente
conversa.
Anabela
ouviu o clique no outro lado da linha. Sua mãe desligou o telefone sem ter
acreditado nela.
-
É!!!! - Juninho agitou as mãos. - Tá vindo pra cá!
Quando
Fernanda entrou na sala principal, Anabela e Juninho estavam sentados no sofá.
Fernanda não comentou nada, apenas olhou o telefone em cima da mesinha fora do
lugar. O aparelho estava virado de lado, mostrando um pedaço retangular sem a
poeira da mesa.
Juninho
disse:
-
Não fizemos nada.
Fernanda
sorriu. Um sorriso frio, gélido:
-
Eu sei que não aprontaram nada. Continuem assim, quietinhos. Sua avó tá
dormindo.
Ela
deu as costas e saiu da sala. Anabela perguntou:
-
Será que ela sabe?
Juninho,
apavorado:
-
Sei lá. Mas tô com medo dela.
-
Eu também - admitiu a irmã mais velha.
*********
Estavam
no quarto jogando videogame quando ouviram o característico barulho do Palio
estacionando em frente da casa. Dequinha, excluída da brincadeira dos irmãos,
alertou:
-
Eles chegaram.
Juninho
largou o console e disparou na frente. Anabela foi logo atrás, seguida de uma
Dequinha tranquila.
Chegaram
na sala e viram seus pais. Vera deixou sua pasta em cima da mesa e disse:
-
Anabela, conversei com seu pai quando vínhamos e precisamos esclarecer tudo
isso.
-
É mesmo - disse Aurélio, sentado na sua poltrona favorita. - Que história foi
aquela que a moça falou palavrão?
Anabela
tomou a frente e contou em partes o que havia acontecido. No instante que
chegou na parte do palavrão, Fernanda entrou na sala.
Anabela
ficou pálida e silenciou. Juninho preferiu ficar ao lado da sua mãe.
-
Fernanda - disse Vera, sentada no sofá com seu filho encostado nela. - Anabela
me disse...
Fernanda
cortou:
-
Desculpe interrompê-la - sua voz era calma, mas parecia magoada. - Mas Anabela
disse que Juninho empurrou Andréia?
Vera
encarou seu filho.
-
Isso é verdade?
-
Foi, mãe - disse Dequinha. Ela estava parada ao lado de Aurélio. - Eu caí e
machuquei minha mão.
-
Você não me falou isso, Anabela - disse Vera, zangada.
-
Não... Não falei...
-
Mas Fernanda falou um palavrão! - disse Juninho, apavorado.
Fernanda
olhou para ele e seus olhos tinham lágrimas.
-
Dona Vera, eu sei que todo mundo gosta da Belinda. Mas não é porque entrei há
três dias que seus filhos podem mentir dizendo isso...
-
Não menti! - disse Anabela.
-
Eu ia ligar para a senhora - disse Fernanda, ignorando o protesto da menina. -
Fiquei pensando se fiz alguma coisa de errado. Procuro fazer tudo que a senhora
manda, e até fiz um bolo para eles. Mas o que fizeram comigo é muito chato.
-
Fizeram o quê? - Aurélio perguntou.
Fernanda
juntou as mãos como em oração e disse, aos prantos:
-
Rasgaram minha bíblia.
-
O quê? - Vera gritou. Juninho, que estava grudado nela, pulou do sofá,
assustado.
As
lágrimas corriam pelo rosto da empregada:
-
Quando eles chegaram, Dequinha reclamou que tinha sido empurrada. Olha, eu só
falei isso: Jesus não gosta de ver irmãos mais velhos maltratando os mais
novos. Juninho me respondeu que fazia o que quisesse com a irmã mais nova. E
Anabela apoiou.
-
Mentirosa!!!! - disseram os dois, em uníssono.
-
Falei da bíblia, que dizia isso e os dois falaram: Me mostre onde está escrito.
"Depois
do almoço, fiquei com dona Vitória. Ela comeu bem e foi cochilar. Como não
gosto de assistir televisão, fui no meu quarto para pegar minha bíblia. E aí
vi..."
Fernanda
tirou do bolso várias folhas rasgadas e entregou a Vera. Eram páginas da bíblia.
-
Não sabia o que fazer, dona Vera. Nunca, nem mesmo nas minhas perdas pessoais,
sofri tanto como agora. Estou fazendo o bem e eles fazem isso...
Aurélio
ficou de pé. Anabela rogou:
-
Papai, não fizemos nada disso...
-
Além de rasgar a bíblia, eles escreveram...
-
Tem mais? - Aurélio estava desnorteado. Vera não dizia nada, só observava
furiosa os filhos.
Fernanda
tampou o rosto com as mãos e disse:
-
Eles escreveram na parede do quarto: "Vai embora, vaca sem vergonha".
"Não gosto de você, quero que Belinda volte!"
-
Quero ver isso - disse Vera, atravessando a sala em direção da área de
serviços.
Com
Vera na frente, todos a seguiram como uma fila. Vera abriu a porta do quartinho
de empregada. Nas paredes, escritos em lápis de cera, estavam essas mensagens.
E as letras eram deles.
Constrangida,
Vera disse:
-
Nem sei como posso pedir perdão em nome deles, Fernanda. Mas espero que releve
isso e continue conosco.
-
Obrigada, dona Vera - disse Fernanda, humilde. - Não pensei em ir embora.
Compreendo seus filhos. Sou uma intrusa na casa. Mas nunca quis tomar o lugar
de ninguém..
-
Você é uma moça com coração bom - disse Aurélio. - Nós vamos conversar com
eles. Isso não vai acontecer mais, te garanto.
-
Sim, senhor - disse Fernanda indo para a cozinha.
Ela
ouviu Vera e Aurélio repreendendo os dois. Passou a mão na face para secar as
falsas lágrimas. Sorriu.
"Idiotas.
Na próxima vez vão aprender que não podem mexer comigo. E nunca mais vão deixar
suas mochilas à minha mão. Pra copiar suas letras de primário é a coisa mais
fácil do mundo. A partir de agora vão ficar pianinhos comigo. "
Ouviu
som de tapas. E de choros.
Agora
ficou satisfeita.
Continua...
No próximo capítulo: Mais uma vez, Aurélio tenta convencer Vera em vender o casarão.
Rogerio de C. Ribeiro
Continua...
No próximo capítulo: Mais uma vez, Aurélio tenta convencer Vera em vender o casarão.
Rogerio de C. Ribeiro
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