Translate

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 3

No capítulo anterior: Belinda pergunta às suas irmãs se conhecem alguém para substitui-la. Passou uma semana e a empregada não teve resposta. Quem fica satisfeita com isso é Vera, já que ainda pode contar com Belinda. Vera costuma olhar para sua mãe quando volta do trabalho. Lembra do tempo que todos respeitavam a dona do casarão. Conhecemos os filhos de Vera e também do que ela pensa do seu marido.

O jantar no casarão era obrigatório; todos dias a mesa era preparada para a refeição das oito horas. Vera exigia que todos estivessem presentes, cada um sentado em seu devido lugares na hora certa. E a comida não podia ser requentada do almoço; Belinda tinha que cozinhar novamente.
Só houve uma mudança no lugar das cadeiras. Já que Dona Vitória não sentava mais na cabeceira, o lugar agora era ocupado por Vera. Aurélio ficava à sua esquerda, seguido por Anabela, Juninho e Dequinha. Pelo lado direito, dona Vitória ficava sentada em sua cadeira de rodas e Belinda ao seu lado, lhe dando colheradas de sopa.
Na ponta oposta da cabeceira, a cadeira estava vazia. Era o lugar do seu Teodoro. Ficou como uma espécie de santuário. Belinda deixava um prato com talheres na mesa, como se ele ainda participasse. Ordem da Vera.
Nessa noite, o silêncio reinava a sala de jantar. O único som eram dos talheres batendo no prato. Belinda segurava uma terrina de sopa. Mexia a colher no caldo, assoprava e dava para dona Vitória.
- Olhe aqui, dona Vitória, só essa e acabou.
A velha senhora trancou os lábios. Seus olhos azuis faiscavam em cima da pobre Belinda, que não se aguentava de cansaço, mas que estava ali cumprindo sua obrigação. Cada vez que a colher se aproximava, Dona Vitória fazia uma careta e fechava a cara.
Para a velha senhora, aquela crioula gorda, que nunca viu na vida, estava tentando te envenenar para roubar suas joias. Se ela achava que ia cair naquela armadilha, estava redondamente enganada. Daqui a pouco Teodoro chegaria da Câmara e se livraria dela.
- Ah, dona Vitória - disse Belinda, arfando como se tivesse corrido dez quilômetros. - Colabora!
- Vai, mãe - disse Vera. - Belinda não pode ficar aqui sentada enquanto espera sua boa vontade pra comer.
Dona Vitória olhou furiosa de Belinda para sua filha. E mantinha os lábios cerrados.
Onde foi que a puseram? Teodoro devia estar em mais uma das suas viagens eleitorais. Quando voltasse, ia ter uma conversa muito séria com ele. Esse negócio de deixa-la na casa com seus eleitores tinha que acabar!
Belinda pousou a terrina sobre a mesa e disse:
- Desculpe, dona Vera. Desisto. Estou exausta!
Vera disse, zangada:
- Mamãe tem que se alimentar, Belinda. Tenta forçar mais um pouco.
Aurélio se intrometeu:
- Verinha, sua mãe não quer comer nada. E Belinda não está nada bem.
Vera fuzilou o marido com um olhar gélido:
- Ninguém pediu sua opinião, Aurélio. Continue comendo, é o melhor que faz.
Aurélio baixou a cabeça.
- Não fala assim com meu pai! - Anabela disse, zangada.
- O assunto não chegou ainda na creche. Não quero mais ouvir nenhum pio durante o jantar. Comam em silêncio. - Vera desviou sua atenção para a empregada. - Vai, Belinda, tenta novamente. Minha mãe não pode dormir de barriga vazia.
Belinda pegou a terrina no exato instante que soou um chamado de celular. Ela pegou no bolso do seu avental, ignorando a cara feia da sua patroa. Atendeu.
- Alô!
- Quantas vezes vou repetir que na mesa de jantar é expressamente proibido atender qualquer chamado de telefone? - disse Vera, furiosa.
Pela primeira vez em 30 anos, Belinda ignorou a patroa:
- Alô... sim, sou eu... oi, Bené. Sei... ah, que bom... ela está precisando, né... hum... falou que o salário não é... ah, falou... ótimo... e que ela precisa dormir aqui... sem problema? Folga duas vezes por mês... é, nos domingos...mas isso tem que tratar antes... dona Vera é uma patroa bastante exigente... - Belinda olhou de soslaio para a patroa, que enfim calara a boca e prestava atenção na sua conversa. - Claro que tudo vai ser explicado... ela é exigente mas também justa - dessa vez Vera sorriu, lisonjeada. - Sim, vou perguntar pra ela... e te ligo depois.
Belinda desligou o celular. Vera, curiosa, perguntou:
- E aí?
- Bené... minha irmã...
- Sei que é sua irmã. Ela já fez uns bicos aqui durante suas férias!
- Então... uma amiga dela tem uma sobrinha que está precisando trabalhar.
- Ela é de confiança? - Vera perguntou, desconfiada.
- Eu não a conheço pessoalmente, mas conheço essa amiga da minha irmã desde de criança...
- Ela é muito nova? Sabe que as meninas de hoje não querem nada com trabalho...
Belinda deu de ombros.
- Não sei, dona Vera. A senhora vai ter que ver na hora que for entrevista-la.
Vera cortou um pedaço de carne assada e mastigou-o lentamente. Ela disse:
- Olha, sei que é exigir muito encontrar uma doméstica tão eficiente como você, Belinda. Não se encontra mais empregadas domésticas como antigamente. Mas se essa menina fizer as tarefas com um mínimo de erro, vou acabar lucrando.
Vera apontou o garfo na direção da sua mãe e completou:
- Espero que mamãe não estranhe.
Do jeito que dona Vitória se encontrava, até um parente mais próximo era um estranho para ela.
Dona Vitória pressentiu que falavam dela. Agarrou os braços da cadeira de rodas e cerrou mais ainda os lábios. Sabia que aquelas duas estavam conspirando para que ela tomasse aquele caldo envenenado. Tinha que ficar bastante esperta para não ser pega de surpresa!
- Liga para sua irmã e peça que a menina venha aqui em casa no sábado de manhã.
Belinda não esperou nem um segundo; deu um redial e ouviu a voz da sua irmã no outro lado.
- Fala com ela para vir sábado.
- Como ela se chama? - Perguntou Vera.
Belinda perguntou e disse:
- O nome dela é Fernanda.
Graças à Deus, pensou Belinda. Agora podia se tratar decentemente. E se aposentar também.
- Vamos ver como é essa menina- Vera resmungou enquanto mastigava. -   Fernanda...

Continua...

No próximo capítulo: Antes de dormir, Vera quer conversar com o marido. Mas Aurélio não é o tipo de cara que discute relação.

Rogerio de C. Ribeiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário