O
jantar no casarão era obrigatório; todos dias a mesa era preparada
para a refeição das oito horas. Vera exigia que todos estivessem presentes, cada um sentado em seu devido lugares na hora certa. E a comida não podia ser requentada do almoço; Belinda tinha que cozinhar novamente.
Só houve uma mudança no lugar das cadeiras. Já que Dona Vitória não sentava mais na cabeceira, o lugar agora era ocupado por Vera. Aurélio ficava à sua esquerda, seguido por
Anabela, Juninho e Dequinha. Pelo lado direito, dona Vitória ficava sentada em sua
cadeira de rodas e Belinda ao seu lado, lhe dando colheradas de sopa.
Na
ponta oposta da cabeceira, a cadeira estava vazia. Era o lugar do seu Teodoro. Ficou
como uma espécie de santuário. Belinda deixava um prato com talheres na mesa, como se
ele ainda participasse. Ordem da Vera.
Nessa
noite, o silêncio reinava a sala de jantar. O único som eram dos talheres
batendo no prato. Belinda segurava uma terrina de sopa. Mexia a colher no
caldo, assoprava e dava para dona Vitória.
-
Olhe aqui, dona Vitória, só essa e acabou.
A
velha senhora trancou os lábios. Seus olhos azuis faiscavam em cima da pobre
Belinda, que não se aguentava de cansaço, mas que estava ali cumprindo sua obrigação.
Cada vez que a colher se aproximava, Dona Vitória fazia uma careta e fechava a
cara.
Para
a velha senhora, aquela crioula gorda, que nunca viu na vida, estava tentando
te envenenar para roubar suas joias. Se ela achava que ia cair naquela
armadilha, estava redondamente enganada. Daqui a pouco Teodoro chegaria da Câmara
e se livraria dela.
-
Ah, dona Vitória - disse Belinda, arfando como se tivesse corrido dez quilômetros. -
Colabora!
-
Vai, mãe - disse Vera. - Belinda não pode ficar aqui sentada enquanto espera
sua boa vontade pra comer.
Dona
Vitória olhou furiosa de Belinda para sua filha. E mantinha os lábios cerrados.
Onde
foi que a puseram? Teodoro devia estar em mais uma das suas viagens eleitorais.
Quando voltasse, ia ter uma conversa muito séria com ele. Esse negócio de
deixa-la na casa com seus eleitores tinha que acabar!
Belinda
pousou a terrina sobre a mesa e disse:
-
Desculpe, dona Vera. Desisto. Estou exausta!
Vera
disse, zangada:
-
Mamãe tem que se alimentar, Belinda. Tenta forçar mais um pouco.
Aurélio
se intrometeu:
-
Verinha, sua mãe não quer comer nada. E Belinda não está nada bem.
Vera
fuzilou o marido com um olhar gélido:
-
Ninguém pediu sua opinião, Aurélio. Continue comendo, é o melhor que faz.
Aurélio
baixou a cabeça.
-
Não fala assim com meu pai! - Anabela disse, zangada.
-
O assunto não chegou ainda na creche. Não quero mais ouvir nenhum pio durante o
jantar. Comam em silêncio. - Vera desviou sua atenção para a empregada. - Vai,
Belinda, tenta novamente. Minha mãe não pode dormir de barriga vazia.
Belinda
pegou a terrina no exato instante que soou um chamado de celular. Ela pegou no
bolso do seu avental, ignorando a cara feia da sua patroa. Atendeu.
-
Alô!
-
Quantas vezes vou repetir que na mesa de jantar é expressamente proibido
atender qualquer chamado de telefone? - disse Vera, furiosa.
Pela
primeira vez em 30 anos, Belinda ignorou a patroa:
-
Alô... sim, sou eu... oi, Bené. Sei... ah, que bom... ela está precisando,
né... hum... falou que o salário não é... ah, falou... ótimo... e que ela
precisa dormir aqui... sem problema? Folga duas vezes por mês... é, nos
domingos...mas isso tem que tratar antes... dona Vera é uma patroa bastante
exigente... - Belinda olhou de soslaio para a patroa, que enfim calara a boca e
prestava atenção na sua conversa. - Claro que tudo vai ser explicado... ela é
exigente mas também justa - dessa vez Vera sorriu, lisonjeada. - Sim, vou
perguntar pra ela... e te ligo depois.
Belinda
desligou o celular. Vera, curiosa, perguntou:
-
E aí?
-
Bené... minha irmã...
-
Sei que é sua irmã. Ela já fez uns bicos aqui durante suas férias!
-
Então... uma amiga dela tem uma sobrinha que está precisando trabalhar.
-
Ela é de confiança? - Vera perguntou, desconfiada.
-
Eu não a conheço pessoalmente, mas conheço essa amiga da minha irmã desde de
criança...
-
Ela é muito nova? Sabe que as meninas de hoje não querem nada com trabalho...
Belinda
deu de ombros.
-
Não sei, dona Vera. A senhora vai ter que ver na hora que for entrevista-la.
Vera
cortou um pedaço de carne assada e mastigou-o lentamente. Ela disse:
-
Olha, sei que é exigir muito encontrar uma doméstica tão eficiente como você,
Belinda. Não se encontra mais empregadas domésticas como antigamente. Mas se
essa menina fizer as tarefas com um mínimo de erro, vou acabar lucrando.
Vera
apontou o garfo na direção da sua mãe e completou:
-
Espero que mamãe não estranhe.
Do
jeito que dona Vitória se encontrava, até um parente mais próximo era um
estranho para ela.
Dona
Vitória pressentiu que falavam dela. Agarrou os braços da cadeira de rodas e
cerrou mais ainda os lábios. Sabia que aquelas duas estavam conspirando para
que ela tomasse aquele caldo envenenado. Tinha que ficar bastante esperta para
não ser pega de surpresa!
-
Liga para sua irmã e peça que a menina venha aqui em casa no sábado de manhã.
Belinda
não esperou nem um segundo; deu um redial e ouviu a voz da sua irmã no outro lado.
-
Fala com ela para vir sábado.
-
Como ela se chama? - Perguntou Vera.
Belinda
perguntou e disse:
-
O nome dela é Fernanda.
Graças
à Deus, pensou Belinda. Agora podia se tratar decentemente. E se aposentar
também.
-
Vamos ver como é essa menina- Vera resmungou enquanto mastigava. - Fernanda...
Continua...
No próximo capítulo: Antes de dormir, Vera quer conversar com o marido. Mas Aurélio não é o tipo de cara que discute relação.
Rogerio de C. Ribeiro
Continua...
No próximo capítulo: Antes de dormir, Vera quer conversar com o marido. Mas Aurélio não é o tipo de cara que discute relação.
Rogerio de C. Ribeiro
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