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segunda-feira, 18 de agosto de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 12

Nos capítulos anteriores: Na semana passada,  Vera fica satisfeita com o desempenho da nova empregada. Aurélio recebe uma proposta de cem mil reais para convencer sua esposa em vender o casarão. Dona Vitória emite algumas palavras e Vera fica emocionada. Aurélio sai do seu quarto e sem querer esbarra com a nova empregada no corredor.

 Aurélio passou no quarto das meninas. Juninho e Anabela estavam embaixo do lençol, com a lanterna ligada, enquanto Dequinha dormia abraçada com uma boneca caolha. Ele desejou boa noite e quando fechou a porta, o celular vibrou dentro do bolso da sua calça jeans.
- Alô! - disse Aurélio. Não reconheceu o número. 
- Boa noite, Aurélio! Xavier! - Exclamou o narigudo, no outro lado da linha.
- Sabe que horas são? - Aurélio sussurrou, zangado.
- Não... não tenho tempo pra olhar relógio! - Soltou uma gargalhada.
- O que você quer?
No outro lado da linha veio um som de nariz fungando e uma voz rouca:
- O que eu quero? Ainda pergunta?
- Xavier, não tive tempo pra convence-la ainda!
- Cara!!!! Parece até que não gosta de grana!
- Não é isso, foi falta de oportunidade...
Aurélio afastou o celular da orelha. No outro lado, Xavier berrou:
- Então arruma a porra dessa chance! Cara, meu cliente tá me pressionando direto me ligando de cinco em cinco minutos pra saber a resposta! Porra! Se ele me pressiona, vou te pressionar também! Tu não quis entrar na parada? Não tá saindo de graça pra você, merda!
- Eu entrei e já te falei que vou fazer o possível...
- Faça o impossível então, merda!
Aurélio disse:
- Estou saindo do quarto das minhas filhas. Me liga amanhã.
Aurélio ouviu um "Snif" e a voz de Xavier:
- Tenha certeza absoluta que vou ligar! Tem muita grana em jogo, irmão! Tanto pra tu como pra mim. E não tô afim de perder essa bolada!
- Ninguém vai perder, te garanto. Amanhã. Liga amanhã.
Desligou e colocou o celular de volta no bolso da calça jeans. Caminhou em frente e saiu na sala principal.
Vera tinha uma pasta aberta e folheava um calhamaço de papéis. Ela levantou a cabeça, tirou os óculos e comentou:
- Minha cabeça tá doendo!
- Lendo com essa lâmpada amarela... isso estraga qualquer vista.
Ele puxou uma cadeira e sentou-se ao lado dela. Vera largou a pasta em cima das outras e, intrigada, perguntou:
- O que você quer?
Aurélio se fez de desentendido:
- Por quê?
Vera esticou o corpo na cadeira. Os seus óculos eram presos com uma fita e ficou pendurado na altura dos seios.
- Te conheço não é de hoje, Aurélio. Você passou o jantar inteiro com essa cara preocupada. Vamos, não esconda.
- Eu quero falar uma coisa, mas já conversamos antes e...
- Já sei! Mais uma vez me engabelou e continua naquele muquiço de imobiliária. Aquele papo que ia trabalhar na Patrimóvel era mentira...
- Não é isso! Estive na Patrimóvel de Icaraí, mas ainda não encontrei o gerente... O assunto é aquele que falamos naquele dia...
- O quê? Da venda do casarão? Já não deixei bem claro que não vou vender a casa em hipótese nenhuma?
Aurélio tremia por dentro. Tremia de raiva, mas buscava forças para não explodir. Seria pior, aí mesmo que Vera ficaria irredutível.
- Verinha... - sua voz soou calma, - já parou um momento pra dar uma olhada nos vazamentos? E nas infiltrações? Nunca esbarrou com uma ratazana na varanda que nunca tem luz? Acha mesmo justo que nossos filhos vivam nesse mausoléu abandonado só porque foi seu pai quem o construiu há trezentos anos?
- Esse foi o único patrimônio que papai deixou de herança!
- Um patrimônio endividado! Isso aqui é um elefante branco! Hoje você tem na mão uma grande chance de passar isso para frente. Não é toda hora que surge uma pessoa interessada em pagar uma quantia considerável por uma casa caindo aos pedaços! Se você não aproveitar essa oportunidade, que é única, amanhã pode se arrepender, e muito, da sua teimosia!
O jeito que Vera o escutava, no mais completo silêncio, animou Aurélio. Talvez agora ela estivesse pesando na balança depois do argumento que apresentou. Vera pegou um lápis, batucou com o lado da borracha na mesa e depois que pensou em algo, disse:
- O que está ganhando com isso, Aurélio?
O coração dele disparou. Suas mãos suaram. Ele disfarçou.
- Vera? Não entendi...
Vera mordeu a ponta do lápis e não tirou os olhos em cima do marido.
- Eu não sou boba, nem trouxa, Aurélio. Te conheço muito bem. Quanto vai levar na venda da casa?
Ele ganiu:
- Eu???? Nada!!!
- Tá muito interessado nessa venda. Até duas semanas atrás nem tocava nesse assunto. Agora, só fala nisso.
- Pô, Vera! Como pode ser tão injusta? - Ele buscava uma resposta rápido, antes que botasse tudo a perder. - Sempre fiquei pensando nisso. Só não falei antes porque nunca apareceu ninguém interessado na casa. Mas agora há!
- E como você sabe que tem alguém interessado? Não falei com ninguém...
Aurélio sentiu uma dor queimando suas costas. Era o estresse.
- Verinha... sei que não falou comigo. Um dia, cheguei em casa mais cedo. Belinda falou comigo que tinha um homem querendo falar com o dono da casa. Fui lá ver quem era. Vi um cara grandalhão com um enorme nariz no portão. Ele me disse o que queria e eu respondi que não podia fazer nada, era só com minha esposa. Ele deu as costas e foi embora.
- E não me disse nada...
- Não disse porque esqueci. Sei lá por quê não falei... Não me meto com coisas que não é da minha alçada, meu amor. E pelo que vi do sujeito narigudo, achei que ele ia te procurar...
- Procurou. E botei ele porta afora. Cara chato! Não fui com a cara dele. Achei ele com um jeito de bandido...
- Imaginação sua. Ele me pareceu bem normal.
Vera pegou a pasta com os processos e disse:
- Não sei não... é muito difícil me enganar com as pessoas. Mas deixa pra lá. Tem minha resposta: Posso me arrepender amanhã, mas não existe nenhuma possibilidade de que eu venda a casa que meu pai deixou para nossa família. E fim de assunto! Preciso ler esse o processo. Vou ter uma audiência que não vai ser mole. Me deixe aqui sossegada, vá ler um livro.
Ela enfiou os óculos na cara e voltou na leitura. Aurélio se afastou e foi para a varanda. O ar da noite estava fresco com uma leve brisa que sacudia seus cabelos. Tateou o bolso da calça e pegou um maço amassado de Derby. Acendeu um cigarro e soprou a fumaça para o alto. Não fumava muito, só quando ficava ansioso. Como agora. Sua ansiedade quase botou tudo a perder. Ia dizer isso ao Xavier amanhã. Não adiantava aquela pressão toda, seria pior. Precisava usar da sua astúcia de vendedor. Quando tinha um cliente na sua frente que só dizia não, o que fazia? Dava as costas e ia embora? Não! Garimpava o cliente como se fosse uma pedra bruta até que conseguisse atingir o ponto crucial, a hora do sim.
Vera precisava ser dilapidada lentamente. Uma hora ia aceitar seus argumentos e diria sim. Depois disso, teria sua recompensa.
As luzes de neon dos postes enfileirados rua abaixo mostravam várias casas. O casarão que morava era no final da rua com uma vista privilegiada para a rua que descia até a avenida principal. Talvez no século passado essa casa fosse a mais importante da cidade. Agora era um depósito de velharias e quase caindo aos pedaços.
Aurélio terminou o cigarro e jogou-o no gramado em frente. Um rato passou correndo e se escondeu em algum canto perto do muro. Aurélio ameaçou dar a volta e viu um homem subindo a rua. Ficou curioso. A maioria dos moradores subiam a rua de carro, talvez fosse alguém procurando um número...
De onde estava não podia ver como era o sujeito. Ele olhava as casas, parou - com certeza bem cansado pela subida - acendeu um cigarro e deu meia-volta e desceu a rua.
- Alguém que deve estar perdido. Mas que lugar para errar de rua!
Ele deu as costas e entrou.

Continua...

No próximo capítulo: Domingo ensolarado. Uma conversa no jardim e um passeio ao parque.

Rogerio de C. Ribeiro

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