- Hoje não tô pra brincadeiras!
- Vamos... Larga de ser uma menina má... vem aqui...
Vera ia negar, mas aquele membro enrijecido começou a afrouxar suas negativas. Realmente, fazia bastante tempo que ele não ficava daquela forma. E aquela podia ser uma única oportunidade...
- Então venha... - disse Vera, melosa.
Mal
entrou na imobiliária, Rezende, um corretor barrigudo e de grandes bigodes,
avisou com seu vozeirão:
-
Um sujeito te ligou duas vezes seguida, Aurélio e não quis deixar recado.
Aurélio
sabia quem era esse sujeito. Acomodou-se na pequena mesa que usava, verificou
se tinha algum recado de cliente e depois colocou seu celular e seu maço de
cigarros sobre a mesa.
-
Perguntei se era cliente, mas o cara não falou nada.
-
Acho que sei quem é - comentou Aurélio, distraído. Pegou o jornal O Dia dentro
da sua pasta e abriu na página de esportes.
Começava
mais um dia na sua tediosa rotina na imobiliária. Além dele, mais três
corretores dividiam o pequeno espaço do escritório: Rezende, Moreira e o
Viriato, todos da velha guarda, rodados na estrada da corretagem. O
"trabalho" deles na imobiliária era apenas passar o tempo; raramente
aparecia um cliente e quando isso acontecia, eles disputavam a tapa ou no
palitinho. No mais, cada um contava suas histórias dos tempos áureos do ramo
imobiliário em Niterói.
Rezende
era um deles. Refestelado na sua cadeira, esticando as pernas e coçando o saco,
vivia repetindo a mesma ladainha de sempre:
-
Bom mesmo foi nos tempos da expansão imobiliária dos anos sessenta e setenta.
Esses sim, foram os melhores anos para investimentos. Todo dia aparecia uma
obra em construção. O pessoal do Rio vinha pra comprar salas comerciais,
apartamentos, quitinetes, tudo a preço de banana! Lembro de uma vez que vendi
dez apartamentos numa tacada só em um dia! Um dia! Hoje em dia uma coisa dessa
é impossível! Cheguei no ponto de ir na imobiliária só pra pegar minhas
comissões. Um paco de dinheiro, gente! Pena que era muito jovem... mas não
posso me queixar.
-
Quando a gente é jovem acha que a maré boa vai ser pra sempre - filosofou
Viriato, um sujeito de pescoço magro. A gola da sua camisa era igual aos dos
palhaços de circo e a gravata chegava no cinto da calça. - Também ganhei muito
dinheiro nesse período de vacas gordas. Minha sorte foi que a dona Patroa
monopolizava todo dinheiro que entrava na casa. Até hoje ela é assim, linha
dura. Se não fosse ela, não teria comprado nosso apartamento em Santa Rosa.
-
Você tem sua esposa pra controlar, mas eu tive quatro mulheres e nenhuma pensou
em economizar nada - lamentou Moreira. Ele era gordinho, de cabelos ralos e
usava óculos de lentes grossas. - Por isso hoje estou sozinho. Nada de mulher
na minha vida. Só agora que consigo economizar alguma coisa... e meus filhos
estão crescidos, trabalham e ainda me ajudam.
Aurélio
ouvia aquelas lamentações todos dias. Também tinha seus problemas pessoais, mas
não dividia com os colegas. Para eles, Aurélio era um cara de sorte, casado com
a filha do vereador Teodoro Paranhos e morava em um casarão na área nobre de
Niterói. Mal sabiam o que se passava na cabeça de Aurélio, da proposta
tentadora que recebeu para convencer sua mulher em vender o mausoléu. E da
dificuldade de ter sucesso naquela empreitada.
O
telefone tocou e Aurélio atendeu. Deixou o jornal na mesa e disse:
-
Alô. Imobiliária Orestes, em que posso ajudar?
-
É Aurélio que tá falando?
-
Sim, sou eu.
A
voz no outro lado da linha era anasalada:
-
Sou eu, cara. Xavier. Pô, é mais fácil falar com o Papa que com você.
-
Ainda não tenho novidades pra te dar, Xavier.
-
Porra! O cliente me ligou agorinha a pouco! Ele precisa de um xeque mate pra
situação!
-
Ainda não teve xeque mate nenhum. Você viu como ela é.
-
Vi. Mas ela não me conhece. Já você é o marido dela... eu acho...
-
Xavier, sem piadinhas, por favor. Estou tão ansioso como você nessa missão.
-
Não parece.
-
Acredite, estou. Só se fosse maluco em não gostar de dinheiro.
-
Tem como dar um pulinho no meu escritório? Fica aqui na Amaral Peixoto, perto
do Bradesco. Não gosto de telefones. Paranoia minha. Tantas
reportagens que passam na tevê com telefonemas grampeados pela justiça...
-
Não precisa ficar preocupado com o telefone da imobiliária. Aqui ninguém tem
interesse em saber o que a gente fala.
-
Não é do seu telefone que me preocupo, é o meu. Vai, anota o número do prédio e
da sala.
Aurélio
anotou em pedaço de papel que rasgou do jornal e disse:
-
Estou indo agora. - Desligou o telefone e disse aos corretores ociosos - Vou
dar uma saidinha e já volto.
-
Se alguém te ligar, o que falo? - Perguntou Rezende.
-
Ninguém vai me ligar. Pelo menos agora de manhã - respondeu Aurélio. Esse
alguém era Vera, mas ela devia estar no Fórum a essa hora.
Aurélio
desceu os dois andares de escada. Não confiava muito no elevador com porta
pantográfica pré-histórica do prédio; por várias vezes ficou preso e em uma
dessas vezes esperou por quase duas horas que o mecânico tivesse a boa vontade
de resgata-lo.
Saiu
do prédio e foi caminhando devagar pela avenida com sua cabeça a mil. Xavier
não tinha necessidade de pressiona-lo daquele jeito. O interesse também era
seu. Não via a hora de embolsar a grana e dar um até logo para Vera e suas
neuroses.
Ontem
à noite a excitação foi tão grande que não teve alternativa. Já que a esposa
estava ali deitada ao lado, dando sopa, com ela mesmo que se aliviou. Não
sentia o mínimo desejo pela mulher. Ontem, imaginou que transava com a nova
empregada.
E
teve um orgasmo que nunca experimentara antes! Coitada da Vera. Ela achando que
todo prazer era por sua causa!
A
relação deles começou a decair no momento que ela jogou na sua cara dizendo que
ele era um banana. Que não tinha ambição na vida. Que não servia nem como homem.
Aurélio
foi engolindo todas ofensas sem responder nenhuma delas. Quanto mais Vera o
humilhava, às vezes em público, ele ignorava. Engolia calado. Intimamente
rezando que um dia sua vida desse uma reviravolta, e que ele pudesse, aí sim,
se vingar de tudo, com juros e correção.
E
não foi que Papai do Céu apontou um dedo para ele e disse: "Chegou sua
hora, Aurélio!" Agora tinha a oportunidade nas mãos, cabia a ele que essa
oportunidade não escorresse pelo seus dedos.
Entrou
no prédio comercial que Xavier trabalhava e pegou o elevador. Esse era moderno
e tinha ascensorista. Segundos depois, saltou no andar que pediu. Procurou a
sala, olhando os números de várias portas através de um corredor imenso e
sinuoso. Finalmente achou a sala, 1229. Viu a campainha e um aviso escrito
acima: NÃO É NECESSÁRIO ESQUECER O DEDO NA CAMPAINHA. AQUI NÃO TEM NENHUM SURDO.
Mal
tocou na campainha e a porta abriu. Um sujeito magro, de camisa aberta no peito
e ostentando um imenso cordão de ouro com um crucifixo pendurado, perguntou:
-
Pois não?
-
Vim falar com Xavier - respondeu Aurélio. - Ele está à minha espera.
Aurélio
sentiu que o homem o avaliava. Quando o homem falou, mostrou que tinha um dente
de ouro no lugar do canino.
-
Acho que tá te esperando sim - disse o homem, abrindo mais a porta. Aurélio
passou por ele e parou em um cubículo. Ali só tinha uma mesinha, e sobre ela,
uma revista "As Brasileirinhas", aberta pelo meio, mostrando duas
mulheres, uma morena e uma negra, completamente nuas. Uma foto de página
inteira mostrava a negra com sua cara enfiada entre as pernas da morena, que
tinha os olhos revirados e pelo biquinho na boca, devia estar uivando.
Na
frente de Aurélio havia outra porta que abriu de repente. Um sujeito de cabeça
raspada, olhos claros e o braço esquerdo tatuado apareceu. Aurélio se
identificou novamente e o gigante deu passagem. Aurélio entrou em uma sala sem
janelas e sentado na mesa, Xavier segurava uma pistola.
O
coração de Aurélio disparou feito louco quando viu a arma. Xavier notou o
pânico estampado no rosto do corretor e riu.
-
Cara, tu tá mais branco que papel! Pode deixar que a pistola não é pra você!
O
careca que parecia um armário duplex, gargalhou e o sujeito de camisa aberta
disse:
-
Parede, vá lá fora, temos um assunto com o amigo aqui.
"Tem
tudo a ver o apelido com o tamanho do cara!", pensou Aurélio, com as
pernas bambas. Xavier colocou a pistola em cima da mesa e disse:
-
Puxe uma cadeira pra cá, Aurélio. Maresia, me pega aquele papel.
O
cara de camisa aberta, que Xavier chamou de Maresia, puxou a gaveta superior de
um armário e dedilhou algumas pastas até que encontrou o que queria. Tirou um
papel ofício timbrado e entregou a Xavier.
O
narigudo passou os olhos no que estava escrito e disse:
-
Dê uma lida nisso aqui, Aurélio, e depois me fala o que acha.
Aurélio
pegou o papel que Xavier entregou e leu. Era uma pequena nota. Dizia:
"EU,
PEDRO IBAÑES, NATURAL DE MADRI, ESPANHA, RESIDENTE NO BRASIL HÁ 40 ANOS,
DECLARO A QUEM INTERESSAR QUE TENHO INTERESSE NA AQUISIÇÃO DA CASA E DO TERRENO
NA RUA PRINCESA ISABEL NÚMERO 239, BAIRRO DE FÁTIMA, PARA CONSTRUIR NAQUELE
LOCAL O EDIFÍCIO RESIDENCIAL MADRE IBAÑES. NO INTUITO DE MANTER AS NEGOCIAÇÕES
TRANSPARENTES, AFIRMO QUE EM CASO DA COMPRA DO DITO TERRENO, CONCEDEREI UM
BÔNUS DE R$ 100.000,00 (CEM MIL REAIS) LIVRE DE IMPOSTO, SEM CONTAR A COMISSÃO
DE CINCO POR CENTO NO VALOR PROPOSTO PARA A CASA. PARA FIRMAR O COMPROMISSO,
ASSINEI E REGISTREI EM CARTÓRIO PARA QUE NÃO HAJA NENHUMA DÚVIDA."
-
Sem mais, Pedro Ibañes - leu Aurélio. Estendeu o documento para Xavier e
continuou: - Eu não duvidei da sua palavra, Xavier. Não havia necessidade para
isso tudo.
-
Em negócios, um documento registrado sempre é bem vindo. Pode ficar com esse
papel, é uma cópia. O original está com ele.
Aurélio
dobrou o papel e guardou-o no bolso da calça. Xavier disse:
-
Maresia está aqui como testemunha que você recebeu o documento. Posso crer que
é mais um incentivo para sua missão.
-
Estou tentando.
-
E vai conseguir. Quando meu cliente quer uma coisa, sempre consegue. Agora a
meta principal dele é o casarão.
-
Me dê uma semana. Farei com que Vera mude de ideia.
Xavier
pegou a pistola e guardou-a na gaveta. Diante do espanto de Aurélio, explicou:
-
Eu não queria te intimidar. Longe disso. Além do meu trabalho com esse cliente,
tenho outros negócios também.
-
Se um dia precisar de uma grana emprestada, pode nos procurar. - disse Maresia.
Xavier
bateu com a mão espalmada na mesa e berrou:
-
Que dinheiro emprestado o quê, zé ruela! Nosso amigo vai embolsar uma grana de
responsa!
-
Eu sei, chefia, mas nunca sabe do dia de amanhã...
Xavier
esfregou o narigão furioso e disse para Aurélio:
-
Esse Maresia é um maresia mesmo. Bem, acho que você tem suas coisas pra fazer.
Eu também tenho. Uma delas é falar com o sr. Ibañes que você pediu uma semana.
Aurélio
se levantou e disse:
-
Te ligo.
Maresia
abriu a porta e Aurélio saiu. Depois que fechou a porta, perguntou:
-
E aí, o que achou?
Xavier
abriu a gaveta da mesa e pegou um saquinho cheio de pó branco. Despejou um
pouco na mesa e separou quatro carreiras com um cartão.
-
O trouxa caiu. O que um papel faz...
-
Até eu acreditaria - comentou Maresia, sentando na cadeira. Xavier aspirou com
uma nota de vinte enrolada duas carreiras e disse:
-
Larga de ser babaca! Viu algum carimbo no papel? Uma autenticação?
-
Não...
-
Então! E acha mesmo que Ibañes vai pagar cem contos só porque o cara é marido
da vagaba? Também não. Nem sei se vai ganhar os cinco por cento...
Maresia
riu.
-
Na hora que ele me ligar dizendo: Minha mulher concordou; o sr. Ibañes vai em
pessoa falar com ela. Assim economiza na corretagem!
Xavier
passou o dedo com cocaína nos dentes e murmurou:
-
Agora entendeu porque entrei nesse jogo todo? Pra que o sr. Ibañes faça tudo na
tranquilidade. Se o idiota vier em cima, nós entramos em ação!
Continua...
No
próximo capítulo: Fernanda bate de frente com as crianças
Rogerio
de C. Ribeiro
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