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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 5

No capítulo anterior: Vimos Vera tentando conversar com Aurélio. Mas ele não quer discutir relação e ainda promete algo que ela não acredita mais. Vera lembra que no passado seu pai era contra o relacionamento dos dois e por teimosia, ela engravidou de Aurélio e assim acabaram se casando.

- Um... dois...nove...quatro...dois... Lá vou eu!
Dequinha tirou as mãos dos olhos. Estava no jardim, ao lado de uma mangueira. Ainda não era época de manga espada, agora o que tinha eram só folhas secas esturricando ao sol. A menina ficou parada ao lado da árvore, tentando imaginar onde eles podiam estar escondidos.
Pisou em cima das folhas secas, que emitiram sons estalados. Dequinha tinha medo de ficar sozinha naquele jardim gigantesco. Aos seus olhos infantis, tudo era tenebroso, misterioso, assustador. Ergueu o rostinho corado e viu que a janela da cozinha estava aberta. Será que eles se esconderam ali?, pensou ela. Não podia! O combinado foi que iam se esconder no jardim. Mas parece que todo mundo sumiu! E agora ela estava sozinha naquela imensidão de folhas mortas e gramas gigantescas!
Pelo lado esquerdo da mangueira havia o antigo canil. Sua mãe contara para eles que o pai dela - Dequinha só conhecia o avô pelo retrato na parede na sala - criava três cachorros ali. Em sua imaginação fértil, via um velho brincando com três cachorros pretos de dentes pontiagudos e com uma baba viscosa na língua. Aquele lugar sempre a deixava arrepiada. Sua mãe aconselhava:
- Não entrem no canil! A gente não sabe o que pode ter lá dentro!
Aos olhos de Dequinha, o canil era o lugar mais misterioso da casa. Tinha uma cerca que delimitava os muros laterais; o portão vivia escancarado depois que o cadeado que o trancava sumiu. Lá dentro, haviam duas casinhas de madeira. Cupins fizeram seu trabalho, deixando as madeiras carcomidas.
- Não é possível que eles tenham se escondido ali... - disse Dequinha, ainda paralisada ao lado da árvore. - Mamãe disse que ali tem bichos!
Dequinha tentou escutar algum som. Às vezes Juninho ficava dando risadinhas enquanto se escondia. O único barulho que ouviu foi das folhas se remexendo ao sabor do vento.
Ela virou-se assustada. Atrás dela havia um portão que levava para a garagem. Talvez eles estejam lá...
Tomou coragem e caminhou lentamente para o portão. Não podia se descuidar porque eles podiam estar escondidos no canil, e assim que ela se afastasse muito, não ia conseguir bater na árvore quando os achasse.
Quando ela estava a vinte metros da árvore, ouviu:
- Uhhhhhhhhhh....
Dequinha arregalou os olhos.
- O-Onde vo-vo-vocês estão?
Nada. Ninguém respondeu. Dequinha, assustada, disse:
- Sei que vocês estão aí na garagem... eu tô vendo vocês - mentiu ela, com esperança que Anabela ou Juninho aparecessem. Mas da garagem vazia, não houve nenhum barulho e nem aquela risadinha irritante do irmão.
Sentiu seus olhos marejando. Se começasse a chorar agora, aí mesmo que eles iam rir dela. Ia mostrar para eles que era uma menina corajosa! Mais corajosa que Anabela!
Só que Dequinha tinha quatro anos, e as meninas nessa idade ainda não conseguem ser totalmente corajosas.
Da janela da cozinha, Dequinha viu uma sombra na parede. Pelo tamanho, devia ser Belinda. A menina ouviu sua mãe falando com o seu pai que Belinda ia embora. Dequinha contou para seus irmãos, e Juninho dissera:
- É! Ela vai embora porque tá morrendo!
Uma tristeza profunda tomou conta na menina. Belinda sempre cuidou dela, desde que nasceu. Ela gostava das histórias que Belinda contava, e muitas vezes dormiu assim. Ia ficar com saudades.
- Uma moça vem amanhã para trabalhar aqui - disse Anabela. Como era a irmã mais velha, julgava-se a mais inteligente entre os irmãos. - O nome dela é Fernanda.
- Não quero que Fernanda venha para cá - Dequinha resmungou. - Eu gosto da Belinda.
- É!!!! Todo mundo gosta dela, mas ela tá morrendo!!!! - Juninho tinha um prazer mórbido de repetir que a empregada ia morrer.
Agora, Dequinha estava defronte da garagem. Sentia-se sozinha naquele casarão. Belinda ia embora, sua mãe só trabalhava, seu pai só lia livros, sua avó estava maluca! E seus irmãos sumiram!
Ela respirou fundo e entrou na garagem. O lugar era sombrio e escuro. Antigamente, a garagem abrigava três carros, mas hoje só tinha o carro da sua mãe. No espaço vazio haviam caixas de papelão empilhadas com quinquilharias. Dequinha tinha medo do escuro. Talvez a palavra medo fosse suave demais... Pânico era a palavra mais certa!
Aos seus olhos infantis, aquelas caixas empilhadas pareciam que se mexiam. Sua mente fértil imaginou que ali dentro morassem monstros.
Ia sair dali, mas ouviu:
- Dequinhaaaaaaaaaa.....      
Ela arregalou os olhos.
- Vou pegar o seu pé...
A voz no escuro era assustadora. Medonha!
- Vem pra cá... veeeeeeeeeeeeeemmmmmmmmmmmmm!
Dequinha nem sentiu o líquido quente escorrendo pelas suas pernas. Ela gritou e saiu correndo da garagem.
Lá fora, ouviu a risadinha característica do seu irmão. Juninho e Anabela saíram detrás das caixas soltando gargalhadas. Apontaram para ela e Juninho zombou:
- É!!!!! Maria Mijona!!!!!
Lágrimas abundantes corriam pelas faces coradas da menina.
- Não valeu! Vou contar pra minha mãe!!!!
Juninho se dobrava de tanto rir. Ele tinha os dentes cavalares e amarelados, que sempre estavam sujos de biscoito ou balas.
- Mijona! Mijona! Mijona!
Anabela também ria, mas logo ficou com pena da irmã.
- Chega, Juninho...
O menino pouco se importou.
- Não tá vendo, ela se mijou toda! É!!!!!!!
Dequinha passou por eles correndo, galgou os degraus da escada e entrou na cozinha. Anabela recriminou:
- Viu o que você fez? Agora ela vai contar pra mamãe!
Juninho deu de ombros.
- Deixa ela falar! Não tô nem aí! É!!!! - Escancarou a boca cheio de dentes amarelos e gargalhou com vontade. - É!!!!!!!!

Continua...

No próximo capítulo: Vera entrevista Fernanda para o emprego de doméstica.

Rogerio de C. Ribeiro

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