-
Um... dois...nove...quatro...dois... Lá vou eu!
Dequinha
tirou as mãos dos olhos. Estava no jardim, ao lado de uma mangueira. Ainda não
era época de manga espada, agora o que tinha eram só folhas secas esturricando ao sol. A menina ficou parada ao lado da árvore, tentando imaginar onde eles podiam estar escondidos.
Pisou em cima das folhas secas, que emitiram sons estalados. Dequinha tinha medo de ficar
sozinha naquele jardim gigantesco. Aos seus olhos infantis, tudo era tenebroso,
misterioso, assustador. Ergueu o rostinho corado e viu que a janela da cozinha
estava aberta. Será que eles se esconderam ali?, pensou ela. Não podia! O
combinado foi que iam se esconder no jardim. Mas parece que todo mundo sumiu! E
agora ela estava sozinha naquela imensidão de folhas mortas e gramas
gigantescas!
Pelo
lado esquerdo da mangueira havia o antigo canil. Sua mãe contara para eles que
o pai dela - Dequinha só conhecia o avô pelo retrato na parede na sala - criava
três cachorros ali. Em sua imaginação fértil, via um velho brincando com três
cachorros pretos de dentes pontiagudos e com uma baba viscosa na língua. Aquele
lugar sempre a deixava arrepiada. Sua mãe aconselhava:
-
Não entrem no canil! A gente não sabe o que pode ter lá dentro!
Aos
olhos de Dequinha, o canil era o lugar mais misterioso da casa. Tinha uma cerca
que delimitava os muros laterais; o portão vivia escancarado depois que o
cadeado que o trancava sumiu. Lá dentro, haviam duas casinhas de madeira.
Cupins fizeram seu trabalho, deixando as madeiras carcomidas.
-
Não é possível que eles tenham se escondido ali... - disse Dequinha, ainda
paralisada ao lado da árvore. - Mamãe disse que ali tem bichos!
Dequinha
tentou escutar algum som. Às vezes Juninho ficava dando risadinhas enquanto se
escondia. O único barulho que ouviu foi das folhas se remexendo ao sabor do
vento.
Ela
virou-se assustada. Atrás dela havia um portão que levava para a garagem.
Talvez eles estejam lá...
Tomou
coragem e caminhou lentamente para o portão. Não podia se descuidar porque eles
podiam estar escondidos no canil, e assim que ela se afastasse muito, não ia conseguir
bater na árvore quando os achasse.
Quando
ela estava a vinte metros da árvore, ouviu:
-
Uhhhhhhhhhh....
Dequinha
arregalou os olhos.
-
O-Onde vo-vo-vocês estão?
Nada.
Ninguém respondeu. Dequinha, assustada, disse:
-
Sei que vocês estão aí na garagem... eu tô vendo vocês - mentiu ela, com
esperança que Anabela ou Juninho aparecessem. Mas da garagem vazia, não houve
nenhum barulho e nem aquela risadinha irritante do irmão.
Sentiu seus olhos marejando. Se começasse a chorar agora, aí mesmo que eles iam
rir dela. Ia mostrar para eles que era uma menina corajosa! Mais corajosa que
Anabela!
Só
que Dequinha tinha quatro anos, e as meninas nessa idade ainda não conseguem
ser totalmente corajosas.
Da
janela da cozinha, Dequinha viu uma sombra na parede. Pelo tamanho, devia ser
Belinda. A menina ouviu sua mãe falando com o seu pai que Belinda ia embora.
Dequinha contou para seus irmãos, e Juninho dissera:
-
É! Ela vai embora porque tá morrendo!
Uma
tristeza profunda tomou conta na menina. Belinda sempre cuidou dela, desde que
nasceu. Ela gostava das histórias que Belinda contava, e muitas vezes dormiu
assim. Ia ficar com saudades.
-
Uma moça vem amanhã para trabalhar aqui - disse Anabela. Como era a irmã mais
velha, julgava-se a mais inteligente entre os irmãos. - O nome dela é Fernanda.
-
Não quero que Fernanda venha para cá - Dequinha resmungou. - Eu gosto da
Belinda.
-
É!!!! Todo mundo gosta dela, mas ela tá morrendo!!!! - Juninho tinha um prazer
mórbido de repetir que a empregada ia morrer.
Agora,
Dequinha estava defronte da garagem. Sentia-se sozinha naquele casarão. Belinda
ia embora, sua mãe só trabalhava, seu pai só lia livros, sua avó estava maluca!
E seus irmãos sumiram!
Ela
respirou fundo e entrou na garagem. O lugar era sombrio e escuro. Antigamente,
a garagem abrigava três carros, mas hoje só tinha o carro da sua mãe. No espaço
vazio haviam caixas de papelão empilhadas com quinquilharias. Dequinha tinha
medo do escuro. Talvez a palavra medo fosse suave demais... Pânico era a
palavra mais certa!
Aos
seus olhos infantis, aquelas caixas empilhadas pareciam que se mexiam. Sua
mente fértil imaginou que ali dentro morassem monstros.
Ia
sair dali, mas ouviu:
-
Dequinhaaaaaaaaaa.....
Ela
arregalou os olhos.
-
Vou pegar o seu pé...
A
voz no escuro era assustadora. Medonha!
-
Vem pra cá...
veeeeeeeeeeeeeemmmmmmmmmmmmm!
Dequinha
nem sentiu o líquido quente escorrendo pelas suas pernas. Ela gritou e saiu
correndo da garagem.
Lá
fora, ouviu a risadinha característica do seu irmão. Juninho e Anabela saíram
detrás das caixas soltando gargalhadas. Apontaram para ela e Juninho zombou:
-
É!!!!! Maria Mijona!!!!!
Lágrimas
abundantes corriam pelas faces coradas da menina.
-
Não valeu! Vou contar pra minha mãe!!!!
Juninho
se dobrava de tanto rir. Ele tinha os dentes cavalares e amarelados, que sempre
estavam sujos de biscoito ou balas.
-
Mijona! Mijona! Mijona!
Anabela
também ria, mas logo ficou com pena da irmã.
-
Chega, Juninho...
O
menino pouco se importou.
-
Não tá vendo, ela se mijou toda! É!!!!!!!
Dequinha
passou por eles correndo, galgou os degraus da escada e entrou na cozinha.
Anabela recriminou:
-
Viu o que você fez? Agora ela vai contar pra mamãe!
Juninho
deu de ombros.
-
Deixa ela falar! Não tô nem aí! É!!!! - Escancarou a boca cheio de dentes
amarelos e gargalhou com vontade. - É!!!!!!!!
Continua...
No próximo capítulo: Vera entrevista Fernanda para o emprego de doméstica.
Rogerio de C. Ribeiro
Continua...
No próximo capítulo: Vera entrevista Fernanda para o emprego de doméstica.
Rogerio de C. Ribeiro
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