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sexta-feira, 1 de agosto de 2014

DESTINO:INCERTO CAPÍTULO 5

No capítulo anterior: Júlio ouviu barulho de sirenes vindo de fora. A mulata ainda falava do programa que tinha visto, e ele olhou a estrada pela janela ao lado do assento de Roberta. A sensação que sentiu foi confirmada agora. O pegaram. Não tinha como escapar dali, preso no engarrafamento, e não ia colocar sua filha em risco. Principalmente agora que soube que Elaine sobrevivera ao tiro

Seu maior erro foi ter atirado nela. Se só brigasse, saísse de casa, entrado na justiça - talvez nem precisasse tanto, provavelmente Elaine acabaria deixando a menina com ele, porque na verdade nunca a quis mesmo - tudo estava normal. Por outro lado, talvez não, já que o objetivo de Elaine era de tê-lo em suas mãos para manipula-lo como um fantoche. E era isso que ela fazia em anos. Ela podia ter qualquer homem na cama, mas nenhum desses entraria no seu joguinho de poder. Só ele, só Júlio, o idiota que acreditou no amor que ela sentia por ele, o idiota que a via tendo acessos de raiva e atribuía isso a um TPM, ao imbecil que a ouvia o criticando, o diminuindo, mas que acreditava que ela só fazia isso para o seu bem.
Seu erro foi acreditar de primeira no que ela declarou da Roberta não ser sua filha. E se não fosse? Para ele, nada disso mudava. Roberta o amava, o tinha como pai, e isso bastava.
Mas o impulso que teve quando deu o tiro foi como um vulcão adormecido, que quando menos a gente espera, explode e despeja toda lava sobre uma cidade. Isso aconteceu com ele. Nunca teve medo de nada, mas era um fraco de alma. Na verdade, tomou Elaine como porto seguro, e a via de uma maneira particular. E quando ela tirou a máscara, tudo desandou. O elo rompeu-se.
Sirenes mais próxima. Barulho de hélices de helicóptero.
Júlio precisava agir por conta própria. Já estava cansado daquela fuga sem sentido.
Interrompeu o falatório da mulata e disse:
- Posso pedir um favor?
- Pois não?
- Como é seu nome?
- Irene - disse a mulata.
- Então... - reuniu forças para pedir. - Preciso que a senhora leve minha filha lá para fora.
Roberta:
- Papai, pra quê?
- Calma, meu amor - disse Júlio. - Irene, faça isso que pedi.
Irene olhou desconfiada para ele, e o olhar passou dele para a menina ao lado. Um misto de compreensão surgiu em seus olhos e  Júlio viu medo no rosto bolachudo dela.
Antes que ele dissesse algo, o homem de chapéu na poltrona adiante, com seu radio de pilha grudado na orelha, voltou a cabeça para trás sobre a sua poltrona e disse:
- Gente, o noticiário tá dizendo que a polícia encontrou o monstro que sequestrou aquela menina do Rio, e que ele... ele está em um ônibus aqui na estrada, preso no engarrafamento...
Irene mostrou que já sabia. Ela disse a Júlio:
- Seu desgraçado, eu não tenho medo de você - na verdade estava apavorada. - Espero que a menina esteja bem, senão eu mesmo rasgo seu pescoço com minhas unhas...
- Eu não sou nenhum monstro, e nunca fiz nenhum mal a minha filha. A senhora pode ver com seus olhos. Ela parece que está apavorada aqui do meu lado? O que a senhora ouviu daquela mulher é um monte de mentiras. Fugi dela para preservar minha princesa. Ela é que é o vilão da história.
- Quem é o vilão, papai?
- Ninguém, meu amor, é de um filme que eu e sua tia Irene assistimos na televisão .
Irene continuava desconfiada. Júlio suplicou:
- Por favor, pegue minha filha e a entregue para o primeiro policial que estiver lá fora. Desça do ônibus, antes que eles invadam aqui. E chame o senhor de chapéu para ir junto.
- E você?
Júlio deu um sorriso amargo.
- Antes de descer, preciso fazer uma ligação. Espero que aqui dentro pegue sinal no celular. - Lembrou-se de algo e pegou dentro da sua bagagem de mão sua caderneta de anotações. - Peço outro favor para a senhora. Pode entregar isso a um jornalista? Com certeza terão vários aqui. Diga que são minhas anotações - estendeu a caderneta para a mulata.
Irene pegou a caderneta e disse:
- Levo a menina e o caderninho. E se o senhor... que não acredito ainda, mas se o senhor é inocente, desça logo e se entregue. Na justiça verão quem tem razão ou não.
- Primeiro vou ligar. Depois que eu falar com uma certa pessoa, prometo que vou descer.
Irene ficou de pé no corredor do ônibus. Pegou algo que tinha no meio dos imensos seios.
- Pegue meu celular, caso o seu não funcione.
Júlio pegou o celular que estava quente e agradeceu. Virou-se para sua filha e disse:
- Minha princesa, vai com tia Irene lá fora, aqui tá muito quente, papai vai ligar e já desce.
Havia medo nos olhos da menina quando retrucou:
- Não, papai, quero ficar aqui com você.
- Prometo que não demoro, só vou falar com sua mãe e desço.
Indecisa e a contragosto, Roberta deu a mão para Irene e as duas caminharam em direção da porta da frente. No meio caminho, a mulata falou algo com o homem de chapéu, que levantou-se rápido, olhou para trás apavorado e saiu correndo na frente delas. Quando elas desceram, Júlio pegou seu celular. Lá fora, as sirenes berravam e ele podia ver os passageiros do ônibus com outros motoristas presos no engarrafamento olhando para o ônibus. Haviam vários policiais armados em volta.
Seu celular estava sem sinal. Tentou o da mulata e funcionou. Teclou os números que conhecia de cor e salteado. Chamou duas vezes e ouviu a voz que tanto conhecia e amava:
- Alô.
- Oi, Elaine, sou eu.
Um breve silêncio no outro lado da linha. Depois veio uma gargalhada.
- Eu sabia que ia me ligar. Me viu na televisão? 
- Não, mas soube que você me taxou como um monstro tarado na entrevista.
- É, eu falei isso mesmo - não havia raiva na sua voz, só sarcasmo. - Você deve estar muito enrolado agora.
- Bastante.
- Júlio, até agora não entendi direito a sua atitude de marido traído, que resolve lavar a honra com sangue. Ora, isso me espantou de verdade! Já passamos do tempo que os homens tipo machões resolviam as crises conjugais à bala!
- Essas reações são imprevisíveis, Elaine. Principalmente quando chegamos em casa mais cedo e encontramos sua mulher na cama com outro cara.
- Pode acontecer com outros homens, mas você não. Não o Júlio que conheço, que mora comigo e que manipulo na hora que quero.
- Pensei nisso a pouco. Nunca representei nada pra você, a não ser um fantoche que você brincava com as cordas.
Elaine riu alto:
- Como você é engraçado, Júlio! Claro que eu te manipulo, e isso, até agora. Senão, você não ia me ligar. Ficou desapontado porque não bati as botas como queria?
- Pra ser sincero, estou aliviado que esteja sã e salva. Meu castigo será mais leve agora.
Silêncio no outro lado da linha. Depois ela disse:
- Não tenha muita certeza que seu castigo será leve, Júlio. Falei muita coisa para a polícia e para os jornais. Sua imagem perante ao público não tá nada boa.
- Que imagem, Elaine, se nesses últimos tempos nem individualidade eu tinha? Agora não, sinto-me livre de você.
- Livre fugindo com minha filha dentro de um ônibus. Isso é liberdade? Tenho outra palavra para isso, é covardia.
Júlio tremia de ódio, mas sua voz parecia calma:
- Esse é o meu arrependimento... De não ter tido caráter ou hombridade em enfrenta-la.
- Sempre teve medo de mim, e eu adoro isso.
- Nunca tive medo de você. O que tive nem sei como explicar, mas acho que foi um tipo de feitiço, macumba...
Gargalhadas.
- Mas independente o que fosse, acabou - continuou ele. - Decidi que vou mudar o rumo dessa história de terror. E espero, no fundo da minha alma atormentada, que você siga pro inferno também.
- Meu bem, acredito que vai ser um pouco difícil, e eu digo mais, impossível que alguma coisa de ruim aconteça comigo. Mas como sou uma pessoa caridosa, com Deus no meu coração, faço um trato contigo: Volte pra casa e encerro todo caso. Quero você aqui ao meu lado, pra continuar infernizando sua vidinha medíocre. Vem pra cá e digo a polícia que estava variando, que foi tudo ilusão minha.
Júlio precisou segurar a tentação em seguir os conselhos dela. Perguntou:
- Só me esclareça uma coisa, antes de responder ao convite. Roberta é minha filha ou não?
- Essa pentelha que me irrita, que tentei abortar de todo jeito e não consegui? Você não a tem como filha? Não é isso que importa?
- Diga a verdade.
- Já te falei, sei lá quem é o pai dela! Transo com qualquer um que saiba me pegar de jeito... um deles deve ser o pai dela!
Júlio chorou. Lágrimas desciam em borbotões pelo seu rosto cansado.
- Você tem razão. Ela é minha filha, independente da forma que foi gerada.
- Então! Vem para casa, prometo que não maltrato mais a menina, só você. Mas isso não é novidade pra você mesmo, está mais que acostumado...
- Não vou voltar. Prefiro me entregar. Só que quando for preso, vou espalhar para todo mundo que criatura é você.
- Tá querendo bancar o marido ofendido e idiota que sempre foi?
- Tô dizendo que me libertei das suas garras.
- Pra que me ligou?
- Queria ouvir sua voz pela última vez.
- Ah, isso que não. Semeei minha personalidade em você, seu fraco. Sempre fui mais forte que você. E te digo, já que não quer ouvir mais minha voz. Você ouvirá sim, durante os anos que estiver preso. Sabe que estupro a vulnerável não tem perdão? Que qualquer juiz, depois de ouvir uma mãe desesperada contar do trauma que ficou numa criança de cinco anos depois de ter sido abusada constantemente, vai te condenar a pena máxima! E que na cadeia, os presos não vão te deixar em paz, vão arrebentar seu cu porque odeiam estupradores. Quando sair - se sair da cadeia -, você será um trapo, e Robertinha, sua princesa, não vai querer nem olhar para sua cara depois da lavagem cerebral que eu fizer nela, repetindo dia após dia, ano após ano, que papai abusava da filhinha, fazia coisas erradas com sua menininha... e uma hora, quando ela compreender, vai sentir ódio daquele que sempre confiou. E quando você estiver comendo sua própria merda que acabou de cagar, continuará ouvindo minha voz sempre, sempre enraizada na sua cabeça...
-Você não vai conseguir enganar todo mundo para sempre. Uma hora sua casa vai cair.
- Que caia, já te disse que não dependo de ninguém. No mundo sou eu, depois eu e depois ainda, eu. Nada vai me derrotar porque sou forte. Mas posso destruí-lo porque é um merda.
Júlio desligou o celular. Largou-o na poltrona ao lado. Mais uma vez ela tinha razão. Ela podia transformar sua vida num inferno pior que antes. Só que agora ele tinha controle de si, antes ela o manipulava e isso passava em branco para ele.
A multidão lá fora berrava:
- Vamos pegar o monstro!
Ele olhou pela janela e viu que a mulata de nome Irene estava junta de Roberta ao lado de uma viatura policial. Fizeram um cordão em volta do ônibus para que as pessoas não pudessem invadi-lo. Júlio tremia de medo, mas precisava encara-los. Sua esperança era que um dia a máscara de Elaine caísse, a afundando na sociedade. Não tinha muita certeza, mas esperava que Irene tivesse entregado sua caderneta de anotações para algum repórter, já que tinha vários em volta. Um jornalista curioso, e doido para uma história exclusiva, com certeza ia fuçar todo passado deles. E nessa hora cairia a máscara dela. Talvez não tivesse o estrago que ele pretendia, mas pelo menos limparia seu nome.
Como não queria esperar que essa verdade surgisse, caso um dia viesse a tona - preso, pelo menos sua filha, quando ficasse adolescente e até mesmo adulta, saberia que Júlio Menezes era seu pai, e que ela era a coisa mais importante na sua vida.
Caminhou devagar pelo corredor até chegar na porta da frente que estava aberta. Lá fora, vários policiais em prontidão, armados de fuzis e pistolas. Um deles, que parecia ser o negociador, disse:
- Desça com as mãos na cabeça, Júlio Menezes. Você perdeu.
"Não sei se perdi mesmo... acho que agora eu ganho dela".
A voz dela dentro da sua cabeça:
Você vai experimentar o inferno quando estiver no meio daqueles presos...
Não, não queria mais ouvir nenhuma voz na sua cabeça.
Olhou pelo para-brisa e viu que haviam levado sua filha.
Ótimo, pensou.
- Eu te amo, minha princesa. - disse Júlio.
Pegou a pistola e desceu do ônibus com ela, apontando para a frente.

FIM

Rogerio de C. Ribeiro

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