NADA É O QUE
PARECE
Capítulo
1
Quando
Belinda, empregada doméstica da família Paranhos, comunicou que ia se
aposentar, Vera Paranhos se desesperou.
Empregada
do casarão há trinta anos, Belinda conhecia sua patroa desde criança. Vera
tinha sete anos quando Belinda foi contratada por dona Vitória, que nesse tempo
era casada com o Sr. Teodoro. No decorrer dos anos, viu a única filha do casal
crescer, se tornar adolescente, noivar com Aurélio e se casar com ele quando
tinha 25 anos. Logo depois vieram as crianças, Juninho, Anabela e a caçula
Andréia. Ficou consternada quando seu Teodoro sofreu um infarto fulminante e
morreu na mesa do café da manhã na frente dela e de dona Vitória.
O
baque da morte do patriarca do casarão no Bairro de Fátima, em Niterói, foi
imenso para dona Vitória. Mesmo com o amparo de Vera e dos netos, ela não
superou a perda do marido. Entrou em uma depressão profunda e agora vivia enfurnada
em uma cadeira de rodas, sem falar coisa com coisa, sendo tratada como uma
criança pequena.
Vera
nunca quis sair daquele casarão. Aurélio, seu marido, dizia que era corretor de
imóveis. Vera era advogada trabalhista e tinha uma salinha no centro de Niterói,
na Amaral Peixoto. O casal não contava com um salário certo, dependiam das
vendas dos imóveis e das causas trabalhistas ganhas, o que não acontecia
sempre. Viviam às custas do que restou das economias que seu Teodoro fez
durante sua vida toda e da pensão de dona Vitória. Vera tinha uma procuração de
plenos poderes para administrar o dinheiro, que era o sustento da família.
Mesmo
com dificuldades financeiras, Belinda foi mantida, principalmente para cuidar
de dona Vitória. Só que houve um imprevisto que ninguém esperava. Belinda
descobriu, depois de um exame de rotina, que estava com angina, que
causava cansaço nas tarefas mais simples. Isso a motivou em pedir a
aposentadoria. Não tinha mais estrutura para cuidar de uma velha senil e nem
das crianças de 9, 7 e 4 anos.
Ela
deu a notícia para Vera, que desesperou-se:
-
Quem vai cuidar da minha mãe e dos meus filhos?
-
Dona Vera - Mesmo a conhecendo desde criança, a tratava de dona. - Sinto muito.
A senhora sabe que considero as pessoas da casa como se fossem minha família...
Vera
interrompeu-a:
-
Então? Se é assim, não peça nenhuma aposentadoria. Pelo menos, agora!
-
Não posso. Qualquer tarefa simples, como varrer a casa, me deixa exausta!Tenho
que me tratar...
As
duas estavam na cozinha do casarão sentadas à mesa. Era uma tarde ensolarada, e
da janela aberta se via um grande jardim abandonado.
Era
seu Teodoro que cuidava do jardim e do viveiro de pássaros. Mas desde que
morreu, tudo foi esquecido.
Agora
o mausoléu era infestado de infiltrações, e havia necessidade de trocar os
pisos carcomidos e os fios elétricos. Vera tinha saudade daqueles tempos
prósperos, quando recebiam no casarão políticos, escritores, a elite da
sociedade niteroiense para as reuniões mensais que seu pai
organizava. Ele foi vereador em três mandatos, e diziam que ajudou muita gente
nas suas gestões. Mas depois da sua morte, a família entrou no ostracismo.
Ninguém aparecia mais nem para saber da saúde de dona Vitória. Os jornalistas
esqueceram das grandes benesses que o vereador criou nos bairros carentes e não
escreviam mais nenhuma linha sobre o vereador. O que restou apenas foi uma
praça no bairro de Caramujo batizada com o nome do seu pai. Apenas uma praça.
Para
complicar mais ainda sua vida, Belinda veio com essa ideia idiota de aposentadoria.
Para Vera, o coração da sua empregada era mero detalhe. Ela acreditava era na
ingratidão; o momento que mais precisava, a velha doméstica ia embora.
Ela
tentou argumentar:
-
Olha, faço uma coisa... sabe que não posso, mas prometo que vou me esforçar!Vou
fazer um plano de saúde pra você. Assim, você pode se tratar e ainda cuida da
minha mãe! As crianças dão menos trabalho...
-
Não tenho mais saúde para isso, dona Vera - Belinda tentou explicar.
Vera,
filha única e sempre mimada pelos pais, não aceitava uma negativa.
Esse
seu gênio intempestivo a atrapalhou em algumas causas. Seu mal era não escutar
os outros. Aurélio que o diga! Se ele não tivesse se casado com ela, certamente
Vera estaria solteira até agora, aos 37 anos.
Vera
se irritou. Belinda conhecia bem o jeito da patroa. E não ficou surpresa com
que ouviu em seguida:
-
Sabe o que me dói mais, Belinda? Sua ingratidão com minha mãe! Quando veio pra
cá, não tinha nada! Hoje, se tem carteira assinada, um quarto para dormir, dê
graças à dona Vitória. Foi ela que estendeu a mão e agora você vem e cospe em
cima!
-
Dona Vera, não estou sendo ingrata com ninguém. Eu que não posso mais cuidar da
sua mãe como cuidava antes. A senhora está sendo egoísta. Não está pensando no
meu problema de saúde.
Vera
se levantou da cadeira irritada. Abriu a geladeira. Viu que estava quase vazia.
Queria beber um suco ou um refrigerante, mas não achou nada. Se contentou mesmo
com um copo d'água.
Retornou
para a mesa. Belinda continuava sentada com a cara fechada. Vera estendeu a mão
e segurou a da empregada.
-
Desculpe. Não sei porque ajo assim com você.
-
Não se preocupe.
-
Quem vai cuidar da minha mãe?
-
A senhora pode contratar uma cuidadora.
-
Não! É muito caro. Uma empregada sai mais barato.
Belinda
sabia bem disso. Seu salário de 600 reais era pago sempre com atraso.
-
Olha - disse a empregada. - Posso perguntar para minhas irmãs se conhecem
alguém que precisa trabalhar.
-
Não pode ser careira - lembrou Vera. - E de confiança. Que durma no emprego.
-
Vou ver para a senhora.
Vera
apertou a mão da empregada e arriscou:
-
E quem sabe? Você faz um exame e descobre que ainda pode trabalhar... tudo é
possível.
Belinda
sorriu. Um sorriso amargo, triste:
-
Quem me dera!
Continua...
No
próximo capítulo: Ainda conhecendo os personagens principais.
Rogerio
de C. Ribeiro
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