- Na hora que ele me ligar dizendo: Minha mulher concordou; o sr. Ibañes vai em pessoa falar com ela. Assim economiza na corretagem!
Xavier passou o dedo com cocaína nos dentes e murmurou:
- Agora entendeu porque entrei nesse jogo todo? Pra que o sr. Ibañes faça tudo na tranquilidade. Se o idiota vier em cima, nós entramos em ação!
O
silêncio reinava no casarão. As janelas da sala principal estavam abertas e as
cortinas balançavam ao sabor do vento. Na sala de jantar, só a mesa e as
cadeiras. O corredor que levava aos quartos e ao banheiros era um deserto. Na
cozinha, uma chaleira no fogo apitava e o vapor se espalhava em redor. Na área,
várias camisas, bermudas, short enfeitavam dentro de uma cesta grande.
Se
alguém entrasse na casa iria achar que a casa era abandonada. Mas se insistisse
mais vasculhando os aposentos, encontraria duas pessoas dentro de um quarto; uma jovem usando uniforme de
empregada e uma velha na cadeira de rodas virada na frente de uma tevê de 14
polegadas.
Pois
era isso mesmo. Fernanda largou a chaleira no fogo e procurava uma bendita
chave para abrir uma caixa de ferro.
-
Fer... pa... Ferpa...
Fernanda
estava agachada no assoalho, revirando travesseiros e colchas pesadas no
armário da velha senhora. Ela suava naquela empreitada. Quando ouviu a velha
murmurando seu nome errado, virou a cabeça e gritou:
-
Não tá vendo que estou ocupadíssima? Que velha chata!
Dona
Vitória parecia desconfortável, se mexia de um lado ao outro.
-
Eu... guierooo tracer... xixi...
Xixi
foi a única palavra que entendeu.
-
Mija na fralda, merda!
Ela
esvaziou o compartimento de baixo do armário, atirando fronhas, lençóis,
travesseiros ao seu lado e não achou nenhuma chave escondida. Tinha que
aproveitar aquela manhã que não tinha ninguém na casa. Nem dormiu direito à
noite pensando o que podia ter escondido naquela maldita caixa.
-
Ferrrrrrrrrrrrpaaaaaaaaaa...
-
Se não ficar quieta agora, te arranco a língua!
Com
agilidade, guardou tudo que espalhou dentro do armário e depois se levantou.
Embaixo das suas axilas, duas manchas redondas marcavam o uniforme.
-
Porra! Daqui a pouco as crianças chegam e nem preparei o almoço ainda!
Quando
se virou na direção da velha viu uma poça amarela embaixo da cadeira de rodas.
-
Sua filha da puta! Não podia segurar um pouco?
Dona
Vitória riu. Aquele riso vazio.
-
E ainda ri?
Fernanda
agarrou os cabelos da velha e puxou para trás, até que o rosto virasse para
cima.
-
Preste bem atenção no que vou falar... - Os fios crespos do cabelo da
dona Vitória emaranharam-se nos seus dedos. A velha arregalou os olhos e a
balbuciava qualquer coisa. - Vou te ensinar como se ensina a um cachorro quando
mija no lugar errado! Minha vontade era que você lambesse essa merda toda! Mas
tá com sorte, sua vaca! Não vou botar tudo a perder por tua causa! Mas preste
atenção: No dia que eu resolver ir embora daqui, antes de sair, te estuporo
toda!
Dona
Vitória deu a impressão que entendera tudo. Os olhos aquosos dela giravam para
todas direções e passava a língua em volta dos lábios finos.
Fernanda
soltou os cabelos e esfregou as mãos na saia do uniforme. Pegou um lençol e
limpou a urina da velha.
-
Se ainda dissesse onde está a chave...
murmurou, contrariada, com o lençol molhado embolado na sua mão. - Olha
só, vou sair. Se nesse tempo você abrir a bica da sua boceta de novo,
nem sei o que vou fazer...
"Te
sufocar como a outra - pensou Fernanda, enquanto caminhava pelo corredor -
Pegar o maior travesseiro que tiver e enfiar na tua cara! Olhar você batendo
seus braços secos e enrugados na cama. Quando tudo terminar, fechar seus olhos
esbugalhados e sem vida e botar sua língua de volta nessa boca oca. Minha
vontade é essa, mas ainda é cedo. Muito cedo..."
*******************************
A
Kombi escolar buzinou duas vezes. Juninho foi o primeiro que entrou na sala
correndo. Jogou sua mochila em cima do sofá e ficou pulando no centro da sala,
em cima do antigo e agora puído tapete que seu avô trouxera do Egito. Pela
porta da sala escancarada, Anabela surgiu correndo e atrás dela vinha Dequinha,
zangada.
-
É!!!!! - Relinchou o menino, ainda pulando e apontando para a caçula. - Muié do
padre!
-
Não sou - resmungou a menina.
Anabela
se juntou ao irmão e berrou:
-
Dequinha é mulher do sapo!
Dequinha
continuou parada, segurando sua mochila cor-de-rosa, com os beiços tremendo.
-
Vou contar para mamãe que você me empurrou, Juninho!
-
Quem manda ser uma tartaruga? Ficou na minha frente atrapalhando, tive que
empurrar!
-
Eu machuquei minhas mãos - Dequinha exibiu as palmas das mãos raladas.
-
É!!!!!!!!!!! Tinha que quebrar a fuça! - O menino se dobrava de tanto rir.
-
Que coisa feia - Uma voz atrás dele. Juninho e Anabela se assustaram com a
presença de Fernanda. Ela apareceu na surdina, sem um barulho que a
denunciasse. - Vocês que são mais velhos tinham que proteger sua irmã e não
empurra-la.
Juninho
a enfrentou:
-
E daí? O que tem com isso?
Fernanda
disse suavemente:
-
Eu? Não gosto de ver covardia.
-
Ah!!! Você não pode falar nada, NADA! - disse Juninho, sentado na poltrona.
Arrancou os tênis e as meias e jogou-as no lado. - Ela é minha irmã e FAÇO o
que quiser com ela! Qualquer coisa!
Fernanda
se aproximou lentamente e quando ficou a dois metros do menino, perguntou:
-
O que você faz? Bate nela? Puxa os cabelos dela? Inventa fantasmas para ela não
dormir? Ou você entra no quarto de madrugada e fica enfiando o dedo na
bocetinha dela?
Juninho
engasgou. Arregalou os olhos e guinchou feito rato:
-
Cru...Cruzes!!! Não faço nada disso!!!
Anabela,
horrorizada, reclamou:
-
O que você falou foi muito feio, Fernanda! Vou contar para meu pai...
-
Você! - Fernanda apontou para a menina que se encolheu. - Ainda não chegou sua
hora. Quando eu acabar aqui, aí conversamos.
-
Não vou falar com ninguém! - Berrou Juninho, se levantando. - Tô com fome, eu
quero...
-
Quer nada - Fernanda o empurrou e o menino caiu novamente na poltrona. - O
senhor não tem idade pra exigir nada!
Juninho
parecia apavorado. Seus olhos encheram de lágrimas. A maneira como Anabela
estava, parada no meio da sala segurando uma das alças da sua mochila jeans,
era como se tivesse sido hipnotizada e se transformou em uma estátua. A única
que sorria satisfeita era Dequinha.
-
Eu vou contar tudo pra minha mãe...
-
E vou dizer à sua mãe o que você fez comigo.
Juninho
não entendeu.
-
Eu não fiz nada!
Fernanda
sorriu. Aquele sorriso arrepiou a espinha do menino.
-
Fez sim. Você e sua irmã mais velha. Foram lá no quarto que durmo e rasgou
minha bíblia.
-
Mentirosa! - Anabela acordou do seu torpor.
Fernanda
a ignorou.
-
E não satisfeitos de terem feito picadinho o livro sagrado, ainda rabiscaram a
parede e escreveram uma coisa muito feia...
Juninho
tremia.
-
Chega!
-
Garotinho mimado, não acabei ainda. Essa é pra você e sua irmã. Na próxima vez
que eu ver vocês maltratando Andréia, nosso papo não vai ser assim... como posso dizer? Amigável.
Fernanda
experimentou uma sensação deliciosa. Adorava quando via medo nos olhos dos
outros. O pânico que os outros sentiam alimentavam seu ego.
-
Vão comer agora. A comida está na mesa. Se sua mãe sabe que se atrasaram no
almoço, eu que vou ouvir, e muito.
Juninho
disparou na frente e Anabela foi logo atrás para a sala de jantar. Dequinha
passou por Fernanda e disse:
-
Obrigada.
Fernanda
não respondeu. Ainda não ficou satisfeita por inteira. O menino calou-se muito
rápido e a menina de nove anos também. Fernanda pensou enquanto seguiu para a
cozinha:
"Eles
vão falar. Ficaram com medo, e as únicas pessoas que podem protegê-los são os
pais. Mas se pensam que são mais espertos, vão conhecer uma que é mais que
elas!"
Continua...
No próximo capítulo: Vera e a audiência no Fórum
Rogerio de C. Ribeiro
Continua...
No próximo capítulo: Vera e a audiência no Fórum
Rogerio de C. Ribeiro
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