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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 19

No capítulo anterior: Maresia riu.
- Na hora que ele me ligar dizendo: Minha mulher concordou; o sr. Ibañes vai em pessoa falar com ela. Assim economiza na corretagem!
Xavier passou o dedo com cocaína nos dentes e murmurou:
- Agora entendeu porque entrei nesse jogo todo? Pra que o sr. Ibañes faça tudo na tranquilidade. Se o idiota vier em cima, nós entramos em ação! 

O silêncio reinava no casarão. As janelas da sala principal estavam abertas e as cortinas balançavam ao sabor do vento. Na sala de jantar, só a mesa e as cadeiras. O corredor que levava aos quartos e ao banheiros era um deserto. Na cozinha, uma chaleira no fogo apitava e o vapor se espalhava em redor. Na área, várias camisas, bermudas, short enfeitavam dentro de uma cesta grande.
Se alguém entrasse na casa iria achar que a casa era abandonada. Mas se insistisse mais vasculhando os aposentos, encontraria duas pessoas dentro de um quarto; uma jovem usando uniforme de empregada e uma velha na cadeira de rodas virada na frente de uma tevê de 14 polegadas.
Pois era isso mesmo. Fernanda largou a chaleira no fogo e procurava uma bendita chave para abrir uma caixa de ferro.
- Fer... pa... Ferpa...
Fernanda estava agachada no assoalho, revirando travesseiros e colchas pesadas no armário da velha senhora. Ela suava naquela empreitada. Quando ouviu a velha murmurando seu nome errado, virou a cabeça e gritou:
- Não tá vendo que estou ocupadíssima? Que velha chata!
Dona Vitória parecia desconfortável, se mexia de um lado ao outro.
- Eu... guierooo tracer... xixi...
Xixi foi a única palavra que entendeu.
- Mija na fralda, merda!
Ela esvaziou o compartimento de baixo do armário, atirando fronhas, lençóis, travesseiros ao seu lado e não achou nenhuma chave escondida. Tinha que aproveitar aquela manhã que não tinha ninguém na casa. Nem dormiu direito à noite pensando o que podia ter escondido naquela maldita caixa.
- Ferrrrrrrrrrrrpaaaaaaaaaa...
- Se não ficar quieta agora, te arranco a língua!
Com agilidade, guardou tudo que espalhou dentro do armário e depois se levantou. Embaixo das suas axilas, duas manchas redondas marcavam o uniforme.
- Porra! Daqui a pouco as crianças chegam e nem preparei o almoço ainda!
Quando se virou na direção da velha viu uma poça amarela embaixo da cadeira de rodas.
- Sua filha da puta! Não podia segurar um pouco?
Dona Vitória riu. Aquele riso vazio.
- E ainda ri?
Fernanda agarrou os cabelos da velha e puxou para trás, até que o rosto virasse para cima.
- Preste bem atenção no que vou falar... - Os fios crespos do cabelo da dona Vitória emaranharam-se nos seus dedos. A velha arregalou os olhos e a balbuciava qualquer coisa. - Vou te ensinar como se ensina a um cachorro quando mija no lugar errado! Minha vontade era que você lambesse essa merda toda! Mas tá com sorte, sua vaca! Não vou botar tudo a perder por tua causa! Mas preste atenção: No dia que eu resolver ir embora daqui, antes de sair, te estuporo toda!
Dona Vitória deu a impressão que entendera tudo. Os olhos aquosos dela giravam para todas direções e passava a língua em volta dos lábios finos.
Fernanda soltou os cabelos e esfregou as mãos na saia do uniforme. Pegou um lençol e limpou a urina da velha.
- Se ainda dissesse onde está a chave...  murmurou, contrariada, com o lençol molhado embolado na sua mão. - Olha só, vou sair. Se nesse tempo você abrir a bica da sua boceta de novo, nem sei o que vou fazer...
"Te sufocar como a outra - pensou Fernanda, enquanto caminhava pelo corredor - Pegar o maior travesseiro que tiver e enfiar na tua cara! Olhar você batendo seus braços secos e enrugados na cama. Quando tudo terminar, fechar seus olhos esbugalhados e sem vida e botar sua língua de volta nessa boca oca. Minha vontade é essa, mas ainda é cedo. Muito cedo..."

                       *******************************
A Kombi escolar buzinou duas vezes. Juninho foi o primeiro que entrou na sala correndo. Jogou sua mochila em cima do sofá e ficou pulando no centro da sala, em cima do antigo e agora puído tapete que seu avô trouxera do Egito. Pela porta da sala escancarada, Anabela surgiu correndo e atrás dela vinha Dequinha, zangada.
- É!!!!! - Relinchou o menino, ainda pulando e apontando para a caçula. - Muié do padre!
- Não sou - resmungou a menina.
Anabela se juntou ao irmão e berrou:
- Dequinha é mulher do sapo!
Dequinha continuou parada, segurando sua mochila cor-de-rosa, com os beiços tremendo.
- Vou contar para mamãe que você me empurrou, Juninho!
- Quem manda ser uma tartaruga? Ficou na minha frente atrapalhando, tive que empurrar!
- Eu machuquei minhas mãos - Dequinha exibiu as palmas das mãos raladas.
- É!!!!!!!!!!! Tinha que quebrar a fuça! - O menino se dobrava de tanto rir.
- Que coisa feia - Uma voz atrás dele. Juninho e Anabela se assustaram com a presença de Fernanda. Ela apareceu na surdina, sem um barulho que a denunciasse. - Vocês que são mais velhos tinham que proteger sua irmã e não empurra-la.
Juninho a enfrentou:
- E daí? O que tem com isso?
Fernanda disse suavemente:
- Eu? Não gosto de ver covardia.
- Ah!!! Você não pode falar nada, NADA! - disse Juninho, sentado na poltrona. Arrancou os tênis e as meias e jogou-as no lado. - Ela é minha irmã e FAÇO o que quiser com ela! Qualquer coisa!
Fernanda se aproximou lentamente e quando ficou a dois metros do menino, perguntou:
- O que você faz? Bate nela? Puxa os cabelos dela? Inventa fantasmas para ela não dormir? Ou você entra no quarto de madrugada e fica enfiando o dedo na bocetinha dela?
Juninho engasgou. Arregalou os olhos e guinchou feito rato:
- Cru...Cruzes!!! Não faço nada disso!!!
Anabela, horrorizada, reclamou:
- O que você falou foi muito feio, Fernanda! Vou contar para meu pai...
- Você! - Fernanda apontou para a menina que se encolheu. - Ainda não chegou sua hora. Quando eu acabar aqui, aí conversamos.
- Não vou falar com ninguém! - Berrou Juninho, se levantando. - Tô com fome, eu quero...
- Quer nada - Fernanda o empurrou e o menino caiu novamente na poltrona. - O senhor não tem idade pra exigir nada!
Juninho parecia apavorado. Seus olhos encheram de lágrimas. A maneira como Anabela estava, parada no meio da sala segurando uma das alças da sua mochila jeans, era como se tivesse sido hipnotizada e se transformou em uma estátua. A única que sorria satisfeita era Dequinha.
- Eu vou contar tudo pra minha mãe...
- E vou dizer à sua mãe o que você fez comigo.
Juninho não entendeu.
- Eu não fiz nada!
Fernanda sorriu. Aquele sorriso arrepiou a espinha do menino.
- Fez sim. Você e sua irmã mais velha. Foram lá no quarto que durmo e rasgou minha bíblia.
- Mentirosa! - Anabela acordou do seu torpor.
Fernanda a ignorou.
- E não satisfeitos de terem feito picadinho o livro sagrado, ainda rabiscaram a parede e escreveram uma coisa muito feia...
Juninho tremia.
- Chega!
- Garotinho mimado, não acabei ainda. Essa é pra você e sua irmã. Na próxima vez que eu ver vocês maltratando Andréia, nosso papo não vai ser  assim... como posso dizer? Amigável.
Fernanda experimentou uma sensação deliciosa. Adorava quando via medo nos olhos dos outros. O pânico que os outros sentiam alimentavam seu ego.
- Vão comer agora. A comida está na mesa. Se sua mãe sabe que se atrasaram no almoço, eu que vou ouvir, e muito.
Juninho disparou na frente e Anabela foi logo atrás para a sala de jantar. Dequinha passou por Fernanda e disse:
- Obrigada.
Fernanda não respondeu. Ainda não ficou satisfeita por inteira. O menino calou-se muito rápido e a menina de nove anos também. Fernanda pensou enquanto seguiu para a cozinha:
"Eles vão falar. Ficaram com medo, e as únicas pessoas que podem protegê-los são os pais. Mas se pensam que são mais espertos, vão conhecer uma que é mais que elas!"

Continua...

No próximo capítulo: Vera e a audiência no Fórum

Rogerio de C. Ribeiro

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