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sexta-feira, 22 de agosto de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 16

No Capítulo anterior: O sujeito parou à trezentos metros abaixo, curvando o corpo e colocando as mãos nos joelhos. Aurélio acenou para ele e perguntou:
- Olá! Está procurando alguém? Precisa de ajuda?
O sujeito com óculos escuros não respondeu. Virou-se, deu as costas e desceu a rua em passos rápidos. Se não estivesse tão cansado, talvez até corresse.
"Quem é esse cara? Se eu o ver de novo, chamo a polícia..."
Depois que entrou na varanda, trancou o portão com o cadeado só por garantia.

Vera estava sentada em um banco de cimento vigiando seus filhos brincando com outras crianças no parquinho no Campo de São Bento. Ela lembrou, com certa nostalgia, do tempo que Belinda a trazia ali. Infelizmente, seu pai era muito ocupado com a política e sua mãe sempre o acompanhava. Ela procurava compensar com seus filhos sua presença. 
 Basicamente, houve poucas mudanças no parque do seu tempo de criança para os dias atuais. Os balanços continuavam no mesmo lugar, o escorrega era o mesmo de antes. Só a gangorra mudou. Antes era de ferro e hoje de plástico pintado de azul.
A vida era tão simples para as crianças, pensou Vera. Eles ainda não tem as preocupações que afligem os adultos. A responsabilidade que são delegadas à elas era que estudassem e passassem de ano com notas boas; que obedecessem e respeitassem os pais. Vera pensou nela quando era criança. A vida era só para brincar, assistir desenho na televisão, se divertir nos brinquedos dos parques.
- Nunca tenham pressa em crescer - disse ela baixinho. Juninho estava em pé no escorregador, batendo no peito magro e imitando Tarzan. Anabela e outra menina que acabara de conhecer subiam e desciam na gangorra azul. Dequinha enchia um balde de areia com outras meninas da sua idade. - É tão bom ser criança. É tão bom não saber como é a vida do adulto...
- Falando sozinha? - Vera se assustou com a voz masculina atrás dela.
Virou-se e viu um homem alto, de camisa listrada e bermudão cinza. Tinha olhos castanhos e os cabelos começavam a ficar grisalhos nas laterais.
Vera franziu a sobrancelha. Ele não era estranho...
- Não tá me reconhecendo? - disse o homem. - Assim, vou ficar chateado.
Ele sorriu. Vera comentou:
- Desculpe, mas não me lembro.
O homem continuava em pé. Os olhos dele eram penetrantes.
- Das duas uma - disse ele. - Ou estou falando com a pessoa errada ou sua memória não anda muito boa!
- É, pode ser que minha memória não ande tão boa assim.
- Você não estudou no São Vicente?
São Vicente é um dos colégios mais tradicionais e antigos de Niterói, em Icaraí. Vera concordou:
- Estudei... terminei o antigo segundo grau lá.
- Sala 306.
- Acho que sim...
- Estudamos juntos na mesma sala, em 1993. Vera Paranhos, não é?
- Sou eu. Você?
- Rodrigo Antunes. Um rapaz magricela cheio de espinhas na cara que sentava atrás da sua cadeira.
Vera lembrou-se dele. Um sorriso iluminou seu rosto.
- Meu Deus! Rodriguinho! Há quanto tempo!!! E como você mudou nesse tempo todo!
- Não digo o mesmo que você. Logo que te vi, a reconheci na hora.
- Vamos, sente-se - Vera convidou. Rodrigo se ajeitou ao seu lado. - Olha, desculpe não ter te reconhecido... estudamos juntos todo segundo grau, não foi?
 Rodrigo sorriu e concordou.
- Esqueça isso, Vera! Acho que eu mesmo não ia me reconhecer. Mudei bastante.
- E para melhor - elogiou Vera.
- Acho que sim. Pelo menos me sinto bem melhor do que naquele tempo que minha cara era um campo minado de espinhas! O legado da puberdade borbulhando!
- E aí, como tem passado?
- Bem. Me formei em administração de empresas, tenho um escritório de consultoria. 
- E eu sou advogada trabalhista.
Rodrigo fez uma careta e Vera riu.
- Não exagera! Não é tão ruim como parece!
- Eu não disse nada... - Rodrigo sorriu. Vera se encantou com aquele sorriso. - E além do mais...
- Papai! Papai! - Uma menina com cabelos encaracolados veio correndo do parquinho na direção deles. - Igor acabou de se estabacar do escorrega!!!!
Quando ela chegou mais perto, viu Vera ao lado do pai e ficou quieta. Rodrigo pediu licença e acompanhou a menina. Vera observou, curiosa, seu antigo colega agachado, limpando as pernas de um menino que devia ter uns seis anos.
Agora há pouco pensava no tempo, pensou Vera. E me aparece justo um colega de colégio que não via há vinte anos... Como a gente muda...
Rodrigo retornou. Em cada mão segurava uma criança.
- Não foi nada, só um susto...
- E um arranhão na perna - disse o menino, orgulhoso do machucado.
- Crianças, essa é uma amiga que estudou com papai... isso foi há muito tempo atrás! - O nome dela é Vera.
- Oi, Vera, meu nome é Manuela - disse a menina. - E ele é o meu irmão Igor...
- Não vale!!! - Protestou o menino, emburrado. - Quem tem que falar o meu nome sou eu!!!!
Vera contemporizou:
- Não vamos brigar por causa disso. Eu vi que você brincava com meu filho, Igor.
- Aquele chato é seu filho????
- Igor! Olha como fala... - Rodrigo advertiu, mas no fundo achou engraçado.
Vera também achou engraçado do modo como o menino falava.
- Juninho não é tão chato assim...
Rodrigo disse aos filhos:
- Vamos, brinquem um pouquinho. Se demorarmos muito, a mãe de vocês vai ficar furiosa com o atraso.
- Vamos, Igor! - disse Manuela correndo. O irmão foi atrás, e do jeito que corria, esqueceu completamente do machucado.
Rodrigo voltou ao banco. Vera observou que seus filhos continuavam no mesmo lugar. Juninho e Igor brincavam juntos de novo.
- Você é casada... - comentou Rodrigo. Ele notou a aliança que ela usava.
- Sim, a mais de dez anos - Vera assentiu. - E você?
- Divorciado há três anos - ele respondeu. - Depois de uma longa batalha judicial, finalmente Maria Estela se deu conta que as crianças são nossas e não só dela. Por ela, eu nunca mais as veria. Mas ainda bem que existe uma coisa chamada lei... e graças ao Juiz, hoje posso vê-los a cada final de semana, quando dormem comigo. No mais, Maria Estela usufrui a pensão que pago religiosamente todo dia 5 de cada mês...
- Imagino se você atrasasse na pensão...
- Ela adoraria esse escândalo! Me botava na cadeia e jogava as chaves fora!
- Exagero da sua parte!
- Vera, te digo com franqueza, quem me dera que estivesse exagerando. Mas deixa isso pra lá, não quero parecer o tipo chato do ex-marido que é ressentido com uma separação e encontra uma colega de colégio que não vê há vinte anos e desfia um rosário de lamentações... Não... Não sou assim mesmo!
Vera viu as horas no relógio e disse:
- Eu tenho que ir.
- Foi bom te reencontrar.
- Também achei. Quem sabe, qualquer dia a gente se encontra de novo?
- Talvez. Bem, até um dia...
Vera chamou seus filhos; eles cumprimentaram Rodrigo e se despediram do Igor e Manuela.
No carro, Juninho disse:
- Achei o Igor legal.
- Ele te chamou de chato - disse Vera ao volante do seu Palio.
Juninho relinchou.
- Pudera! Empurrei ele do escorrega! 

Continua...

 No próximo capítulo: Os dois lados de Fernanda.

Rogerio de C. Ribeiro

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