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sexta-feira, 26 de setembro de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 38

No capítulo anterior: Ele tinha que ficar de quatro para ela. Só assim, haveria uma chance de embolsar a grana que ele ia ganhar!
- Tenho que fazer o almoço, seu Aurélio...
- Me espera de noite... quando Vera cair no sono, venho no teu quarto.
Fernanda não disse nada e Aurélio aceitou isso como uma resposta positiva. Antes de sair da cozinha, disse:
- Vou te ensinar o que é ter uma noite de amor, Fernanda.
Depois que ele saiu, Fernanda pensou:
"Quem vai te ensinar uma coisa sou eu. Mas não hoje, queridinho. Quero te ver melando a cueca antes..."


A companhia de Rodrigo era tão boa que Vera nem percebeu o tempo passando. Só se deu conta das horas quando sentiu fome.
- Meu Deus - disse ela, olhando o relógio de pulso. - São uma e meia!
- Podemos almoçar aqui - sugeriu Rodrigo.
Vera olhou para trás e viu que o restaurante estava com quase todas mesas ocupadas. Balançou a cabeça e disse:
- Não sei... Tenho que resolver uma coisa e não quero demorar mais.
- Que nada! Olhe o cardápio.
Vera leu as opções do dia quando ouviu Rodrigo dizendo ao seu lado:
- Essa não! O que ela tá fazendo aqui?
Rodrigo olhava para a praça em frente. Vera acompanhou seu olhar e viu uma mulher loura, com uma imensa bolsa a tiracolo, de biquini vermelho e uma canga florida servindo como saia, caminhando na direção deles.
Ela devia ter uns 35 anos. Veio rebolando e tinha um sorriso estampado no rosto. Vera perguntou:
- Quem é ela?
Rodrigo esvaziou a tulipa que bebia e disse, entredentes:
- Minha caríssima ex-mulher, Maria Estela.
A mulher loura encostou na sacada da varanda e disse:
- Rodrigo Antunes! Como sempre, aproveitando a vida de solteiro!
- Boa tarde para você também, Maria Estela - disse Rodrigo, contrariado. - E as crianças?
Maria Estela pegou um cigarro dentro da sua bolsa e respondeu:
- Estão no colégio. Aproveitei pra caminhar um pouco no calçadão - ela lançou um olhar curioso a Vera, que ainda segurava o cardápio e perguntou: - Tem fogo?
- Parei de fumar há séculos, você sabe disso. - Respondeu Rodrigo, pegando outra tulipa que o garçom trazia.
- De repente podia ter tido uma recaída, né? - Ela vasculhou a bolsa e achou um isqueiro. Acendeu o cigarro, soprou a fumaça para o alto e disse: - Não me apresenta à sua amiga?
- Oi, sou Vera - disse a advogada, largando o cardápio. Perdeu a fome com a presença daquela "perua". A cena era inusitada; ela e Rodrigo estavam sentados na mesa à beira da varanda e aquela loura falsificada fumava em pé, na frente deles.
- Se ele não disse meu nome, o que não acredito, sou Maria Estela.
- Já foi feito as apresentações, agora pode me deixar em paz - disse Rodrigo, à beira da fúria.
Maria Estela soltou uma risada entre baforadas no cigarro:
- Ai, meu Deus! Pensei que tivesse mudado, mas ainda é o mesmo cavalo de sempre!
- Maria Estela, por favor...
- Qualé, Rodrigo? Não se faça de santinho, mostre pra tua amiga como você é de verdade!
Vera assistia ao diálogo dos dois em silêncio. Na verdade, não estava nem interessada pelas desavenças deles. O que a atormentava mesmo eram os retratos que tinha na sua bolsa.
- Olha só, Rodrigo, em respeito à sua amiga, não vou perder meu tempo precioso discutindo com você. Vou almoçar.
- Ótimo - disse Rodrigo. - Combinamos que pelo bem das crianças, não íamos discutir mais.
- Tudo pelo bem e a sanidade dos meus filhos! - Ironizou Maria Estela. Passou a mão em cima do biquini superior e comentou: - Meus bicos do peito estão doendo... alguém quer me comer!
Rodrigo preferiu ignorar aquele comentário. Maria Estela esticou o pescoço e comentou, enquanto esmagava o cigarro com sua sandália de dedos:
- Taí, hoje vou me dar ao luxo de almoçar aqui no Chalé.
- Só não mande a conta para minha mesa - disse Rodrigo.
Maria Estela riu.
- Pode deixar, meu bem! Fica por conta da pensão!
Essa palavra enervou o homem.
- Espero que não esteja gastando a pensão que dou aos meus filhos com futilidades!
- Ah, de vez em quando gasto no Plaza, mas pode deixar que meus filhos não estão passando fome.
Ela dobrou a esquina e entrou no restaurante. Vera a viu sentando na mesa dos fundos e o garçom servindo conhaque para ela.
- Essa mulher é insuportável! - Comentou Rodrigo, balançando as pernas, nervoso.
- Quando se casou com ela não achava isso - comentou Vera.
- Como já te falei, no início tudo eram flores. Com o tempo vi como ela era de verdade. - Ele arriscou um olhar para trás e viu a loura bebendo conhaque. Fez uma careta. - Ela não tem o menor compromisso com a realidade, Vera. Se alguém botar dez mil reais na mão dela e dizer: Guarda para uma emergência, ela vai pegar o primeiro táxi e desembarcar no Plaza. Em uma hora, gasta tudo em futilidades.
- Ela é consumista...
- Ela não tem noção de nada! Não tá nem aí se eu ralo o dia todo, suo para ganhar dinheiro. Por ela, todo meu suor seria em vão.
- E ela tem a guarda das crianças...
- Foi esperta. Fazia a cabeça deles, comprando presentes, indo ao Shopping todos dias, em cinemas, teatros... ela sempre dizia a eles que eu sou um pai ausente. Mas é muito fácil quando você não faz absolutamente nada...
- Só gastando...
- Dinheiro alheio. O pior de tudo que não posso me desvincular dela. Tenho medo do que ela possa fazer com os meus filhos...
- Aposto que estão falando de mim - Berrou Maria Estela, da sua mesa dos fundos. - Falem mal, mas falem de mim! Outro conhaque, Ribamar!
Rodrigo balançou a cabeça. Visivelmente aborrecido, ele disse:
- Ela estragou meu dia!
- Não liga pro que ela fala, é só pra provocar - disse Vera. - Vou embora. Preciso ir em casa. Lá eu como alguma coisa.
- Sinto muito por tudo isso, mas nunca esperei que Maria Estela aparecesse hoje...
- Sem problema. Ela não me afetou em nada.
Rodrigo pediu a conta. Enquanto ele esperava que o garçom trouxesse a notinha, Vera foi buscar seu carro. Quando passou pela mesa de Maria Estela, ouviu:
- Toma cuidado com ele, Vera - disse a loura. Ela tinha um copo pela metade de conhaque, e seus olhos brilhavam. - Esse homem gentil, romântico, é tudo fachada. Ele não vale um centavo!
Vera ignorou o comentário e saiu do restaurante. Não tinha tempo para discussões, o que queria era descobrir quem era a mulher dos retratos que levava dentro da bolsa.
Pegou o Palio e quando entrou no carro, viu Rodrigo falando com Maria Estela. Ele estava em pé ao lado da mesa da sua ex-mulher e a impressão era que discutia algo com ela. Enquanto Rodrigo falava e gesticulava com as mãos, Maria Estela ouvia com um sorriso nos lábios.
Vera não ia se meter naquela discussão. Por mais que fossem divorciados, ambos deviam se conhecer profundamente e nessa questão Vera era uma analfabeta. Girou a chave na ignição e partiu com o Palio. Seguiu pela Miguel de Frias, entrou na rua da Praia e na primeira rua, entrou e seguiu adiante. Dali para sua casa eram cinco minutos de carro.
Viu pelo retrovisor que Rodrigo ainda continuava no Chalé. Pensou em parar e lhe oferecer carona para o Centro, mas se fizesse isso se enrolaria mais e não teria chances de  descobrir algo sobre a estranha mulher.
Deixou Rodrigo Antunes para trás e seguiu para sua casa.
                                  **********
Fernanda se aproximou da mercearia de Marquinhos. O dono do mercadinho parecia um buda sentado em cima de um banquinho, com uma garrafa de cerveja enfiada no isopor.
- Boa tarde - disse Fernanda. Ela entregou uma lista que levava dentro do bolso do avental.
Marquinhos a comeu pelos olhos.
- Vou separar os itens, Fernanda.
A nova empregada ficou em pé na entrada do mercado de braços cruzados. Mais adiante, viu um sujeito de óculos escuros e com um palito de dentes passeando pelos lábios a encarando. Ela fingiu que não o via, mas o sujeito, que parecia ter bebido meia dúzia de cervejas sozinho, disse:
- E aí, gata? Perdida por aqui?
Fernanda deu as costas para ele. O sujeito continuou:
- Fico caidinho por uma mulher de uniforme...
- Cara chato - disse Fernanda. Marquinhos, que juntava em cima do balcão os itens da lista, concordou.
- Olha, tô precisando de uma doméstica pra minha casa...
- Quem é ele? - perguntou Fernanda e a resposta de Marquinho foi um dar de ombros.
Ela pegou a sacola que Marquinhos entregou e disse:
- A bebida e o "inimigo" caminham de mãos dadas, seu Marcos.
Ela saiu em passos rápidos. O sujeito de óculos escuros disse:
- Impressão minha ou eu tava cantando uma crente?
- Não foi impressão do senhor - retrucou Marquinhos. - Ela é empregada nova do casarão lá em cima. Evangélica. Com essa, não consegue nada!
O sujeito de óculos escuros riu. Pagou a conta e comentou:
- Pela primeira vez vi algo interessante nesse bairro. Mas como falou, crente é foda. Até mais.
Marquinhos acompanhou com o olhar o estranho cambaleando pela rua acima. Bebeu um gole de uma cerveja morna e pensou: "Não confio nesse cara!"
O sujeito de óculos escuros entrou na primeira rua à direita, saindo da vigilância do comerciante. Olhou a rua que subia até o casarão decrépito e sorriu.
Fernanda estava parada, com a sacola de compras na mão, encostada em um poste.
- Fernanda... - disse o sujeito.
A moça retribuiu o sorriso.
- Jayme...

Continua...

Rogerio de C. Ribeiro

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