- Tenho que fazer o almoço, seu Aurélio...
- Me espera de noite... quando Vera cair no sono, venho no teu quarto.
Fernanda não disse nada e Aurélio aceitou isso como uma resposta positiva. Antes de sair da cozinha, disse:
- Vou te ensinar o que é ter uma noite de amor, Fernanda.
Depois que ele saiu, Fernanda pensou:
"Quem vai te ensinar uma coisa sou eu. Mas não hoje, queridinho. Quero te ver melando a cueca antes..."
A
companhia de Rodrigo era tão boa que Vera nem percebeu o tempo passando. Só se
deu conta das horas quando sentiu fome.
-
Meu Deus - disse ela, olhando o relógio de pulso. - São uma e meia!
-
Podemos almoçar aqui - sugeriu Rodrigo.
Vera
olhou para trás e viu que o restaurante estava com quase todas mesas ocupadas. Balançou
a cabeça e disse:
-
Não sei... Tenho que resolver uma coisa e não quero demorar mais.
-
Que nada! Olhe o cardápio.
Vera
leu as opções do dia quando ouviu Rodrigo dizendo ao seu lado:
-
Essa não! O que ela tá fazendo aqui?
Rodrigo
olhava para a praça em frente. Vera acompanhou seu olhar e viu uma mulher
loura, com uma imensa bolsa a tiracolo, de biquini vermelho e uma canga florida
servindo como saia, caminhando na direção deles.
Ela
devia ter uns 35 anos. Veio rebolando e tinha um sorriso estampado no rosto.
Vera perguntou:
-
Quem é ela?
Rodrigo
esvaziou a tulipa que bebia e disse, entredentes:
-
Minha caríssima ex-mulher, Maria Estela.
A
mulher loura encostou na sacada da varanda e disse:
-
Rodrigo Antunes! Como sempre, aproveitando a vida de solteiro!
-
Boa tarde para você também, Maria Estela - disse Rodrigo, contrariado. - E as
crianças?
Maria
Estela pegou um cigarro dentro da sua bolsa e respondeu:
-
Estão no colégio. Aproveitei pra caminhar um pouco no calçadão - ela lançou um
olhar curioso a Vera, que ainda segurava o cardápio e perguntou: - Tem fogo?
-
Parei de fumar há séculos, você sabe disso. - Respondeu Rodrigo, pegando outra
tulipa que o garçom trazia.
-
De repente podia ter tido uma recaída, né? - Ela vasculhou a bolsa e achou um
isqueiro. Acendeu o cigarro, soprou a fumaça para o alto e disse: - Não me
apresenta à sua amiga?
-
Oi, sou Vera - disse a advogada, largando o cardápio. Perdeu a fome com a
presença daquela "perua". A cena era inusitada; ela e Rodrigo estavam
sentados na mesa à beira da varanda e aquela loura falsificada fumava em pé, na
frente deles.
-
Se ele não disse meu nome, o que não acredito, sou Maria Estela.
-
Já foi feito as apresentações, agora pode me deixar em paz - disse Rodrigo, à
beira da fúria.
Maria
Estela soltou uma risada entre baforadas no cigarro:
-
Ai, meu Deus! Pensei que tivesse mudado, mas ainda é o mesmo cavalo de sempre!
-
Maria Estela, por favor...
-
Qualé, Rodrigo? Não se faça de santinho, mostre pra tua amiga como você é de
verdade!
Vera
assistia ao diálogo dos dois em silêncio. Na verdade, não estava nem
interessada pelas desavenças deles. O que a atormentava mesmo eram os retratos
que tinha na sua bolsa.
-
Olha só, Rodrigo, em respeito à sua amiga, não vou perder meu tempo precioso
discutindo com você. Vou almoçar.
-
Ótimo - disse Rodrigo. - Combinamos que pelo bem das crianças, não íamos
discutir mais.
-
Tudo pelo bem e a sanidade dos meus filhos! - Ironizou Maria Estela. Passou a
mão em cima do biquini superior e comentou: - Meus bicos do peito estão
doendo... alguém quer me comer!
Rodrigo
preferiu ignorar aquele comentário. Maria Estela esticou o pescoço e comentou,
enquanto esmagava o cigarro com sua sandália de dedos:
-
Taí, hoje vou me dar ao luxo de almoçar aqui no Chalé.
-
Só não mande a conta para minha mesa - disse Rodrigo.
Maria
Estela riu.
-
Pode deixar, meu bem! Fica por conta da pensão!
Essa
palavra enervou o homem.
-
Espero que não esteja gastando a pensão que dou aos meus filhos com
futilidades!
-
Ah, de vez em quando gasto no Plaza, mas pode deixar que meus filhos não estão
passando fome.
Ela
dobrou a esquina e entrou no restaurante. Vera a viu sentando na mesa dos
fundos e o garçom servindo conhaque para ela.
-
Essa mulher é insuportável! - Comentou Rodrigo, balançando as pernas, nervoso.
-
Quando se casou com ela não achava isso - comentou Vera.
-
Como já te falei, no início tudo eram flores. Com o tempo vi como ela era de
verdade. - Ele arriscou um olhar para trás e viu a loura bebendo conhaque. Fez
uma careta. - Ela não tem o menor compromisso com a realidade, Vera. Se alguém
botar dez mil reais na mão dela e dizer: Guarda para uma emergência, ela vai
pegar o primeiro táxi e desembarcar no Plaza. Em uma hora, gasta tudo em
futilidades.
-
Ela é consumista...
-
Ela não tem noção de nada! Não tá nem aí se eu ralo o dia todo, suo para ganhar
dinheiro. Por ela, todo meu suor seria em vão.
-
E ela tem a guarda das crianças...
-
Foi esperta. Fazia a cabeça deles, comprando presentes, indo ao Shopping todos
dias, em cinemas, teatros... ela sempre dizia a eles que eu sou um pai ausente.
Mas é muito fácil quando você não faz absolutamente nada...
-
Só gastando...
-
Dinheiro alheio. O pior de tudo que não posso me desvincular dela. Tenho medo
do que ela possa fazer com os meus filhos...
-
Aposto que estão falando de mim - Berrou Maria Estela, da sua mesa dos fundos.
- Falem mal, mas falem de mim! Outro conhaque, Ribamar!
Rodrigo
balançou a cabeça. Visivelmente aborrecido, ele disse:
-
Ela estragou meu dia!
-
Não liga pro que ela fala, é só pra provocar - disse Vera. - Vou embora.
Preciso ir em casa. Lá eu como alguma coisa.
-
Sinto muito por tudo isso, mas nunca esperei que Maria Estela aparecesse
hoje...
-
Sem problema. Ela não me afetou em nada.
Rodrigo
pediu a conta. Enquanto ele esperava que o garçom trouxesse a notinha, Vera foi
buscar seu carro. Quando passou pela mesa de Maria Estela, ouviu:
-
Toma cuidado com ele, Vera - disse a loura. Ela tinha um copo pela metade de
conhaque, e seus olhos brilhavam. - Esse homem gentil, romântico, é tudo
fachada. Ele não vale um centavo!
Vera
ignorou o comentário e saiu do restaurante. Não tinha tempo para discussões, o
que queria era descobrir quem era a mulher dos retratos que levava dentro da
bolsa.
Pegou
o Palio e quando entrou no carro, viu Rodrigo falando com Maria Estela. Ele
estava em pé ao lado da mesa da sua ex-mulher e a impressão era que discutia algo
com ela. Enquanto Rodrigo falava e gesticulava com as mãos, Maria Estela ouvia
com um sorriso nos lábios.
Vera
não ia se meter naquela discussão. Por mais que fossem divorciados, ambos
deviam se conhecer profundamente e nessa questão Vera era uma analfabeta. Girou
a chave na ignição e partiu com o Palio. Seguiu pela Miguel de Frias, entrou na
rua da Praia e na primeira rua, entrou e seguiu adiante. Dali para sua casa
eram cinco minutos de carro.
Viu
pelo retrovisor que Rodrigo ainda continuava no Chalé. Pensou em parar e lhe
oferecer carona para o Centro, mas se fizesse isso se enrolaria mais e não
teria chances de descobrir algo sobre a
estranha mulher.
Deixou
Rodrigo Antunes para trás e seguiu para sua casa.
**********
Fernanda
se aproximou da mercearia de Marquinhos. O dono do mercadinho parecia um buda
sentado em cima de um banquinho, com uma garrafa de cerveja enfiada no isopor.
-
Boa tarde - disse Fernanda. Ela entregou uma lista que levava dentro do bolso
do avental.
Marquinhos
a comeu pelos olhos.
-
Vou separar os itens, Fernanda.
A
nova empregada ficou em pé na entrada do mercado de braços cruzados. Mais
adiante, viu um sujeito de óculos escuros e com um palito de dentes passeando
pelos lábios a encarando. Ela fingiu que não o via, mas o sujeito, que parecia
ter bebido meia dúzia de cervejas sozinho, disse:
-
E aí, gata? Perdida por aqui?
Fernanda
deu as costas para ele. O sujeito continuou:
-
Fico caidinho por uma mulher de uniforme...
-
Cara chato - disse Fernanda. Marquinhos, que juntava em cima do balcão os itens
da lista, concordou.
-
Olha, tô precisando de uma doméstica pra minha casa...
-
Quem é ele? - perguntou Fernanda e a resposta de Marquinho foi um dar de
ombros.
Ela
pegou a sacola que Marquinhos entregou e disse:
-
A bebida e o "inimigo" caminham de mãos dadas, seu Marcos.
Ela
saiu em passos rápidos. O sujeito de óculos escuros disse:
-
Impressão minha ou eu tava cantando uma crente?
-
Não foi impressão do senhor - retrucou Marquinhos. - Ela é empregada nova do
casarão lá em cima. Evangélica. Com essa, não consegue nada!
O
sujeito de óculos escuros riu. Pagou a conta e comentou:
-
Pela primeira vez vi algo interessante nesse bairro. Mas como falou, crente é
foda. Até mais.
Marquinhos
acompanhou com o olhar o estranho cambaleando pela rua acima. Bebeu um gole de
uma cerveja morna e pensou: "Não confio nesse cara!"
O
sujeito de óculos escuros entrou na primeira rua à direita, saindo da
vigilância do comerciante. Olhou a rua que subia até o casarão decrépito e
sorriu.
Fernanda
estava parada, com a sacola de compras na mão, encostada em um poste.
-
Fernanda... - disse o sujeito.
A
moça retribuiu o sorriso.
-
Jayme...
Continua...
Rogerio de C. Ribeiro
Continua...
Rogerio de C. Ribeiro
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