- Made in Germain? Que porra é essa?
Acordou do devaneio que a consumia e foi ao armário duplex de madeira nobre e fedendo a lustra móveis. Deixou de lado, pelo menos por enquanto, o sonho de princesa e voltou à sua realidade nua e crua de Gata Borralheira.
Abriu a primeira porta e se impressionou com a quantidade de travesseiros, cobertores, colchas, fronhas, lençóis...
- Parece um estoque de uma loja!
Bem, pensou ela se ajoelhando no tapete felpudo, vamos começar de baixo para cima. Ou encontro essa chave ou não me chamo Fernanda Silva!
-
Grande Aurélio! Senta, fica à vontade! - Xavier, de pé atrás da sua mesa,
apontou para uma cadeira em frente. - Juro que não esperava te ver tão cedo!
Aurélio
se acomodou desajeitado na cadeira com os dedos das mãos entrelaçados. Apesar
do ar condicionado marcando 20 graus na sala, ele suava. Xavier se ajeitou na
sua grande cadeira e perguntou:
-
E aí, quais são as novas?
Aurélio
sentia-se intimidado na frente daquele narigudo cheirador de pó.
-
Tô aqui pra isso, Xavier.
-
Ótimo! - Xavier esfregou o nariz e depois olhou para a mão. - Falei pro meu
cliente: Aurélio dobra a mulher!
Aurélio
ficou em silêncio e Xavier continuou:
-
Meu cliente duvidou. Mas assinei em baixo! Ontem mesmo falei com ele: Aurélio é
vendedor! Convence qualquer um...
Aurélio
precisava de um cigarro. Suas mãos tremiam. Daria qualquer coisa para que estivesse em outro lugar, de
preferência em uma mesa de um bar com uma cerveja e um pacote de cigarros à
disposição.
Estava
incomodado em ficar trancado naquela sala gelada, sentado numa cadeira
confortável e com o sujeito narigudo na sua frente enaltecendo qualidades que
nunca tivera na vida.
Por
onde começava? O certo seria no começo. Só não queria interromper os elogios do
narigudo...
-
... Ele não vê a hora de botar abaixo aquele mausoléu e iniciar as obras do
maior edifício residencial de Niterói e... - Xavier notou o desagrado que vinha
do outro lado da mesa e perguntou, agora nem um pouco cordial: - Pela sua
cara... Não... Não me fale que sua esposa continua irredutível...
-
É disso que vim falar. - disse Aurélio, frouxamente.
Tamborilando
com os dedos em cima da mesa, Xavier retrucou:
-
Não tô entendendo... você ainda tem quatro dias pra encerrar esse assunto...
Pra quê veio aqui?
-
Preciso de mais dias - disse Aurélio, tomando coragem. - Pelo menos, mais
trinta dias...
Xavier
socou a mesa e Aurélio teve a impressão que o coração chegou na garganta.
-
Tá querendo tirar onda com minha cara? Porra! Te botei lá em cima pro meu
cliente e você vem com uma dessa pra cima de mim?
Aurélio
controlou o nervosismo para dizer:
-
Olha, se não puder ser em trinta dias, posso tentar com quinze...
-
Quinze o cacete! Teu prazo são 4 dias. Nem uma hora mais!
-
O problema é minha mulher... nem tá falando comigo direito por causa disso...
-
Foda-se teus problemas com a dona Encrenca. Dá seu jeito, meu amigo. Se não
conseguir nada em quatro dias, pode dar adeus pros cem mil!
-
Mas...
-
Chega de trololó, Aurélio. Mostra quem manda naquela casa! Porra! Você não é o
homem? Ou tá como enfeite?
-
Sem ofensas, Xavier... vim pra negociar...
-
Pra isso não tem negócio, Aurélio. O espanhol tá contando com o teu sucesso.
Você deu sua palavra e nós acreditamos. Não queira bancar o espertinho pro
nosso lado. Você não conhece o espanhol. E nem a mim! Se ele falar pra dar um
jeito, a gente acata!
Aurélio
balbuciou:
-
Você fala como se houvesse algo pessoal no negócio. Só entrei nessa por causa
da grana...
Aquele
tipo de voz lamuriosa embrulhou o estômago de Xavier, que sem paciência,
berrou:
-
Vou te dar um papo reto, cara! O espanhol não tá pra brincadeira! Ele já se
expôs quando escreveu a porra da carta! Ibañes não gosta de ser contrariado!
-
Mas não estou contrariando ninguém, Xavier, só pedindo um prazo maior.
Xavier
não respondeu. Ficou batucando a mesa e depois disse:
-
Vou ver que posso fazer. Faz o seguinte. Espera minha ligação até amanhã. Te
falo se o espanhol aceita mais quinze dias.
Aliviado,
Aurélio disse:
-
Obrigado...
-
Não me agradeça ainda. Vou ver se pego o espanhol de bom humor.
Aurélio
agradeceu mesmo assim e saiu da sala. Xavier ficou pensativo, girando na sua
cadeira. Maresia e Abelhão entraram na sala.
-
E aí?
Xavier
fez uma careta.
-
O cara é frouxo! Quase se cagou na minha frente!
-
Ainda nada? - Maresia surpreendeu-se.
-
Porra nenhuma. E o pior que o chefe não vai gostar nada...
-
Falou pra ele quem somos? - Perguntou Abelhão.
-
Tá doido, crioulo? - Xavier gritou. - Pro Aurélio, o espanhol é nosso cliente!
Deixe que ele pense assim!
Abelhão
concordou e nem ligou para o olhar reprovador de Maresia.
-
Deixa que ele pense que o brabo sou eu... - disse Xavier, pensativo.
************************
Aurélio
fumou dois cigarros seguidos enquanto caminhava pela Amaral Peixoto. Passou
pelo edifício que Vera trabalhava, pensou em dar um pulo na sala dela mas
desistiu. Se fosse falar na venda do casarão àquela hora da manhã, das duas
uma: Ela o poria para fora do escritório a pontapés ou simplesmente o ignoraria
completamente.
Quando
deu por si, estava na Marquês do Paraná. Decidiu subir a colina para almoçar em
casa. Depois voltava para o escritório para pegar sua pasta.
A
escalada daquela rua sinuosa de paralelepípedos era medonha. Parou no meio do
caminho e respirou fundo. Os cigarros estavam o matando, pensou enquanto metia a
mão no bolso da camisa e tirava mais um cigarro do maço.
Automaticamente
acendeu o cigarro e prosseguiu na tortura daquela escalada inumana. A cada
baforada, mais suas pernas pareciam que estavam sendo modeladas com bronze. Os
joelhos rangiam e o Vulcabrás criava calos nos dedos dos pés.
"Nunca
me acostumo com essa subida!"
Não
via a hora de sair daquele lugar. Mas só ia sair, de livre e espontânea
vontade, na hora que Vera assinasse a venda do casarão.
Para
cada passo, mais um trago no cigarro. Ele sentiu que faltava fôlego para
completar o restante da subida. Entrou na primeira rua lateral e desceu cem
metros até a pista reta. No fim dessa rua viu a mercearia de Marquinhos.
Precisava de uma cerveja bem gelada!
Quando
se aproximou, viu aquele sujeito de óculos novamente bebendo uma cerveja
sozinho em uma mesa do canto e Marquinhos, sempre sentado no banquinho com uma
garrafa de Itaipava ao lado.
-
Oi, Marquinhos, me vê uma bem gelada - pediu Aurélio, se jogando em uma cadeira
na calçada.
Marquinhos
apontou o polegar para trás e disse:
-
Pega lá!
-
Cara, estou exausto! Tira a bunda desse banco e faça alguma coisa.
Marquinhos
riu e bebeu um gole de cerveja.
-
Engraçadinho! Conta outra! - Continuou rindo enquanto enchia seu copo.
Sem
opção, Aurélio pegou uma garrafa na geladeira e voltou para o seu lugar. Encheu
o copo e fez um brinde de longe, enquanto observava o estranho sujeito isolado
na mesa. Em voz baixa, perguntou:
-
Será que ele achou algum lugar?
Marquinhos
deu de ombros.
-
Se achou, não disse nada. O cara não é de papo.
-
Ontem ele estava na minha rua, zanzando de um lado pro outro...
Marquinhos
não deu importância ao comentário. O sujeito de óculos escuros estava de costas
para eles, de braços cruzados, com um palito de dentes passeando pelos lábios
enquanto olhava a rua deserta em frente.
-
Temos que ficar de olho aberto - sussurrou Aurélio, como se estivesse
conspirando. - Não sabemos quem é o cara... quem garante que é corretor de
seguros mesmo?
-
Bem, se não for, não vai se criar no bairro. Também tô de olho nele. - disse
Marquinhos.
Quando
esvaziou com a garrafa de Itaipava, Aurélio pediu que botasse na conta, mas
avisou:
-
Não esquece... nada de cerveja!
-
Porra, cara! Já me falou isso mil vezes!
-
Sempre é bom refrescar a memória...
Marquinhos
juntou o indicador com o polegar e fez aquele gesto, que os americanos costumam
dizer que é OK, e Aurélio retribuiu o gesto, sorrindo.
Com
o fôlego renovado, subiu a ladeira de paralelepípedos. Quando se aproximou do
muro que cercava o casarão, esqueceu do incidente que passou no escritório do
Xavier e do misterioso sujeito de óculos escuros.
O
que tinha na sua cabeça, agora, era Fernanda.
A
empregadinha gostosa!
**********************
Nas
três primeiras prateleiras não encontrou nada semelhante a uma chave. Do jeito
que o armário estava abarrotado de pequenas coisas, se estivesse bem escondido,
a tarefa seria árdua e cansativa.
Resolveu
dar uma parada e sentou na beira da cama desarrumada. Estava fula da vida. Com
essa obsessão em saber o que havia naquela caixa, ainda não fizera nada. E não
queria demorar muito.
"Nem
posso. Vai que ela cisma de querer uma carta de recomendação da antiga patroa?
Estou frita!"
No
momento que levantou, escutou passos no corredor. Ficou paralisada. Com
certeza, não era Dona Vitória e nem as crianças...
-
Fernanda! - Ouviu a voz do patrão, - vou almoçar em casa...
E
agora? Fechou a porta do armário e correu para arrumar a colcha da cama. No
instante que chegou ao lado da cama, ouviu que os passos pararam na frente da
porta do quarto!
Fernanda olhou de um lado ao outro. Que desculpa iria dar agora?
Continua...
Rogerio de C. Ribeiro
Fernanda olhou de um lado ao outro. Que desculpa iria dar agora?
Continua...
Rogerio de C. Ribeiro
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