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sexta-feira, 19 de setembro de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 34

No capítulo anterior: Viu uma caixinha ao lado do espelho principal e abriu a tampa. Uma caixinha de música! Ela leu o que estava escrito na lateral: Made in Germain.
- Made in Germain? Que porra é essa?
Acordou do devaneio que a consumia e foi ao armário duplex de madeira nobre e fedendo a lustra móveis. Deixou de lado, pelo menos por enquanto, o sonho de princesa e voltou à sua realidade nua e crua de Gata Borralheira.
Abriu a primeira porta e se impressionou com a quantidade de travesseiros, cobertores, colchas, fronhas, lençóis...
- Parece um estoque de uma loja!
Bem, pensou ela se ajoelhando no tapete felpudo, vamos começar de baixo para cima. Ou encontro essa chave ou não me chamo Fernanda Silva!


- Grande Aurélio! Senta, fica à vontade! - Xavier, de pé atrás da sua mesa, apontou para uma cadeira em frente. - Juro que não esperava te ver tão cedo!
Aurélio se acomodou desajeitado na cadeira com os dedos das mãos entrelaçados. Apesar do ar condicionado marcando 20 graus na sala, ele suava. Xavier se ajeitou na sua grande cadeira e perguntou:
- E aí, quais são as novas?
Aurélio sentia-se intimidado na frente daquele narigudo cheirador de pó.
- Tô aqui pra isso, Xavier.
- Ótimo! - Xavier esfregou o nariz e depois olhou para a mão. - Falei pro meu cliente: Aurélio dobra a mulher!
Aurélio ficou em silêncio e Xavier continuou:
- Meu cliente duvidou. Mas assinei em baixo! Ontem mesmo falei com ele: Aurélio é vendedor! Convence qualquer um...
Aurélio precisava de um cigarro. Suas mãos tremiam. Daria qualquer coisa  para que estivesse em outro lugar, de preferência em uma mesa de um bar com uma cerveja e um pacote de cigarros à disposição.
Estava incomodado em ficar trancado naquela sala gelada, sentado numa cadeira confortável e com o sujeito narigudo na sua frente enaltecendo qualidades que nunca tivera na vida.
Por onde começava? O certo seria no começo. Só não queria interromper os elogios do narigudo...
- ... Ele não vê a hora de botar abaixo aquele mausoléu e iniciar as obras do maior edifício residencial de Niterói e... - Xavier notou o desagrado que vinha do outro lado da mesa e perguntou, agora nem um pouco cordial: - Pela sua cara... Não... Não me fale que sua esposa continua irredutível...
- É disso que vim falar. - disse Aurélio, frouxamente.
Tamborilando com os dedos em cima da mesa, Xavier retrucou:
- Não tô entendendo... você ainda tem quatro dias pra encerrar esse assunto... Pra quê veio aqui?
- Preciso de mais dias - disse Aurélio, tomando coragem. - Pelo menos, mais trinta dias...
Xavier socou a mesa e Aurélio teve a impressão que o coração chegou na garganta.
- Tá querendo tirar onda com minha cara? Porra! Te botei lá em cima pro meu cliente e você vem com uma dessa pra cima de mim?
Aurélio controlou o nervosismo para dizer:
- Olha, se não puder ser em trinta dias, posso tentar com quinze...
- Quinze o cacete! Teu prazo são 4 dias. Nem uma hora mais!
- O problema é minha mulher... nem tá falando comigo direito por causa disso...
- Foda-se teus problemas com a dona Encrenca. Dá seu jeito, meu amigo. Se não conseguir nada em quatro dias, pode dar adeus pros cem mil!
- Mas...
- Chega de trololó, Aurélio. Mostra quem manda naquela casa! Porra! Você não é o homem? Ou tá como enfeite?
- Sem ofensas, Xavier... vim pra negociar...
- Pra isso não tem negócio, Aurélio. O espanhol tá contando com o teu sucesso. Você deu sua palavra e nós acreditamos. Não queira bancar o espertinho pro nosso lado. Você não conhece o espanhol. E nem a mim! Se ele falar pra dar um jeito, a gente acata!
Aurélio balbuciou:
- Você fala como se houvesse algo pessoal no negócio. Só entrei nessa por causa da grana...
Aquele tipo de voz lamuriosa embrulhou o estômago de Xavier, que sem paciência, berrou:
- Vou te dar um papo reto, cara! O espanhol não tá pra brincadeira! Ele já se expôs quando escreveu a porra da carta! Ibañes não gosta de ser contrariado!
- Mas não estou contrariando ninguém, Xavier, só pedindo um prazo maior.
Xavier não respondeu. Ficou batucando a mesa e depois disse:
- Vou ver que posso fazer. Faz o seguinte. Espera minha ligação até amanhã. Te falo se o espanhol aceita mais quinze dias.
Aliviado, Aurélio disse:
- Obrigado...
- Não me agradeça ainda. Vou ver se pego o espanhol de bom humor.
Aurélio agradeceu mesmo assim e saiu da sala. Xavier ficou pensativo, girando na sua cadeira. Maresia e Abelhão entraram na sala.
- E aí?
Xavier fez uma careta.
- O cara é frouxo! Quase se cagou na minha frente!
- Ainda nada? - Maresia surpreendeu-se.
- Porra nenhuma. E o pior que o chefe não vai gostar nada...
- Falou pra ele quem somos? - Perguntou Abelhão.
- Tá doido, crioulo? - Xavier gritou. - Pro Aurélio, o espanhol é nosso cliente! Deixe que ele pense assim!
Abelhão concordou e nem ligou para o olhar reprovador de Maresia.
- Deixa que ele pense que o brabo sou eu... - disse Xavier, pensativo.
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Aurélio fumou dois cigarros seguidos enquanto caminhava pela Amaral Peixoto. Passou pelo edifício que Vera trabalhava, pensou em dar um pulo na sala dela mas desistiu. Se fosse falar na venda do casarão àquela hora da manhã, das duas uma: Ela o poria para fora do escritório a pontapés ou simplesmente o ignoraria completamente.
Quando deu por si, estava na Marquês do Paraná. Decidiu subir a colina para almoçar em casa. Depois voltava para o escritório para pegar sua pasta.
A escalada daquela rua sinuosa de paralelepípedos era medonha. Parou no meio do caminho e respirou fundo. Os cigarros estavam o matando, pensou enquanto metia a mão no bolso da camisa e tirava mais um cigarro do maço.
Automaticamente acendeu o cigarro e prosseguiu na tortura daquela escalada inumana. A cada baforada, mais suas pernas pareciam que estavam sendo modeladas com bronze. Os joelhos rangiam e o Vulcabrás criava calos nos dedos dos pés.
"Nunca me acostumo com essa subida!"
Não via a hora de sair daquele lugar. Mas só ia sair, de livre e espontânea vontade, na hora que Vera assinasse a venda do casarão.
Para cada passo, mais um trago no cigarro. Ele sentiu que faltava fôlego para completar o restante da subida. Entrou na primeira rua lateral e desceu cem metros até a pista reta. No fim dessa rua viu a mercearia de Marquinhos. Precisava de uma cerveja bem gelada!
Quando se aproximou, viu aquele sujeito de óculos novamente bebendo uma cerveja sozinho em uma mesa do canto e Marquinhos, sempre sentado no banquinho com uma garrafa de Itaipava ao lado.
- Oi, Marquinhos, me vê uma bem gelada - pediu Aurélio, se jogando em uma cadeira na calçada.
Marquinhos apontou o polegar para trás e disse:
- Pega lá!
- Cara, estou exausto! Tira a bunda desse banco e faça alguma coisa.
Marquinhos riu e bebeu um gole de cerveja.
- Engraçadinho! Conta outra! - Continuou rindo enquanto enchia seu copo.
Sem opção, Aurélio pegou uma garrafa na geladeira e voltou para o seu lugar. Encheu o copo e fez um brinde de longe, enquanto observava o estranho sujeito isolado na mesa. Em voz baixa, perguntou:
- Será que ele achou algum lugar?
Marquinhos deu de ombros.
- Se achou, não disse nada. O cara não é de papo.
- Ontem ele estava na minha rua, zanzando de um lado pro outro...
Marquinhos não deu importância ao comentário. O sujeito de óculos escuros estava de costas para eles, de braços cruzados, com um palito de dentes passeando pelos lábios enquanto olhava a rua deserta em frente.
- Temos que ficar de olho aberto - sussurrou Aurélio, como se estivesse conspirando. - Não sabemos quem é o cara... quem garante que é corretor de seguros mesmo?
- Bem, se não for, não vai se criar no bairro. Também tô de olho nele. - disse Marquinhos.
Quando esvaziou com a garrafa de Itaipava, Aurélio pediu que botasse na conta, mas avisou:
- Não esquece... nada de cerveja!
- Porra, cara! Já me falou isso mil vezes!
- Sempre é bom refrescar a memória...
Marquinhos juntou o indicador com o polegar e fez aquele gesto, que os americanos costumam dizer que é OK, e Aurélio retribuiu o gesto, sorrindo.
Com o fôlego renovado, subiu a ladeira de paralelepípedos. Quando se aproximou do muro que cercava o casarão, esqueceu do incidente que passou no escritório do Xavier e do misterioso sujeito de óculos escuros.
O que tinha na sua cabeça, agora, era Fernanda.
A empregadinha gostosa!
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Nas três primeiras prateleiras não encontrou nada semelhante a uma chave. Do jeito que o armário estava abarrotado de pequenas coisas, se estivesse bem escondido, a tarefa seria árdua e cansativa.
Resolveu dar uma parada e sentou na beira da cama desarrumada. Estava fula da vida. Com essa obsessão em saber o que havia naquela caixa, ainda não fizera nada. E não queria demorar muito.
"Nem posso. Vai que ela cisma de querer uma carta de recomendação da antiga patroa? Estou frita!"
No momento que levantou, escutou passos no corredor. Ficou paralisada. Com certeza, não era Dona Vitória e nem as crianças...
- Fernanda! - Ouviu a voz do patrão, - vou almoçar em casa...
E agora? Fechou a porta do armário e correu para arrumar a colcha da cama. No instante que chegou ao lado da cama, ouviu que os passos pararam na frente da porta do quarto!
Fernanda olhou de um lado ao outro. Que desculpa iria dar agora?

Continua...

Rogerio de C. Ribeiro

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