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quinta-feira, 18 de setembro de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 33

No capítulo anterior: - Me dê notícias, Xavier. Isso tem que acabar logo!
- Pode deixar, doutor - A voz de Xavier veio alta e satisfeita.
Aurélio ficou de pé e o homem moreno esbarrou nele, sem querer.
- Desculpe - disse ele.
- Vai na paz, doutor Rodrigo. - disse Maresia, abrindo a porta da frente.
Rodrigo Antunes não falou nada, passou pelo magricela e sumiu pelo corredor do prédio. Maresia fechou a porta e disse:
- Sua vez, amigo.
Aurélio respirou fundo e entrou na sala de Xavier.

A melhor hora do dia era quando todos estavam fora de casa. Bem, quase todos, mas Dona Vitória não contava muito. Fernanda largou a velha senhora em frente da televisão desligada e voltou na sua tarefa de procurar a chave daquela maldita caixa de ferro.
Ontem tinha sido um dia perdido, com o idiota encastelado naquela poltrona rasgada delirando nas suas pernas como um viralata no cio. Só faltou lhe arrancar o uniforme e estupra-la em cima do tapete da sala.
Essa imagem atiçou sua imaginação. Bem que tava precisando mesmo de uma boa foda, e até ontem nem pensou no patrão. Mas depois que leu aquele bilhete...
Fernanda adorava transar, mas o que mais a deixava excitada era dinheiro. Nesse caso, um bom dinheiro. Só não entendeu qual era a parada da situação. Aurélio tava com uma transação malocada, e com certeza, dona Vera não sabia disso.
Se ele tava agindo na escondida, então não era tão paspalho como imaginava. Se bem que ele tinha um jeito de sem iniciativa. Sozinho, ele não conseguiria nada. Talvez precisasse de uma ajuda de fora. E ela podia ser essa ajuda.
Não ia se precipitar. Primeiro, ainda não sabia que parada era aquela. Venda do casarão... Não sabia que dona Vera queria vender a casa. Ou não teve chance de ouvir essa conversa.
- Sou tinhosa, vou descobrir tudo. E quem vai me contar tudinho é o idiota do tarado de pau pequeno!
Ela matutava sobre isso ao mesmo tempo que catava no armário fedendo a naftalina a tal chave misteriosa. Já tinha revirado tudo e não achou nada. Passou a mão na testa suada e observou as costas da velha maluca. Sentiu raiva dela. A filha da puta só falava seu nome errado... Custava em dizer onde tinha guardado a chave? Se não conseguisse falar, que fizesse gestos, mímica!
Passeou pelo quarto e parou em frente da velha. Dona Vitória mantinha os olhos ausentes caindo no chão e babava. Uma gosma branca escorria pelo canto dos lábios e descia até o queixo, molhando a gola do vestido verde que usava. Uma larga mancha fedida emprenhou no tecido.
- Velha porca! - Fernanda gritou. - Fecha a boca!
Dona Vitória levantou os olhos e sorriu, passando a língua em cima da baba.
- Ferrrrrrrrpaaaaaaa - rugiu a velha.
- Ferpa é o cacete! - berrou Fernanda e tascou um tapa no rosto da velha. Dona Vitória descambou a cabeça para o lado e depois se ajeitou. Ainda sorria.
- Feche a porra dessa boca desdentada! - Fernanda deu outro tapa.
Dona Vitória continuou sorrindo. Dava a impressão que não sentia os tapas. Fernanda a agarrou pelos ombros e a sacudiu:
- Velha miserável, conta onde está essa chave!!!!
Pelo jeito, a velha podia levar mil tapas que não ia falar mesmo. Bufando, Fernanda saiu do quarto. Foi para a cozinha; ali podia esfriar a cabeça e raciocinar.
Nem se preocupou se a cara da velha ficaria marcado com os tapas. Estava tão furiosa que sentou-se à mesa, agarrou a cabeça com as mãos e disse:
- Calma... calma... já passei por situações piores e me safei de todas... não vou botar tudo a perder por causa da velha maluca... Pense... Esfrie a cabeça... A chave não está lá... Onde posso achar...
Por um minuto ela ficou em silêncio. De repente, bateu na mesa e gritou:
- Puta que pariu! Como pude ser tão cega!
Ela pulou da cadeira e foi procurar no lugar que era o mais óbvio possível e ela não tinha enxergado.
Claro que a chave não estava com a velha doida! Pra quê guardaria, se nem saía daquela cadeira de rodas e vivia no mundo da lua?
A chave devia estar guardada em um lugar que a pessoa pudesse pegar aquela caixa e abri-la com tranquilidade.
Fernanda atravessou o corredor e entrou no quarto do casal.
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Vera irrompeu feito um furacão no seu escritório equilibrando o pesado álbum de fotografias em cima da pasta de processos. Cida, que preparava café no pequeno espaço que chamava de cozinha, correu para ajuda-la. Vera disse, rispidamente:
- Pega a pasta! Rápido!
Cida puxou a pasta de processos debaixo do álbum, que oscilou nos braços da advogada. A secretária deu passagem e a patroa entrou na sua sala e fechou a porta com o calcanhar.
- Xiiii  - fez Cida, guardando a pasta em cima do arquivo. - Ela não tá nada boa... será que não gostou do beijo? - Deu uma risadinha e voltou para a cafeteira na "cozinha".
Sentada na sua cadeira de couro e com o álbum em cima da sua mesa, Vera analisava a capa que mostrava uma mulher segurando uma criança. Intrigada, virou a capa. Na primeira página viu uma foto grande de uma mulher elegante, de chapéu e com óculos escuros em estilo gatinho, típico dos anos 1960.
À primeira vista, a fisionomia da mulher posando ao lado de um Cadillac, em um vestido estampado e de luvas pretas nas mãos, era o da sua mãe. Essa foto devia ter cinquenta anos.
- Pelos trajes e o carro, sim, é desse tempo...
O lugar parecia ser Petrópolis. Havia uma sombra, provavelmente de um homem de chapéu, tirando a foto.
- Não estou entendendo - murmurou ela, nervosa.
Virou as páginas. Mais fotos da moça. Em um retrato, ela posava de perfil. O mesmo nariz aquilino da mãe, o mesmo olhar arrogante, o mesmo sorriso.
Tirou um retrato do plástico e olhou o verso. Havia uma data escrito com uma letra bonita:
"Petrópolis, 5 de abril de 1961"
"Não acredito...", Vera largou o retrato. Vasculhou por outros retratos e nos versos todos diziam os anos entre 1961 a 1965.
Quando chegou no final do álbum, encontrou um papel amarelado pelo tempo dobrado. Abriu e leu:
" Não aguento mais. Por mais que esforce, sinto as forças me abandonando. Não sei mais o que faço. Uma hora conto tudo!"
O resto do bilhete estava borrado e não deu para decifrar. Largou o papel que caiu mansamente sobre o álbum.
Os retratos mostravam uma mulher com mais de vinte anos. Há cinquenta e dois anos atrás.
O xis da questão era:
Dona Vitória tinha 67 anos. Em 1961, ela tinha quinze anos...
E a moça das fotos, com certeza absoluta, não tinha quinze anos!
- É a cara da minha mãe... Mas não é minha mãe! - disse Vera, assustada.
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Mais uma vez ela se impressionou com a suntuosidade daquele quarto do casal. Tudo ali era bonito, limpo, organizado. Era o único lugar da casa que não tinha autorização para entrar.
- Aposto que a vaca mal acorda e já passa um pano nos móveis.
Não seria surpresa se fosse isso mesmo. Não foi ela que disse: "Detesto ver bagunça!"? Bem, o quarto era o espelho da patroa. Imaculado, insosso, assexuado.
- É do tipo de mulher que quando fode, corre logo pro chuveiro para lavar a buceta!
Fernanda pisou com cuidado sobre o tapete felpudo e num ímpeto, jogou-se na cama de casal, afundando no colchão semi-ortopédico.
- Ai, que cama deliciosa!
Era a primeira vez que se deitava assim. Remexeu com as mãos, como se nadasse de costas, no colchão bordado à mão. Enquanto a velha dormia em um quarto tomado pela umidade e as crianças em camas carcomidas por cupins, a rainha construiu seu castelo de luxo, onde só ela usufruía de conforto.
Ela ficou sentada na beira e vasculhou, com olhos sagazes, algum lugar que a dona Vera perfeccionista pudesse ter guardado a chave. Tinha que ter cuidado na hora que procurasse. Do jeito que sua patroa era, com certeza tinha memorizado todas posições dos objetos. Um milímetro fora, ela ia descobrir que alguém mexeu ali!
Em cima da penteadeira havia um arsenal de cosméticos de todos tipos. Fernanda acariciou um dos potes como se fosse um amante. Delicadamente, abriu a tampa e passou com a ponta do dedo levemente sobre o creme facial. Massageou sua face e depois cheirou o dedo perfumado. Suspirou fundo e caiu na cadeira ao lado. Olhou-se pelo espelho de quatro faces e admirou-se. Tirou os grampos do coque e soltou os cabelos.
Sentiu-se a verdadeira rainha. Aquela penteadeira e os cosméticos significavam muito para a moça, que nunca teve nada disso na sua vida.
Fechou o pote com cuidado que não saísse da posição e abriu outro pote. Foi experimentando um a um, até que seu rosto ficou ensebado de tantos cremes.
Viu uma caixinha ao lado do espelho principal e abriu a tampa. Uma caixinha de música! Ela leu o que estava escrito na lateral: Made in Germain.
- Made in Germain? Que porra é essa?
Acordou do devaneio que a consumia e foi ao armário duplex de madeira nobre e fedendo a lustra móveis. Deixou de lado, pelo menos por enquanto, o sonho de princesa e voltou à sua realidade nua e crua de Gata Borralheira.
Abriu a primeira porta e se impressionou com a quantidade de travesseiros, cobertores, colchas, fronhas, lençóis...
- Parece um estoque de uma loja!
Bem, pensou ela se ajoelhando no tapete felpudo, vamos começar de baixo para cima. Ou encontro essa chave ou não me chamo Fernanda Silva!

Continua...

Rogerio de C. Ribeiro

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