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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 35

No capítulo anterior:

Abismada e ao mesmo tempo intrigada, Vera olhava o álbum aberto sobre sua mesa. Vários retratos em preto e branco de uma moça incrivelmente parecida com sua mãe, repousavam em um monte. Ela tirara as fotos dos plásticos que a protegiam e agora olhava bem de perto, procurando uma pista que pudesse decifrar aquele mistério.
Realmente, a moça das fotos não tinha quinze anos. Notou um risco ao lado dos lábios, muita maquiagem e um corpo bem definido. Em um dos retratos, a moça (minha mãe? Não é possível!!!) desfilava pela praia de Icaraí de maiô, com o antigo trampolim ao fundo. No verso desse retrato, tinha uma dedicatória:
"Eu e meu amor nessa tarde maravilhosa em Icaraí. 1962."
Nos versos de todas fotos tinham mensagens desse tipo: "Eu e o homem da minha vida no Saco de São Francisco", "Eu e ele no Campo de São Bento", "Eu e ele em Petrópolis...". Em nenhuma dela tinha uma assinatura ou revelasse quem era ele.
"Pode ser uma tia minha..."
Mas que tia? Desde pequena ouviu sua mãe dizendo que era filha única. Uma vez até brincou com ela:
- Acho que é o mal da nossa família - dissera Dona Vitória. Vera se lembra que tinha 14 anos quando tiveram essa conversa. Estavam na sala principal do casarão e lá fora a chuva que caía tamborilava pela calha. Seu pai tinha viajado para o interior do Estado. Foi uma época de muitas viagens do seu pai. - Minha mãe foi filha única, como a minha avó. E eu. Quando pensei que ia presentear seu pai com mais filhos, veio só você. Espero que quebre essa corrente, Vera!
E Vera quebrou. Teve três filhos maravilhosos. Já que sua mãe foi filha única, a pessoa da foto não era sua irmã, concluiu. Então quem era? Uma prima bem próxima?
É claro que devia ser uma pessoa importante para sua mãe. Guardou o álbum durante esses anos todos...
"Mas se era importante, porquê nunca foi mencionada em nenhuma conversa que tivemos ou veio nos visitar? Nossa casa vivia cheia. Sempre tinha uma reunião política ou os encontros mensais com a sociedade. Mas nunca apareceu nenhum parente."
Em relação a parentes, tinha uma explicação para isso. Sua mãe perdeu os pais ainda bem jovem, como seu pai, que o único membro familiar mais próximo era uma tia octogenária que morava em um asilo e que faleceu quando Vera tinha 10 anos. Dona Vitória sempre tinha uma frase na ponta da língua:
- Família sou eu, seu pai e você. Mais ninguém.
E Vera se habituou a isso. Pelo menos, até agora com esse álbum aberto em cima da mesa.
O telefone tocou e ela atendeu. Ouviu Cida, no outro lado da extensão:
- Doutora, a senhora atende o Sr. Rodrigo?
Já? Não tem nem 24 horas que nos vimos..., pensou Vera. Não estava disposta e nem com cabeça para ficar conversando com um antigo colega de escola - hoje um admirável homem que a beijou em pleno centro da cidade! - e ia pedir que Cida inventasse uma desculpa esfarrapada qualquer, que ela tinha ido ao Fórum, estava em reunião com um cliente ou que tinha ido ao ginecologista para fazer um preventivo, mas ao invés disso, respondeu:
- Pode passar, Cida. E me faça um favor...
- Sim, doutora.
- Não ouça a ligação. - Antes que Cida reclamasse, ordenou: - Vamos, passe a ligação!
Ouviu um click e a voz grossa no outro lado:
- Bom dia, Vera!
- Madrugou? - Ela perguntou, surpresa com a alegria que estava tendo no momento.
- Nem dormi direito - disse Rodrigo.
- Tadinho - Vera brincou. - Por quê?
Ela ouviu a risada dele.
- Pensei em você a noite toda.
- Deixa de ser mentiroso, rapaz!
- Verdade! Pensei como foi gostoso o beijo que te dei.
- Devia denuncia-lo por assédio! - Agora ela ria.
- Então vou correr o risco que me denuncie. Quero te ver.
- Estou ocupada com um problema...
- Vera, vamos nos encontrar. Talvez possa ajuda-la nesse seu problema.
- Não... - A palavra soou fraca demais, nem um pouco convincente. E para dizer a verdade, ela precisava desabafar com alguém sobre aquele álbum misterioso...
- Vera, não aceito "Não" como uma resposta válida. Estou em Niterói. Posso ir no seu escritório. Ou prefere me encontrar em outro lugar?
- Rodrigo, não sei...
- Chalé - disse ele. - A essa hora está vazio. Te espero lá em meia-hora. Tchau. - Desligou.
Chalé era um restaurante e choperia no final da Praia de Icaraí, um dos mais antigos da cidade. Beber um chope sentado na varanda durante o pôr do sol era um espetáculo natural dos mais belos.
- Um chope! Não acredito - disse Vera, pegando alguns retratos da misteriosa moça em preto e branco e guardando-os na sua bolsa. Deu uma espiada na sua agenda e viu que não tinha nenhum cliente marcado. Saiu da sua sala e avisou a Cida:
- Vou atender um cliente e não sei a hora que volto - fechou a porta atrás de si, ruidosamente.
Cida, que lia um livro, olhou-a por cima dos óculos de leitura e pensou:
"Sei... cliente... conta outra, doutora! Em cima de moá não cola!"
                                  ******************
Vera estacionou o Palio na Rua Miguel de Frias, próximo à Reitoria da U.F.F. Trancou o carro e caminhou para o restaurante que ficava na esquina dessa rua, em frente à Praça Getúlio Vargas. Àquela hora, o lugar estava vazio. Um dos atendentes trocava o barril de chope e um garçom, preguiçosamente, arrumava os cardápios em cima das mesas.
Ela entrou e viu Rodrigo sentado na varanda, de terno e com sua pasta em cima de uma cadeira, de costas para ele, provavelmente olhando as pessoas caminhando pelo calçadão da praia.
Era uma manhã sem nuvem no céu e fazia um calor agradável. Vera se aproximou e brincou:
- O senhor está sozinho?
Rodrigo levantou-se e respondeu no mesmo tom:
- Esperava uma pessoa, mas já que não apareceu, agradeço se me fizesse companhia.
Vera sentou e disse:
- Acho que estou doida...
- Por ter vindo? - Rodrigo riu. - Fiquei feliz por ter aceitado meu convite.
- O que quer comigo? - Vera perguntou. Queria bancar a durona com ele, mas não conseguia. Ele não era Aurélio!
Rodrigo não respondeu; acenou para o garçom dos cardápios e pediu dois chopes. Antes que Vera recusasse a bebida, ele já tinha posto uma tulipa para ela. Ele fez um brinde:
- Ao reencontro.
Ela brindou e bebeu um gole do chope gelado. Não tinha o costume de beber cerveja, preferia vinho, mas esse chope estava delicioso.
- Qual deles, no Campo de São Bento ou no Bela Blú?
Rodrigo pegou a mão esquerda que ela tinha sobre a mesa e respondeu, olhando-a fixamente:
- Em todas elas, Vera.
Mais uma vez ele a beijou de surpresa, e dessa vez, ela aceitou o beijo naturalmente. Vera sentia-se como se fosse uma adolescente sendo beijada pelo primeiro namorado.
Acordou do transe e se afastou. Aquilo era ridículo! Sua fase de adolescente já tinha passado há muito tempo! Hoje era uma mulher de 37 anos, casada e mãe de três filhos. Não devia estar ali sentada com um homem que reencontrou há quatro dias, como se estivesse vivendo um romance...
Ela disse isso para ele. Rodrigo sorriu e não parecia surpreso.
- Eu entendo. Mas não resisti ao seu encanto, Vera.
- Isso é ridículo - Ela tentou ser convincente, mas sua voz fraquejou.
- O amor não é ridículo. Pelo menos, não acho assim. - Ele esvaziou a tulipa de chope e pediu mais um ao garçom. - Nunca imaginei que minha paixão por você voltasse assim, de repente. Mas quando te vi no Campo de São Bento, essa chama adormecida acordou de repente!
- Que papo idiota é esse, Rodrigo?
- Sempre fui apaixonado por você. Uma paixão platônica, mas verdadeira. Você que nunca olhou pra mim...
"Um magricela com espinhas na cara... Claro que não vi!"
- Agora me diga, Vera, com toda sinceridade. Dependendo da sua resposta, posso me levantar e ir embora ou ficamos juntos... Você é feliz com seu marido?
Vera se irritou com aquela pergunta. Que disparate!
- Não te interessa!
Ele segurou a mão dela com suavidade. O contato dele era delicioso, pensou Vera.
- Interessa sim. Eu fui casado por vários anos e nunca fui feliz. A única coisa de bom nesse relacionamento foram meus filhos. Eu não quero mais viver me iludindo com outras mulheres que nunca vão me acrescentar em nada... Mas você é diferente, Vera!
- Olha, me arrependi de ter vindo aqui...
- Me responda. Prometo que te deixo em paz, mas diga: Você ama seu marido?
Ele mantinha os olhos grudados nela, e Vera ficou propensa em dizer que amava Aurélio, mas não conseguiu mentir. Ela se sentia em paz com esse homem, e seria injusto que não fosse verdadeira também.
- Não... Não amo.

Continua...

Rogerio de C. Ribeiro

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