Na certeza que não havia ninguém, empurrou a cadeira de rodas para o banheiro.
O que Fernanda não percebeu foi Dequinha, no arco que separava o corredor da sala de jantar, parada ali. A menina ia para o seu quarto e viu sua avó toda suja. E cheirando mal.
O
garçom trouxe duas taças de vinho tinto. Rodrigo agradeceu e bebeu um pequeno
gole. Vera fez o mesmo.
Era
impressão dela, ou o pianista resolveu tocar músicas mais alegres?
Vera
observava o homem sentado na sua frente. Era impressionante como o tempo podia ser cruel para algumas pessoas, mas para outras consegue ser o contrário. Daquele
magricelo com a cara cheio de espinhas, Rodrigo se transformou em um homem
bonito. Com certeza, fez um tratamento no dermatologista para eliminar as acnes
e espinhas e teve grande sucesso, já que não havia nenhuma marca no
rosto.
E
estava bronzeado. Devia frequentar a praia para jogar peteca ou futebol de
areia. Ela deduziu pelo porte atlético, de um esportista.
E
tinha olhos penetrantes... Quando se é adolescente, só olhamos para os garotos
bonitos e fortes e se fossem mulherengos, aí a atração era maior. Mas conforme o
tempo passa, nosso olhar modifica em relação aos homens... - Vera divagou,
entre um gole e outro no vinho.
Rodrigo
falava algo, mas ela não prestava atenção. Deu fim nos devaneios e voltou ao
presente:
-
Desculpe, estava distraída.
-
Perguntei se você vem sempre aqui.
-
De vez em quando - respondeu Vera. - Você trabalha aqui perto?
-
Não, meu escritório é no Castelo.
-
E o que faz perdido em Niterói a essa hora da tarde?
Rodrigo
não respondeu de imediato. Acenou para o garçom e pediu outra taça. Depois
apoiou os cotovelos na mesa, cruzou suas mãos enormes sem nenhum adereço nos
dedos e respondeu:
-
Vim tratar de negócios com um cliente na Amaral Peixoto. Pensei que ia demorar
mais, mas me enganei. Pensei em até voltar ao escritório, mas resolvi ficar por
aqui mesmo.
-
Você mora em Icaraí...
-
Isso. Sozinho em um apartamento de dois quartos. Para mim, parece um castelo.
-
Deve ser horrível morar sozinho...
-
Às vezes acho, mas não é sempre. Sinto falta das crianças. Quando estou com
elas, esqueço de tudo...
Vera
pensou no marido. Se o mandasse embora, ele teria a mesma reação que Rodrigo,
já que era muito apegado às crianças. Esse era o dilema que a atormentava.
Os
dois conversaram sobre vários assuntos, do tempo do colégio, dos casamentos,
dos filhos. Até que Rodrigo disse:
-
Maria Estela foi uma pessoa encantadora no nosso tempo de noivado. Era
engraçada, espirituosa, gostava das mesmas coisas que eu. Depois do
casamento e do nascimento das crianças, ela mudou.
Ele
parou. Curiosa, Vera perguntou:
-
Mudou como? Será que ela sempre foi assim e você que não enxergava?
-
Pode ser. Eu caía de quatro por ela. Mas... Desculpe, Vera. Nunca disse isso
para ninguém.
-
Pra mim pode falar.
-
Maria Estela me atormentava. Não tinha mais um dia tranquilo. Ela me atrapalhou
nos negócios, na minha vida, em tudo.
-
Tipo mulher ciumenta?
-
Obsessiva. Por isso pedi o divórcio. Mas ela não aceitou a separação. Fez de
tudo pra que eu voltasse atrás. Usou nossos filhos como chantagem. Mas fui
firme e saí de casa.
-
Por isso teve que entrar na justiça para ver seus filhos?
-
Sim... Mas essa história é longa e dolorosa. Vamos deixar de lado as coisas
tristes.
-
Concordo - disse Vera.
Vera
não queria admitir, mas aquele homem a atraía. Há muito tempo não sabia o que
era ser balançada quando estava ao lado de um homem de verdade.
Aurélio
não contava. Cada vez mais se convencia que se casou mais para contrariar o seu
pai.
O
papo estava tão agradável que ela nem percebeu as horas passando. Quando olhou
o relógio, assustou-se.
-
Meu Deus! Tenho que ir pra casa! Já é tarde!
-
São sete e meia... - disse Rodrigo.
-
Eu sei... e em casa jantamos à oito em ponto!
-
Se quiser uma carona...
-
Não, obrigada! Meu carro está estacionado aqui perto.
O
garçom trouxe a conta. Vera pegou sua bolsa e Rodrigo disse:
-
Não, eu pago.
-
O que é isso? Quando você sentou, eu já tinha almoçado e...
-
Eu pago - insistiu ele.
Vera
não concordou.
-
Olhe, Rodrigo, se você ainda fosse meu namorado, noivo...
-
Quem sabe podemos ser amantes? - Ele disse, sorrindo.
Vera
espantou-se.
-
Não... o que é isso?
-
Estou brincando, Vera - disse Rodrigo. Mas seus olhos diziam o contrário. Vera
sentiu um frio correndo na espinha.
Finalmente,
os dois acertaram a conta. Quando saíram do restaurante, ele a acompanhou até
na esquina da Amaral Peixoto. Vera estendeu a mão e Rodrigo, subitamente, a
beijou nos lábios.
Vera
aceitou o beijo com naturalidade. Quando ela se afastou dele, percebeu que
estavam atrapalhando as pessoas caminhando na calçada.
-
Quando te vejo? - Perguntou Rodrigo.
-
Não sei... - Em muito tempo ela não se sentia daquele jeito.
Rodrigo
tirou um cartão do bolso e entregou a Vera.
-
Me liga. Quero te ver novamente. O mais rápido possível.
A
vontade de Vera era gritar: "Eu sou casada, mãe de três filhos, tenho uma
reputação pra zelar...", mas ao invés disso, disse:
-
Eu te ligo.
Rodrigo
sorriu. Vera atravessou a rua e entrou na Visconde de Sepetiba, onde
estacionava seu carro. Rodrigo continuou onde estava. Tinha um ar pensativo.
Pessoas
iam e vinham na correria de voltarem para suas casas, mas Rodrigo não tinha
pressa. Absorto em pensamentos, mal escutou o barulho do seu celular tocando.
Pegou
o telefone do bolso interno do paletó e disse, enquanto caminhava pela rua Dr.
Celestino em direção de Icaraí:
-
Alô? Sou eu... Ah... Sim, estive com ela... não, eu não... espera aí! Falei que
ia resolver... estou tentando... dei minha palavra... é, vou vê-la de novo...
espero também que tudo corra rápido... Tá, eu mantenho contato.
Desligou
o celular. Agora a expressão em seu rosto não tinha nada de simpático.
************
Na
esquina da rua da Conceição existe uma pequena rua que as pessoas conhecem como
"Beco da Sardinha". Com dois bares servindo a centenas de pessoas que
se amontoam em mesas nas calçadas e até no meio da rua, é o ponto de encontro
das pessoas no final do dia.
Entre
uma dessas mesas, Cida se enroscava com Abelhão sentado ao seu lado. O Preto
novo da secretária de Vera devorava a lasanha que a namorada trouxe dentro de
uma quentinha para ele enquanto esvaziavam algumas garrafas de cerveja.
No
momento que Cida combinava com o Preto de passarem o final de semana na casa
dela, Vera e Rodrigo despontaram na esquina do Beco.
Mesmo
com várias pessoas zanzando de um lado ao outro, Cida viu sua patroa sendo
beijada por um cara elegante, bem vestido. Ela agarrou o braço de Abelhão e
disse:
-
Meu Deus! O mundo vai acabar!
O
negro de quase dois metros parou com a empreitada da degustação e perguntou,
sem entender nada:
-
Que deu em você, mulher?
Cida
apontou para a esquina.
-
Minha patroa com um sujeito estranho! E os dois se beijando!
Abelhão
mordeu um pedaço de lasanha.
-
E daí? É o que mais tem hoje!
-
Você não conhece a doutora. Fica bancando a difícil, sempre empinando o
nariz... Taí! Brochei com essa!
-
Não existe santinha em nenhum lugar. Essas é que são as piores - filosofou
Abelhão, esvaziando seu copo de cerveja numa golada só.
-
Deve ter sido o vinho... ela não comeu nada no almoço...
Abelhão
nem queria saber, o importante foi que a lasanha estava deliciosa.
-
Olha lá, Preto - Cida apontou novamente, dessa vez sem nenhuma discrição. - O
cara tá sozinho...
Abelhão
pegou uma garrafa de cerveja.
Encheu os copos da mesa e quando viu Rodrigo olhando para o Beco, comentou:
Encheu os copos da mesa e quando viu Rodrigo olhando para o Beco, comentou:
-
Eu conheço esse cara.
-
Conhece de onde?
-
Do meu serviço. É... tenho quase certeza que é ele!
Continua...
No próximo capítulo: A tarde de Aurélio em casa, com a nova empregada para servi-lo.
Rogerio de C. Ribeiro
Continua...
No próximo capítulo: A tarde de Aurélio em casa, com a nova empregada para servi-lo.
Rogerio de C. Ribeiro
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