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sábado, 6 de setembro de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 27

No capítulo anterior: Ela empurrou a cadeira em direção ao corredor. Quando abriu a porta do quarto, certificou-se que aqueles pentelhos não estavam por perto. O patrão babão a essa hora devia estar tocando uma bronha pensando nela. Esse sabia que não estaria ali.
Na certeza que não havia ninguém, empurrou a cadeira de rodas para o banheiro.
O que Fernanda não percebeu foi Dequinha, no arco que separava o corredor da sala de jantar, parada ali. A menina ia para o seu quarto e viu sua avó toda suja. E cheirando mal.

O garçom trouxe duas taças de vinho tinto. Rodrigo agradeceu e bebeu um pequeno gole. Vera fez o mesmo.
Era impressão dela, ou o pianista resolveu tocar músicas mais alegres?
Vera observava o homem sentado na sua frente. Era impressionante como o tempo podia ser cruel para algumas pessoas, mas para outras consegue ser o contrário. Daquele magricelo com a cara cheio de espinhas, Rodrigo se transformou em um homem bonito. Com certeza, fez um tratamento no dermatologista para eliminar as acnes e espinhas e teve grande sucesso, já que não havia nenhuma marca no rosto.
E estava bronzeado. Devia frequentar a praia para jogar peteca ou futebol de areia. Ela deduziu pelo porte atlético, de um esportista.
E tinha olhos penetrantes... Quando se é adolescente, só olhamos para os garotos bonitos e fortes e se fossem mulherengos, aí a atração era maior. Mas conforme o tempo passa, nosso olhar modifica em relação aos homens... - Vera divagou, entre um gole e outro no vinho.
Rodrigo falava algo, mas ela não prestava atenção. Deu fim nos devaneios e voltou ao presente:
- Desculpe, estava distraída.
- Perguntei se você vem sempre aqui.
- De vez em quando - respondeu Vera. - Você trabalha aqui perto?
- Não, meu escritório é no Castelo.
- E o que faz perdido em Niterói a essa hora da tarde?
Rodrigo não respondeu de imediato. Acenou para o garçom e pediu outra taça. Depois apoiou os cotovelos na mesa, cruzou suas mãos enormes sem nenhum adereço nos dedos e respondeu:
- Vim tratar de negócios com um cliente na Amaral Peixoto. Pensei que ia demorar mais, mas me enganei. Pensei em até voltar ao escritório, mas resolvi ficar por aqui mesmo.
- Você mora em Icaraí...
- Isso. Sozinho em um apartamento de dois quartos. Para mim, parece um castelo.
- Deve ser horrível morar sozinho...
- Às vezes acho, mas não é sempre. Sinto falta das crianças. Quando estou com elas, esqueço de tudo...
Vera pensou no marido. Se o mandasse embora, ele teria a mesma reação que Rodrigo, já que era muito apegado às crianças. Esse era o dilema que a atormentava.
Os dois conversaram sobre vários assuntos, do tempo do colégio, dos casamentos, dos filhos. Até que Rodrigo disse:
- Maria Estela foi uma pessoa encantadora no nosso tempo de noivado. Era engraçada, espirituosa, gostava das mesmas coisas que eu. Depois do casamento e do nascimento das crianças, ela mudou.
Ele parou. Curiosa, Vera perguntou:
- Mudou como? Será que ela sempre foi assim e você que não enxergava?
- Pode ser. Eu caía de quatro por ela. Mas... Desculpe, Vera. Nunca disse isso para ninguém.
- Pra mim pode falar.
- Maria Estela me atormentava. Não tinha mais um dia tranquilo. Ela me atrapalhou nos negócios, na minha vida, em tudo.
- Tipo mulher ciumenta?
- Obsessiva. Por isso pedi o divórcio. Mas ela não aceitou a separação. Fez de tudo pra que eu voltasse atrás. Usou nossos filhos como chantagem. Mas fui firme e saí de casa.
- Por isso teve que entrar na justiça para ver seus filhos?
- Sim... Mas essa história é longa e dolorosa. Vamos deixar de lado as coisas tristes.
- Concordo - disse Vera.
Vera não queria admitir, mas aquele homem a atraía. Há muito tempo não sabia o que era ser balançada quando estava ao lado de um homem de verdade.
Aurélio não contava. Cada vez mais se convencia que se casou mais para contrariar o seu pai.
O papo estava tão agradável que ela nem percebeu as horas passando. Quando olhou o relógio, assustou-se.
- Meu Deus! Tenho que ir pra casa! Já é tarde!
- São sete e meia... - disse Rodrigo.
- Eu sei... e em casa jantamos à oito em ponto!
- Se quiser uma carona...
- Não, obrigada! Meu carro está estacionado aqui perto.
O garçom trouxe a conta. Vera pegou sua bolsa e Rodrigo disse:
- Não, eu pago.
- O que é isso? Quando você sentou, eu já tinha almoçado e...
- Eu pago - insistiu ele.
Vera não concordou.
- Olhe, Rodrigo, se você ainda fosse meu namorado, noivo...
- Quem sabe podemos ser amantes? - Ele disse, sorrindo.
Vera espantou-se.
- Não... o que é isso?
- Estou brincando, Vera - disse Rodrigo. Mas seus olhos diziam o contrário. Vera sentiu um frio correndo na espinha.
Finalmente, os dois acertaram a conta. Quando saíram do restaurante, ele a acompanhou até na esquina da Amaral Peixoto. Vera estendeu a mão e Rodrigo, subitamente, a beijou nos lábios.
Vera aceitou o beijo com naturalidade. Quando ela se afastou dele, percebeu que estavam atrapalhando as pessoas caminhando na calçada.
- Quando te vejo? - Perguntou Rodrigo.
- Não sei... - Em muito tempo ela não se sentia daquele jeito.
Rodrigo tirou um cartão do bolso e entregou a Vera.
- Me liga. Quero te ver novamente. O mais rápido possível.
A vontade de Vera era gritar: "Eu sou casada, mãe de três filhos, tenho uma reputação pra zelar...", mas ao invés disso, disse:
- Eu te ligo.
Rodrigo sorriu. Vera atravessou a rua e entrou na Visconde de Sepetiba, onde estacionava seu carro. Rodrigo continuou onde estava. Tinha um ar pensativo.
Pessoas iam e vinham na correria de voltarem para suas casas, mas Rodrigo não tinha pressa. Absorto em pensamentos, mal escutou o barulho do seu celular tocando.
Pegou o telefone do bolso interno do paletó e disse, enquanto caminhava pela rua Dr. Celestino em direção de Icaraí:
- Alô? Sou eu... Ah... Sim, estive com ela... não, eu não... espera aí! Falei que ia resolver... estou tentando... dei minha palavra... é, vou vê-la de novo... espero também que tudo corra rápido... Tá, eu mantenho contato.
Desligou o celular. Agora a expressão em seu rosto não tinha nada de simpático.
                               ************
Na esquina da rua da Conceição existe uma pequena rua que as pessoas conhecem como "Beco da Sardinha". Com dois bares servindo a centenas de pessoas que se amontoam em mesas nas calçadas e até no meio da rua, é o ponto de encontro das pessoas no final do dia.
Entre uma dessas mesas, Cida se enroscava com Abelhão sentado ao seu lado. O Preto novo da secretária de Vera devorava a lasanha que a namorada trouxe dentro de uma quentinha para ele enquanto esvaziavam algumas garrafas de cerveja.
No momento que Cida combinava com o Preto de passarem o final de semana na casa dela, Vera e Rodrigo despontaram na esquina do Beco.
Mesmo com várias pessoas zanzando de um lado ao outro, Cida viu sua patroa sendo beijada por um cara elegante, bem vestido. Ela agarrou o braço de Abelhão e disse:
- Meu Deus! O mundo vai acabar!
O negro de quase dois metros parou com a empreitada da degustação e perguntou, sem entender nada:
- Que deu em você, mulher?
Cida apontou para a esquina.
- Minha patroa com um sujeito estranho! E os dois se beijando!
Abelhão mordeu um pedaço de lasanha.
- E daí? É o que mais tem hoje!
- Você não conhece a doutora. Fica bancando a difícil, sempre empinando o nariz... Taí! Brochei com essa!
- Não existe santinha em nenhum lugar. Essas é que são as piores - filosofou Abelhão, esvaziando seu copo de cerveja numa golada só.
- Deve ter sido o vinho... ela não comeu nada no almoço...
Abelhão nem queria saber, o importante foi que a lasanha estava deliciosa.
- Olha lá, Preto - Cida apontou novamente, dessa vez sem nenhuma discrição. - O cara tá sozinho...
Abelhão pegou uma garrafa de cerveja.
Encheu os copos da mesa e quando viu Rodrigo olhando para o Beco, comentou:
- Eu conheço esse cara.
- Conhece de onde?
- Do meu serviço. É... tenho quase certeza que é ele!

Continua...

No próximo capítulo: A tarde de Aurélio em casa, com a nova empregada para servi-lo.

Rogerio de C. Ribeiro

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