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terça-feira, 23 de setembro de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 36

No capítulo anterior: "Nem posso. Vai que ela cisma de querer uma carta de recomendação da antiga patroa? Estou frita!"
No momento que levantou, escutou passos no corredor. Ficou paralisada. Com certeza, não era Dona Vitória e nem as crianças...
- Fernanda! - Ouviu a voz do patrão, - vou almoçar em casa...
E agora? Fechou a porta do armário e correu para arrumar a colcha da cama. No instante que chegou ao lado da cama, ouviu que os passos pararam na frente da porta do quarto!
Fernanda olhou de um lado ao outro. Que desculpa iria dar agora?


Fernanda ouviu o som dos passos no corredor mais nítidos, e de repente cessaram. Ele estava em frente da porta. Se a pegasse mais uma vez ali dentro, dessa vez não acreditaria na sua desculpa!
Fernanda espiou a cama de casal desarrumada e nem teve tempo para planejar nada. Se agachou e viu que embaixo da cama havia um espaço suficiente para se esconder. Rapidamente, se arrastou pelo chão e ficou embaixo do estrado. Puxou uma ponta da colcha para ocultar.
Nesse instante, Aurélio entrou no quarto. A reação que ele teve foi que Fernanda imaginou. Ele ficou assombrado com a desarrumação da colcha da cama de casal.
- O que aconteceu aqui? - Aurélio não conseguia entender. Vera fazia a cama todos dias, era uma das neuras que tinha! Não admitia que ninguém de fora mexesse nas suas coisas! - Essa cama tá toda desarrumada!
Encolhida embaixo da cama, Fernanda escutava em silêncio. O chão estava repleto de poeira. "Dona Vera não é tão eficaz como você pensa, idiota!", pensou. Viu os sapatos Vulcabrás do patrão se aproximando da cama. Em seguida, o colchão desceu um pouco. Por um pouco ficaria amassada.
Sentado na cama, Aurélio pensou:
"Pra ela esquecer de arrumar a cama, é bem provável que está com a cabeça em outro lugar. Espero que não venha com o negócio de separação agora."
Preocupado, ele se levantou e entrou no banheiro. Fernanda ouviu a tampa da privada abrindo e o som dele urinando. Deu uma espiada e viu a porta do banheiro encostada; aproveitou e rolou para fora e saiu rápido do quarto.
Quando chegou na cozinha, tirou a poeira do corpo. Pra quê ele chegou tão cedo? Só atrapalhou sua busca!
Voltou para o corredor e se aproximou do quarto do casal. Viu Aurélio ao lado da cama de casal e fingiu surpresa:
- Seu Aurélio! Não vi o senhor chegando!
- Oi, Fernanda - disse um atrapalhado patrão, tentando inutilmente ajeitar a colcha sobre a cama. - Onde estava? Te chamei à beça!
- Estava com Dona Vitória... - Ela entrou no quarto. - Deixa que arrumo para o senhor.
- Obrigado - disse ele, agradecido. Em menos de um minuto, Fernanda forrou a cama.
- O senhor vai almoçar em casa?
- Sim, vou sair só mais tarde.
Fernanda sorriu e se retirou do quarto. Aurélio olhou em volta, procurando por mais algum deslize de Vera e também se retirou depois.
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Mais uma vez Fernanda esperou na varanda do casarão enquanto Juninho, Anabela e Dequinha chegaram da escola na Kombi escolar. Dequinha entrou pelo portão aberto correndo e de braços abertos para a nova empregada, que a abraçou bem apertado. Logo atrás vinham Juninho e Anabela de cabeça baixa, caminhando lentamente. Assim que os dois atravessaram o portão, Fernanda, ainda com Dequinha a abraçando na altura da cintura, apontou.
Juninho não entendeu. Ia passando por ela, mas Fernanda o segurou pelo braço.
- Tá cego, garoto?
- Ai - queixou-se ele, puxando o braço. - Me larga!
Anabela, que vinha atrás do irmão, disse:
- Larga meu irmão!
Fernanda afrouxou a mão, mas apontou para sua frente.
- Nunca aprenderam em casa ou na porcaria da sua escola que quando a gente entra por uma porta aberta, tem que fecha-la depois?
- É!!!!!! - Juninho mostrou os dentões, zangado. - Aprendi sim!
- Volta pra lá e feche o portão. - Ante a cara espantada das duas crianças, completou: - Agora!!!!
Juninho esfregou o braço dramaticamente e continuou parado no mesmo lugar, desafiando a empregada. Anabela que voltou pela pequena trilha para fechar o portão. Quando pegou o trinco para empurra-lo, ouviu:
- Larga de ser intrometida! Não mandei que fechasse o portão!
Anabela largou o trinco e voltou cabisbaixa. Fernanda tirou os braços de Dequinha da sua cintura e disse, carinhosa:
- Entre para almoçar, querida. Preciso ensinar algumas coisas para seus irmãos.
Dequinha a largou, indecisa. Perguntou:
- Vai bater neles?
Fernanda sorriu:
- Eu não. Quem bate neles são seus pais. Eu não sou tão má como eles pensam.
Dequinha entrou em casa. Na varanda, Fernanda barrava a entrada dos irmãos e a expressão no seu rosto não era das melhores.
- Então vocês querem me enfrentar! - Juninho e Anabela, lado a lado, pareciam duas estátuas assustadas. - Tão achando o quê? Que seus pais vão te ajudar em alguma coisa?
Juninho e Anabela continuavam em silêncio, mas não desviavam o olhar dela.
- São atrevidos mesmo. Olha, vou dizer uma coisa pra que nunca esqueçam. Dequinha perguntou se eu ia bater em vocês. Eu menti. - Agora, além do rosto contorcido, Fernanda sorria. E esse sorriso era assustador. - Em crianças que não me obedecem, e que são respondonas, atrevidas, malcriadas, não só bato como arrebento na porrada!
Anabela balbuciou:
- Deixa a gente entrar, Fernanda...
- Quieta! Não terminei ainda! Garoto! Anda logo e feche aquele portão! Minha mão tá coçando pra esquentar as mufas de um pirralho que se acha homem!
Juninho voltou e fechou o portão. Depois, juntou-se à irmã na varanda. Os dois tremiam.
- Estou de olho em vocês dois! Nem pensem em me ferrar por trás. Eu vejo tudo e ouço tudo também...
Suas palavras surtiram efeito. Os dois pareciam de cera, apavorados.
- Vamos entrando. O pai de vocês vai almoçar em casa. Mas nem tentem nenhuma gracinha. Vou sentar junto com vocês na mesa. Pra vigia-los!
Fernanda deu passagem e os dois entraram correndo. Ela suspirou e entrou. Sabia que a menina ia falar com o pai do que aconteceu na varanda. Ela queria que isso acontecesse mesmo, para pôr em prática o que planejou, depois que leu aquela carta.
Ia botar o otário na sua mão. Seria o cachorrinho dela!
                               ******************
Assim que entraram na sala principal, Juninho disse:
- Mijei na calça...
- Troque a calça, se ela te ver assim, vai piorar mais ...
Juninho deixou Anabela sozinha na sala. A menina largou sua mochila em cima do sofá. Quando se virou para ir ao seu quarto, seu pai entrou na sala.
Ele era sua salvação! O seu herói! Ia ajuda-los contra a bruxa!
- Papai, papai - disse Anabela, aterrorizada, correndo e abraçando seu pai.
- O que houve, meu amor? - Perguntou Aurélio, preocupado.
- Ela... Ela fez de novo... ela é muito má, papai!
Aurélio sentou na sua poltrona e Anabela, no seu colo, ainda tinha os braços enlaçados pelo pescoço.
- Do que tá falando, Anabela?
A menina deu uma espiada para a porta da frente e disse, baixinho:
- Ontem ela agarrou meu braço, papai, olha! - ela mostrou o braço, mas a mancha agora era de um rosa bem leve. - e agora mandou que Juninho fechasse o portão... e falou também que ia bater na gente...
- Ainda de implicância com a pobre moça?
- Não, pai, pergunta pro Juninho!
- Olha, meu bem. Não tem nada no seu braço...
- Tem sim!
- Com quem você anda aprendendo a mentir dessa forma?
- Pai, ela é uma bruxa!!!!
Nesse momento, Fernanda entrou na sala. Ela tinha um lenço na mão e enxugava os olhos. Aurélio perguntou:
- O que houve, Fernanda?
Fernanda olhou assustada para ele e a menina e balbuciou:
- N-Nada... não... - Abaixou a cabeça e seguiu para a cozinha.
Aurélio desconfiou que Juninho e Anabela aprontaram novamente com a empregada. Perguntou para a filha:
- O que fizeram dessa vez, Anabela?
Anabela ficou magoada:
- Nada, pai! Ela que fez! Não ouviu ela falando com a gente na varanda?
- Não minta pra mim, Anabela.
- Não estou mentindo, pai!!! - disse a menina, desesperada.
Aurélio a tirou do seu colo e disse, sério:
- Estou decepcionado com você, Anabela. Não esperava isso de você!
Chorando, a menina disse:
- Ela que é má, pai!
- Não me venha com essas lágrimas de crocodilo, Anabela. Vá pro seu quarto. Está de castigo.
- Pai...
- Já pro teu quarto! E avisa ao Juninho que ele também está de castigo!
Anabela saiu cabisbaixa da sala. Aurélio sentiu uma pontinha de pena da menina, mas tinha que ser rigoroso agora, senão amanhã ninguém ia conseguir controla-la.
Foi para a cozinha e viu Fernanda, de olhos vermelhos, sentada na cadeira perto da porta que dava ao jardim. Quando o viu, ela disse:
- Seu Aurélio... desculpe...
- Eu que peço desculpas, Fernanda - disse Aurélio, puxando uma cadeira. - Já conversei com Anabela. Não sei o que tá havendo com as crianças! Elas nunca agiram assim!
Torcendo o lenço, Fernanda mantinha a cabeça baixa. Ela disse:
- Acho melhor eu ir embora daqui.
- Não! Essa fase vai passar!
- Eles me odeiam... querem que Belinda volte...
- Ninguém vai voltar e você vai continuar aqui. Já botei os dois de castigo. Vamos ver se assim aprendem.
Fernanda levantou o rosto. Seu rosto parecia enrubescido:
- O senhor é muito bom, seu Aurélio.
- Ora, Fernanda - ele aproveitou que estava sentado ao lado dela e pegou na mão da moça. - Eu sou justo.
Fernanda deixou que ele segurasse sua mão e disse, em voz baixa:
- O senhor é especial.
Aurélio sorriu. Sentiu-se lisonjeado com o elogio. Fernanda continuou:
- Nunca conheci nenhum homem igual ao senhor...
- Você ainda é nova.
- Todos homens que conheci foram brutos comigo. Mentiam, abusavam da minha ingenuidade. O senhor não... é inteligente, culto, educado... - ela deu uma pausa e completou: - bonito.
Aurélio sentiu que estava excitado novamente. O contato com aquela pequena e mimosa mãozinha quente o deixava doido. Arriscou e acariciou o rosto dela.
- Acha mesmo?
- Acho. Dona Vera é uma mulher de sorte.
Aurélio não aguentava mais. Agora acariciava a nuca da empregada.
- Esquece dona Vera - disse com voz rouca. - Finja que ela não existe.
Puxou-a contra si e beijou-a como há muito tempo não beijava nenhuma mulher.

Continua...

Rogerio de C. Ribeiro

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