- Olha lá, Preto - Cida apontou novamente, dessa vez sem nenhuma discrição. - O cara tá sozinho...
Abelhão pegou uma garrafa de cerveja.
Encheu os copos da mesa e quando viu Rodrigo olhando para o Beco, comentou:
Encheu os copos da mesa e quando viu Rodrigo olhando para o Beco, comentou:
- Eu conheço esse cara.
- Conhece de onde?
- Do meu serviço. É... tenho quase certeza que é ele!
A
tranquilidade reinava dentro do casarão, do jeito que Aurélio gostava. Ele
estava enfurnado na sua poltrona da sala principal com o livro Cem Anos de
Solidão deitado no seu colo.
As
crianças deviam estar jogando videogame, pensou ele. Dona Vitória no quarto
dela. Tinha todo tempo no mundo para pensar. Toda casa para ele!
Mantinha
o livro aberto na mesma página que parou desde o dia anterior. Por mais que tentasse ler
os parágrafos, na sua mente vinha as pernas da empregada. Que estranha obsessão
era aquela? Fazia muito tempo que não se interessava por outra mulher...
Vera
o considerava um banana, preguiçoso e displicente. Ela que achasse assim.
Quanto mais ela o visse como inútil, mais ele teria tranquilidade de fazer as
coisas sem que ela desconfiasse.
Fazia
tempos não sabia o que era ter uma aventura. Houve épocas que saía de casa para
passar uma tarde inteira com as mulheres que conhecia. A maioria eram de classe
baixa. Nada como agradar uma mulher em um restaurante, esbanjando dinheiro que
pegava da sua esposa. Teve semanas que saiu com três mulheres diferentes.
Mas
quando Vera fechou a mão, Aurélio foi obrigado a escassear nas suas aventuras.
Até o momento que não tinha mais dinheiro suficiente para um simples lanche no
boteco do centro.
Foi
aí que decidiu se aposentar nos pseudo-romances que arrumava. Tornou-se um
homem acomodado, que passava horas lendo livros que nada acrescentavam ao seu
verdadeiro caráter.
Até
dois dias.
Essa
nova empregada o instigou, ressuscitou sua libido adormecida.
Desde
que a vira de toalha, úmida depois do banho, com filetes de água perfumada
escorrendo pelas coxas, decidiu que queria aquela mulher. Uma parte dele
dizia que Fernanda tinha quase a metade da sua idade, era evangélica, temente a
Deus. A possibilidade de conquista-la era mínima, mas outra parte o cutucava
dizendo que todas mulheres de classe social inferior sempre são fisgadas como
peixes, mesmo em um anzol sem iscas.
Era
a lei da sociedade. Todas empregadas já eram condicionadas socialmente para se
entregarem aos seus patrões. Mesmo sendo evangélicas, macumbeiras, casadas, viúvas...
O fator positivo era a classe social.
Fernanda
o considerava como seu patrão e por consequência, era ele que pagava seu
salário. Então, mais que justo que servisse bem a ele...
-
Ah, Aurélio, para de viajar na maionese...
Era
o lado razão que dizia isso, mas o emocional berrava:
-
Agarra por trás, mete as mãos nos peitos! Essas menininhas já estão acostumadas
de ser bolinadas desde que aparece os seios! Com dez, doze anos, já transaram
mais que você nos seus 39 anos de vida!
Sentiu
de novo a ereção avolumando sua bermuda e colocou o livro em cima, no caso dos
seus filhos aparecerem de repente na sala.
Mas
o silêncio continuava. Parecia que não tinha ninguém na casa.
De
repente, ele ouviu um leve som de passos vindo do corredor. Logo, Fernanda
entrou na sala principal.
Ela
tinha um lustra móveis em uma das mãos e um pano na outra. Quando viu seu
patrão na poltrona, ela perguntou:
-
Não queria atrapalhar sua leitura, seu Aurélio.
-
Não atrapalhou em nada, Fernanda.
-
Vim tirar a poeira dos móveis, mas posso deixar para depois...
Aurélio
reagiu:
-
Não! Faça o que tem que fazer, finja que não estou aqui.
Fernanda
sorriu. Aurélio achava-a mais linda quando sorria.
-
Vai ser impossível, seu Aurélio.
-
Chamo tanta atenção?
Envergonhada,
ela disse:
-
Bastante.
Ela
molhou o pano com o lustra móveis e passou na estante de livros. Ficou de
costas para ele, e Aurélio admirou a curva do corpo da moça mesmo escondido
dentro do uniforme.
Imaginou-a
peladinha na cama e seu membro parecia que ia explodir debaixo da cueca.
Fez
uma loucura. Devia ser a excitação, só podia. Tirou o livro do seu colo e o
colocou no braço da poltrona. Ficou esparramado na poltrona, dessa vez sem se preocupar
em esconder o volume no bermudão.
"Olha
pra cá... dá uma olhadinha só... você vai adorar..."
Mas
Fernanda continuava de costas tirando poeira da estante. Aurélio tinha a boca e
a garganta seca como se não bebesse água há séculos. As palmas das mãos suavam
e seu coração disparava feito doido.
Aquela
moça era muita tentação... se não fizesse algo, podia até enfartar...
-
Fernanda... Me faça um favor de pegar um copo d'água gelada?
Ela
se virou. E com certeza deve ter visto, mas não houve nenhuma mudança no seu
semblante. Nem uma reação negativa.
-
Sim senhor - disse ela largando o pano em cima da prateleira da estante e indo
para a cozinha.
Aurélio
ficou de pé, ia cerca-la ali mesmo, agarra-la como um animal no cio, mas nesse
exato instante, Dequinha entrou na sala.
Ele
caiu na poltrona e rapidamente jogou o livro em cima do bermudão. Dequinha
levava uma folha de papel e estendeu a ele:
-
Olha só o que fiz, papai - Aurélio viu uns garranchos incompreensíveis que
podia ser uma nuvem, uma casa ou mesmo um pai com pau duro! - Pra você!
Aurélio
forçou um sorriso. Agora mais que nunca parecia que tinha engolido quilos de
areia.
-
Que bonito, filha!
-
Tô desenhando outro para mamãe!
Aurélio
dobrou o papel e disse:
-
Papai vai guardar aqui no livro - disse ele, nervoso.
Fernanda
veio com um copo d'água na bandeja. Aurélio esvaziou o copo em duas goladas.
-
Obrigado, Fernanda. Essa poeira resseca minha garganta - mentiu ele.
A
empregada não disse nada. Apenas pegou o copo e voltou para a cozinha.
Dequinha
resmungou:
-
Ela nem falou comigo!
-
Não é toda hora que a gente fala com as pessoas. E ela tá trabalhando.
Dequinha
ia sentar no colo do pai, mas ele não deixou.
-
Não, meu amor, papai tá com dor nas pernas.
Dequinha
olhou para a cozinha e comentou:
-
Vi Fernanda levando vovó pro banheiro.
-
E daí?
-
Pai... acho que vovó fez coco na calça. Tava com um cheiro ruim...
Dessa
vez ele brochou de vez.
-
Sua avó tá muito doente, filha. Ela não consegue mais fazer as coisas como
antes. Por isso precisa da Fernanda.
Dequinha
disse, séria:
-
Fernanda é corajosa... aguentar aquele cheiro não é mole.
-
Com certeza que não.
Dequinha
voltou para o seu quarto e novamente Aurélio ficou sozinho na sala. Não ia
esperar que a empregada voltasse, foi para a varanda fumar um cigarro.
A
tarde ia caindo. O céu tinha uma coloração alaranjada com uma suspensa névoa da
poluição dos automóveis que trafegavam na rua abaixo.
"Que
loucura foi essa, Aurélio? Daqui a pouco a moça pode te denunciar por assédio
ou pior, falar pra Vera que sou um tarado!"
Pegou
o isqueiro e acendeu o Derby. Deu o primeiro trago e viu, rua abaixo, o sujeito
de óculos escuros que estava no Marquinhos. Ele parecia perdido novamente,
olhando as casas.
-
Era isso que queria me lembrar! O cara que vi antes é ele!
Por
algum motivo, não gostara dele. Pareceu esnobe...
Mas
o que ele tanto procurava ali? Já sabia que por ali não tinha nenhuma casa para
alugar...
-
A pior coisa do mundo é uma pessoa tapada. A gente fala uma coisa mas ela não
acredita nas nossas palavras. Ele que suba e desça a rua. O problema é dele...
************************
Quatrocentos
metros abaixo do casarão, o sujeito de óculos escuros cuspiu o palito que tinha
no canto da sua boca e admirou o casarão acima. Ele viu o magricela que estava
bebendo cerveja na mesa ao lado na varanda, com certeza o vendo ali.
-
Vai me ver mais vezes, babaca - disse ele, descendo a rua.
Continua...
No próximo capítulo: Juninho encontra um álbum na garagem...
Continua...
No próximo capítulo: Juninho encontra um álbum na garagem...
Nenhum comentário:
Postar um comentário