Translate

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 28

No capítulo anterior: Abelhão nem queria saber, o importante foi que a lasanha estava deliciosa.
- Olha lá, Preto - Cida apontou novamente, dessa vez sem nenhuma discrição. - O cara tá sozinho...
Abelhão pegou uma garrafa de cerveja.
Encheu os copos da mesa e quando viu Rodrigo olhando para o Beco, comentou:
- Eu conheço esse cara.
- Conhece de onde?
- Do meu serviço. É... tenho quase certeza que é ele!

A tranquilidade reinava dentro do casarão, do jeito que Aurélio gostava. Ele estava enfurnado na sua poltrona da sala principal com o livro Cem Anos de Solidão deitado no seu colo.
As crianças deviam estar jogando videogame, pensou ele. Dona Vitória no quarto dela. Tinha todo tempo no mundo para pensar. Toda casa para ele!
Mantinha o livro aberto na mesma página que parou desde o dia anterior. Por mais que tentasse ler os parágrafos, na sua mente vinha as pernas da empregada. Que estranha obsessão era aquela? Fazia muito tempo que não se interessava por outra mulher...
Vera o considerava um banana, preguiçoso e displicente. Ela que achasse assim. Quanto mais ela o visse como inútil, mais ele teria tranquilidade de fazer as coisas sem que ela desconfiasse.
Fazia tempos não sabia o que era ter uma aventura. Houve épocas que saía de casa para passar uma tarde inteira com as mulheres que conhecia. A maioria eram de classe baixa. Nada como agradar uma mulher em um restaurante, esbanjando dinheiro que pegava da sua esposa. Teve semanas que saiu com três mulheres diferentes.
Mas quando Vera fechou a mão, Aurélio foi obrigado a escassear nas suas aventuras. Até o momento que não tinha mais dinheiro suficiente para um simples lanche no boteco do centro.
Foi aí que decidiu se aposentar nos pseudo-romances que arrumava. Tornou-se um homem acomodado, que passava horas lendo livros que nada acrescentavam ao seu verdadeiro caráter.
Até dois dias.
Essa nova empregada o instigou, ressuscitou sua libido adormecida.
Desde que a vira de toalha, úmida depois do banho, com filetes de água perfumada escorrendo pelas coxas, decidiu que queria aquela mulher. Uma parte dele dizia que Fernanda tinha quase a metade da sua idade, era evangélica, temente a Deus. A possibilidade de conquista-la era mínima, mas outra parte o cutucava dizendo que todas mulheres de classe social inferior sempre são fisgadas como peixes, mesmo em um anzol sem iscas.
Era a lei da sociedade. Todas empregadas já eram condicionadas socialmente para se entregarem aos seus patrões. Mesmo sendo evangélicas, macumbeiras, casadas, viúvas...  O fator positivo era a classe social.
Fernanda o considerava como seu patrão e por consequência, era ele que pagava seu salário. Então, mais que justo que servisse bem a ele...
- Ah, Aurélio, para de viajar na maionese... 
Era o lado razão que dizia isso, mas o emocional berrava:
- Agarra por trás, mete as mãos nos peitos! Essas menininhas já estão acostumadas de ser bolinadas desde que aparece os seios! Com dez, doze anos, já transaram mais que você nos seus 39 anos de vida!
Sentiu de novo a ereção avolumando sua bermuda e colocou o livro em cima, no caso dos seus filhos aparecerem de repente na sala.
Mas o silêncio continuava. Parecia que não tinha ninguém na casa.
De repente, ele ouviu um leve som de passos vindo do corredor. Logo, Fernanda entrou na sala principal.
Ela tinha um lustra móveis em uma das mãos e um pano na outra. Quando viu seu patrão na poltrona, ela perguntou:
- Não queria atrapalhar sua leitura, seu Aurélio.
- Não atrapalhou em nada, Fernanda.
- Vim tirar a poeira dos móveis, mas posso deixar para depois...
Aurélio reagiu:
- Não! Faça o que tem que fazer, finja que não estou aqui.
Fernanda sorriu. Aurélio achava-a mais linda quando sorria.
- Vai ser impossível, seu Aurélio.
- Chamo tanta atenção?
Envergonhada, ela disse:
- Bastante.
Ela molhou o pano com o lustra móveis e passou na estante de livros. Ficou de costas para ele, e Aurélio admirou a curva do corpo da moça mesmo escondido dentro do uniforme.
Imaginou-a peladinha na cama e seu membro parecia que ia explodir debaixo da cueca.
Fez uma loucura. Devia ser a excitação, só podia. Tirou o livro do seu colo e o colocou no braço da poltrona. Ficou esparramado na poltrona, dessa vez sem se preocupar em esconder o volume no bermudão.
"Olha pra cá... dá uma olhadinha só... você vai adorar..."
Mas Fernanda continuava de costas tirando poeira da estante. Aurélio tinha a boca e a garganta seca como se não bebesse água há séculos. As palmas das mãos suavam e seu coração disparava feito doido.
Aquela moça era muita tentação... se não fizesse algo, podia até enfartar...
- Fernanda... Me faça um favor de pegar um copo d'água gelada?
Ela se virou. E com certeza deve ter visto, mas não houve nenhuma mudança no seu semblante. Nem uma reação negativa.
- Sim senhor - disse ela largando o pano em cima da prateleira da estante e indo para a cozinha.
Aurélio ficou de pé, ia cerca-la ali mesmo, agarra-la como um animal no cio, mas nesse exato instante, Dequinha entrou na sala.
Ele caiu na poltrona e rapidamente jogou o livro em cima do bermudão. Dequinha levava uma folha de papel e estendeu a ele:
- Olha só o que fiz, papai - Aurélio viu uns garranchos incompreensíveis que podia ser uma nuvem, uma casa ou mesmo um pai com pau duro! - Pra você!
Aurélio forçou um sorriso. Agora mais que nunca parecia que tinha engolido quilos de areia.
- Que bonito, filha!
- Tô desenhando outro para mamãe!
Aurélio dobrou o papel e disse:
- Papai vai guardar aqui no livro - disse ele, nervoso.
Fernanda veio com um copo d'água na bandeja. Aurélio esvaziou o copo em duas goladas.
- Obrigado, Fernanda. Essa poeira resseca minha garganta - mentiu ele.
A empregada não disse nada. Apenas pegou o copo e voltou para a cozinha.
Dequinha resmungou:
- Ela nem falou comigo!
- Não é toda hora que a gente fala com as pessoas. E ela tá trabalhando.
Dequinha ia sentar no colo do pai, mas ele não deixou.
- Não, meu amor, papai tá com dor nas pernas.
Dequinha olhou para a cozinha e comentou:
- Vi Fernanda levando vovó pro banheiro.
- E daí?
- Pai... acho que vovó fez coco na calça. Tava com um cheiro ruim...
Dessa vez ele brochou de vez.
- Sua avó tá muito doente, filha. Ela não consegue mais fazer as coisas como antes. Por isso precisa da Fernanda.
Dequinha disse, séria:
- Fernanda é corajosa... aguentar aquele cheiro não é mole.
- Com certeza que não.
Dequinha voltou para o seu quarto e novamente Aurélio ficou sozinho na sala. Não ia esperar que a empregada voltasse, foi para a varanda fumar um cigarro.
A tarde ia caindo. O céu tinha uma coloração alaranjada com uma suspensa névoa da poluição dos automóveis que trafegavam na rua abaixo.
"Que loucura foi essa, Aurélio? Daqui a pouco a moça pode te denunciar por assédio ou pior, falar pra Vera que sou um tarado!"
Pegou o isqueiro e acendeu o Derby. Deu o primeiro trago e viu, rua abaixo, o sujeito de óculos escuros que estava no Marquinhos. Ele parecia perdido novamente, olhando as casas.
- Era isso que queria me lembrar! O cara que vi antes é ele!
Por algum motivo, não gostara dele. Pareceu esnobe...
Mas o que ele tanto procurava ali? Já sabia que por ali não tinha nenhuma casa para alugar...
- A pior coisa do mundo é uma pessoa tapada. A gente fala uma coisa mas ela não acredita nas nossas palavras. Ele que suba e desça a rua. O problema é dele...
                       ************************
Quatrocentos metros abaixo do casarão, o sujeito de óculos escuros cuspiu o palito que tinha no canto da sua boca e admirou o casarão acima. Ele viu o magricela que estava bebendo cerveja na mesa ao lado na varanda, com certeza o vendo ali.
- Vai me ver mais vezes, babaca - disse ele, descendo a rua.

Continua...

No próximo capítulo: Juninho encontra um álbum na garagem...

Nenhum comentário:

Postar um comentário