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segunda-feira, 28 de abril de 2014

MEUS CONTOS DAS SEGUNDAS


EU SEI QUEM VOCÊ É, MAS VOCÊ NÃO SABE QUEM EU SOU

TERCEIRA PARTE

Dois dias depois se passaram após aquela estranha ligação, e Liliane Hurtz decidiu que seu pai tinha razão. Quando seu tio voltasse das suas férias ela ia dar o troco nele. Aquilo a assustou bastante.
Deitada na sua cama com um livro nas mãos, Liliane sentiu as suas pálpebras caírem de sono. Repousou o livro de filosofia aberto sobre seu peito e sabia que adormeceria logo.
Dormiria sim, se não fosse o irritante som do telefone: Trimmmm Trimmmmm...
Arregalou os olhos. Aquele insistente som arrepiou os pelos dos seus braços. Sentou-se e pensou: "Não vou atender."
Mais uma vez só tinha ela na casa, e o telefone insistia no seu toque.
Trimmm, Trimmm, Trimmm
A curiosidade falou mais alto que a sensatez. Liliane decidiu atender e descalça, saiu do seu quarto e atravessou o corredor até a mesinha com o telefone preto.
Levantou o gancho e disse:
- Tio Denílson, você não tem coisa melhor pra fazer?
Do outro lado do fio, aquela voz masculina:
- Liliane... Não se lembra mesmo quem tá falando...
Liliane perdeu a paciência. Apertou tanto o fone que segurava que as pontas dos seus dedos ficaram brancos:
- Olha aqui, não tenho tempo pra ficar brincando no telefone. Fala logo quem é pra acabar com essa palhaçada...
Mais uma vez o silêncio. Liliane pensou que tivessem desligado e ia pousar o fone no gancho quando ouviu:
- Você pode não saber quem eu sou, mas sei muito bem quem é você, Liliane. Há onze anos que sei quem é você!
Onze anos? Há oito anos ela tinha doze anos!
- Vem cá - disse ela, nervosa: - Não tá me confundindo com outra Liliane?
- Claro que não, Liliane... Hurtz.
Ela gelou. Seu coração disparou e sentiu que suas pernas fraquejavam. Precisou sentar-se na cadeira com forro de palha, outra antiguidade que seu pai adquirira, para tentar se acalmar. Respirou fundo, encostou o fone no ouvido e falou de modo cauteloso:
- Tá bom, você ganhou. Não sei quem tá falando. Mas vamos acabar com essa brincadeira... já chegou no seu limite...
- Meu Deus - o tom da voz agora era de tristeza. Uma voz magoada. - Ainda tá achando que sou o idiota do seu tio? Não, Liliane, não sou ele e nem um amigo seu da faculdade de filosofia...
Liliane sentiu uma pontinha de esperança aparecendo. Ele disse faculdade de filosofia... Veio à sua cabeça o nome de Eduardo. Tão tímido, que não gostava de olhar nos olhos dos outros, que a espiava furtivamente durante as aulas... era ele, com toda certeza. Liliane decidiu entrar naquele joguinho. Precisava desmascara-lo, e quando o visse na faculdade, ainda ia ouvir muito dela...
- É mesmo. Meu tio nunca ia conseguir imitar essa voz máscula e ao mesmo sensual, a voz dele é igual a de uma taquara rachada...
- Então se convenceu que não sou o idiota do seu tio.
- Sim, estou convencida, só que não precisa repetir que ele é idiota.
- Você não sabe como fico aliviado. Sabe, houve um tempo que fiquei impossibilitado de te ligar. Não me deixavam falar.
- É mesmo? - Liliane mostrou-se preocupada, mas o que queria mesmo era que Eduardo revelasse seu nome.
- Mesmo. Mas te juro, Liliane, nunca me esqueci de você. Pensava nas vezes que ficávamos horas conversando...
- A gente ficava horas?
- Não deve se lembrar, isso foi quando? Você tinha treze anos...
- Me lembre então - O Eduardo é mais louco que imaginei, pensou ela.
- Vai se lembrar - a voz era carinhosa, terna. - Uma vez você me disse que estava de castigo por causa de uma nota baixa que teve na prova de... física? Física... não, em química. Seu pai te proibiu de ir na festa da sua melhor amiga, a Simone se não me engano. Eu te falei que os pais são todos iguais, só querem o bem dos seus filhos.
Que conversa foi essa? Liliane tinha uma vaga lembrança...
- Depois dessa conversa, você prometeu que ia estudar mais e nunca mais seu pai ia te punir por causa das notas do colégio. Lembra o que eu falei?
- Não - disse Liliane, o medo voltando.
- Falei pra você: Não fique mais chateada com seu pai, ele só quer seu bem. E se ele te botar de castigo de novo, eu daria um jeito nele.

Continua ...

Rogerio de Castro Ribeiro 

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