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quinta-feira, 16 de outubro de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 47

No capítulo anterior: Vera se levantou e caminhou até a janela. Dali, via o canil abandonado e o viveiro vazio.
- Como foi que minha mãe te contratou?
- Senhora??
Vera virou-se e disse, ríspida:
- Pelo que me lembro, mamãe sempre foi exigente com empregados. Tem uma coisa que me encasqueta... Como conseguiu aturar o gênio instável da minha mãe?
- Sua mãe tinha um gênio difícil, mas eu sempre soube lidar com isso...
- Belinda, você está mentindo...
Os olhos da negra arregalaram. Vera apontou o dedo e decretou:
- Você conheceu essa Gláucia! Não minta mais... Conte a verdade...

Fernanda estava no quarto de Dona Vitória. Enquanto a velha senhora assistia a televisão desligada, a empregada verificava uma identidade que encontrara ao lado da caixa de joias, no armário. Agora analisava o RG da esclerosada.
- Que assinatura de analfa - disse ela sorrindo. - Até uma criança retardada assinaria igual.
O rosto na foto era de uma Dona Vitória mais nova, e a identidade era dos anos 1970.
Fernanda aproveitava o momento que a arrogante da sua patroa conversava com a cardíaca idiota para adiantar algumas coisas que planejara. Primeiro, ligou do seu celular - tomando o devido cuidado para ocultar o número do telefone - para Aurélio, se passando por uma mulher irritada com o fracasso do plano. Queria que ele pensasse que fosse uma parente do tal Pedro Ibañes. Do jeito que estava desesperado pelo fracasso da sua empreitada, talvez metesse os pés pelas mãos. Quando Vera achasse a carta no livro, aí mesmo que sua vida ia se transformar num inferno.
"Do jeito que ela é, vai dar um pontapé nele e botar pra fora de casa..."
Esse era um pequeno fio de um carretel que ela arquitetou. Claro que Jayme e sua tia nunca iam desconfiar disso. Se soubessem, o caldo podia entornar.
Mas não vai. Se Jayme pensava que ela ia se contentar com um simples roubo de joias, estava completamente enganado. Chegou sua hora. A oportunidade se materializou, cristalina, clamando que ela agisse.
E o que ela queria? Aurélio desestabilizado, Vera irritada, o caos...
E com a assinatura da velha, lhe dando plenos poderes...
Fernanda conhecia uma pessoa que a ajudaria nisso. Depois que falsificasse a assinatura, arrumaria a autenticação. Assim, ia partir para outra parte do plano...
Ia matar Vera. Com a procuração, venderia o casarão. E assim podia sumir dali depois, não com cem mil, mas com um milhão.
Fernanda guardou a identidade no bolso do avental e disse para Dona Vitória:
- Sua escrota...
Dona Vitória riu quando ouviu o som da voz de Fernanda.
                                  ****************
- Dona Vera, não sei de onde tirou essa ideia que sei...
- Não minta mais pra mim. Pelos velhos tempos, me diga.
Belinda sacudiu a cabeça.
- Juro por tudo que é mais sagrado, eu não sei.
Vera ainda não acreditava nela, mas não tinha nenhuma alternativa. Sabia que Belinda, mesmo se soubesse, não lhe diria nada.
Persuasiva, disse:
- Vamos fazer o seguinte... Se lembrar de algo, me liga.
- Mas...
- Chega, Belinda. Na hora que quiser falar comigo, me liga.
Belinda deu de ombros e perguntou se podia ver Dona Vitória. Vera fez um aceno com a cabeça e deu as costas para ela.
Quando Belinda entrou no quarto da velha senhora, Fernanda ligava a tevê e aproveitou para sair. Belinda sentou-se numa cadeira em frente e perguntou:
- Como a senhora tem andado, Dona Vitória?
A velha olhou com aqueles olhos ausentes para a negra gorda na sua frente e pensou:
" Agora Teodoro deu para chamar uma mãe de santo pra fazer um trabalho para ajuda-lo nas eleições... Preciso conversar com ele bem sério..."
Belinda olhou para a porta fechada do quarto e disse:
- Sua filha quer saber da Gláucia...
Dona Vitória, ausente, fixava os olhos para o nada.
- Tenho medo da reação dela... Não sei se ia aguentar...
Belinda chorava.
- Prometi à senhora que nunca diria nada sobre ela... e vou cumprir minha promessa...
Dona Vitória fechou a cara. Detestava macumba.
                           ********************
Depois que Belinda foi embora, Vera ficou na sala andando de um lado ao outro, nervosa. Caminhou até sua mesa e pegou algumas pastas. Olhou de relance para o livro Cem Anos de Solidão e gritou pelo nome da empregada. Quando Fernanda entrou na sala, Vera disse irritada:
- Quantas vezes vou ter que repetir que não quero nada aqui em cima da mesa que não seja do meu trabalho!
- Desculpe, dona Vera, não sei como esse livro foi parar aí...
- Na próxima vez preste atenção.
Fernanda pegou o livro e propositalmente abriu-o pelo meio. A carta caiu em cima de uma pasta de processos.
- Como sou desastrada - disse Fernanda. Vera pegou a carta.
- O que é isso?
Leu o que estava escrito. E pela reação que surgiu no seu rosto, era o que Fernanda imaginara.
- Dona Vera, eu posso...
- Fora daqui - gritou Vera, descontrolada. - Some da minha frente!!!!
Fernanda voltou para a cozinha. Ela sorria.
"Agora quero ver o circo pegando fogo..."

Continua...

Rogerio de C. Ribeiro

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