Essa conversa tinha sido há mais de vinte anos... Dona Vitória mudou bastante depois daquele papo, mas Vera aprendeu direitinho...
A subida era desgastante. Com a respiração ofegante e o coração disparando, Belinda só fazia isso em consideração à velha senhora. Para ela, devia muito... muito...
Os
colegas perceberam que Aurélio não estava muito bem humorado nessa manhã.
Deixaram-no ali na sua mesa, fingindo que nem estava ali.
E
era a sensação mesmo que tinha.
Era
seu último dia para convencer Vera em vender o maldito casarão, e pelo jeito,
podia acenar e dizer adeus aos cem mil mais fáceis que ia ganhar. Além dessa derrota, existia a possibilidade
real de ser escorraçado da casa pela ingrata esposa...
"Não
é justo - pensou ele, enquanto amassada clipes em cima da sua mesa, - Sempre
fui bacana com ela. Sempre dei atenção às suas paranoias. Sempre aturei o
idiota do pai dela. Dei três filhos maravilhosos... apoiei todas suas vontades,
e agora ela me diz que preciso mudar! Ela me conheceu assim... como vou mudar?Só
porquê ela quer? Não faço milagres!"
Pensou
na noite anterior, e sua frustração.
"Logo
agora que Fernanda caiu na minha lábia, aparece Dequinha com medo de fantasmas!
É muita falta de sorte..."
O
seu aparelho de celular, que estava sobre a mesa, tocou. Olhou o visor, mas não
reconheceu o número. Atendeu sob os olhares curiosos dos colegas:
-
Pois não - disse mal-humorado.
-
Aurélio? Corretor de imóveis? - Perguntou uma voz feminina. Era uma voz
arrastada, cansada, como se fosse fumante.
-
Sou eu... Quem fala?
-
O senhor esteve no escritório de Xavier e ficou de dar uma resposta para ele
hoje...
Estranho...
De quem seria essa misteriosa voz? Xavier nunca comentou nada de mulher na
jogada...
-
Minha senhora... Não sei do que está falando...
Aurélio
sentia os olhos dos parasitas fixos nele e na sua conversa. Decidiu se levantar
e saiu da sala. Ficou no corredor ao lado do elevador enquanto falava, agora
sozinho:
-
A senhora deve estar me confundindo com outro Aurélio.
-
Não brinque com minha inteligência, rapaz. - A voz rouca soou ríspida. - Hoje é
seu último dia de ganhar um dinheiro que talvez nunca teve na sua vida... e
estou ansiosa em saber se teve sucesso na empreitada oferecida...
Aurélio
arriscou. A mão que segurava o celular suava:
-
Não... Vera continua irredutível... até pedi um prazo maior, mas Xavier não me
respondeu...
-
FRACASSADO!!!! INCOMPETENTE!!!! - Aurélio afastou o celular do ouvido.
-
Olha... Seja lá quem for, não admito...
A
voz rouca gritou de novo:
-
Eu sou a cliente do Xavier...
-
O cliente dele é homem...
-
Pedro é meu marido, mas quem manda nessa joça toda sou eu!
-
E quem é a senhora?
Houve
um breve silêncio e depois ela disse:
-
Eu sou o pior pesadelo que um dia imaginou, garoto... - A voz rouca parecia
cansada. - Eu quero esse casarão... e vou ter...
Aurélio
não ouviu mais nada. Olhou o celular e pensou:
"Vou
lá falar com Xavier... Que doida é essa que me ligou?"
******************
Fernanda
arrumava a sala. Passava pano na estante enquanto observava discretamente sua
patroa sentada no sofá. Vera tinha o celular na mão e falava com alguém.
Fernanda
largou a estante e foi na mesa. Em cima havia as pastas de processos e o livro
do imbecil, com a ponta da carta à mostra. Fernanda tentava se manter mais
natural possível, mas por dentro fervia. Era inacreditável que a pamonha não
tivesse ainda visto a tal carta... Só faltava ter que esfregar na sua cara para
ver!!!
Bateram
na porta e Fernanda foi atender. Uma negra gorda aguardava na varanda.
-
Então você é a menina que me substituiu... - disse uma arquejante e cansada
Belinda.
Fernanda
manteve seu rosto impassível. Apenas esboçou um leve sorriso.
-
Oi, prazer em te conhecer - disse ela, dando caminho para que a antiga
doméstica entrasse. Da sala, Vera estava em pé com um imenso sorriso estampado.
-
Oi, dona Vera... Finalmente cheguei... Um pouco cansada, mas cheguei...
Vera
se aproximou e disse, ignorando o comentário dela:
-
Vem, vamos para a cozinha, Belinda... - Ela dirigiu um olhar frio para Fernanda
e ordenou: - Enquanto estivermos lá na cozinha, fique com minha mãe.
-
Sim, dona Vera - respondeu uma submissa Fernanda.
Belinda
deu mais uma espiada na moça e perguntou:
-
Antes de irmos na cozinha, posso ver dona Vitória?
Vera
olhou o relógio de pulso e disse, ansiosa:
-
Depois, depois... Antes preciso fazer algumas perguntinhas...
Ela
agarrou o braço de Belinda e puxou pelo corredor até a cozinha. Na sala,
Fernanda pensou:
"
Aí tem... Espero que minha tia tenha mantido aquela boca podre fechada..."
*******************
Aurélio
bateu na porta e Maresia atendeu. Parecia mal-humorado.
-
O que quer?
-
Xavier... quero falar com ele - disse um angustiado Aurélio.
Maresia
coçou o peito com a ponta da imensa unha suja do dedo mindinho.
-
Ele tá ocupado. Liga pra marcar uma hora com ele.
-
Maresia, uma mulher me ligou... que história é essa?
Maresia
trancou a cara. Atrás dele surgiu Abelhão.
-
O cara tá incomodando, Maresia?
Não
havia ninguém no corredor naquela hora. Maresia olhou de um lado ao outro e
disse:
-
Tá. Xavier não quer mais papo com ele.
-
Espera! Espera... - disse Aurélio. - Meu trato é com ele e...
Abelhão
passou por Maresia e parou em frente de Aurélio. Puxou a pistola debaixo da
camisa e puxou a trava. Apontou.
-
Pode rezar... Xavier não gosta de merdinha como você!
Aurélio
ficou vesgo com o cano na sua frente. Maresia disse:
-
Perdeu, mané!
Continua...
Rogerio de C. Ribeiro
Continua...
Rogerio de C. Ribeiro
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