Translate

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 45

No capítulo anterior: " Lugar de empregado é da cozinha pra área de serviços. Nunca tenha pena das suas dificuldades. Empregada adora chorar miséria. Se não formos duros com eles, caímos na sua lábia e acabamos nos seus problemas. Os laços entre patroa e empregada se restringe apenas ao serviço. Só isso. E se uma empregada não conseguir ser discreta, o negócio é chutar-lhe pra fora..."
Essa conversa tinha sido há mais de vinte anos... Dona Vitória mudou bastante depois daquele papo, mas Vera aprendeu direitinho...
A subida era desgastante. Com a respiração ofegante e o coração disparando, Belinda só fazia isso em consideração à velha senhora. Para ela, devia muito... muito...

Os colegas perceberam que Aurélio não estava muito bem humorado nessa manhã. Deixaram-no ali na sua mesa, fingindo que nem estava ali.
E era a sensação mesmo que tinha.
Era seu último dia para convencer Vera em vender o maldito casarão, e pelo jeito, podia acenar e dizer adeus aos cem mil mais fáceis que ia ganhar.  Além dessa derrota, existia a possibilidade real de ser escorraçado da casa pela ingrata esposa...
"Não é justo - pensou ele, enquanto amassada clipes em cima da sua mesa, - Sempre fui bacana com ela. Sempre dei atenção às suas paranoias. Sempre aturei o idiota do pai dela. Dei três filhos maravilhosos... apoiei todas suas vontades, e agora ela me diz que preciso mudar! Ela me conheceu assim... como vou mudar?Só porquê ela quer? Não faço milagres!"
Pensou na noite anterior, e sua frustração.
"Logo agora que Fernanda caiu na minha lábia, aparece Dequinha com medo de fantasmas! É muita falta de sorte..."
O seu aparelho de celular, que estava sobre a mesa, tocou. Olhou o visor, mas não reconheceu o número. Atendeu sob os olhares curiosos dos colegas:
- Pois não - disse mal-humorado.
- Aurélio? Corretor de imóveis? - Perguntou uma voz feminina. Era uma voz arrastada, cansada, como se fosse fumante.
- Sou eu... Quem fala?
- O senhor esteve no escritório de Xavier e ficou de dar uma resposta para ele hoje...
Estranho... De quem seria essa misteriosa voz? Xavier nunca comentou nada de mulher na jogada...
- Minha senhora... Não sei do que está falando...
Aurélio sentia os olhos dos parasitas fixos nele e na sua conversa. Decidiu se levantar e saiu da sala. Ficou no corredor ao lado do elevador enquanto falava, agora sozinho:
- A senhora deve estar me confundindo com outro Aurélio.
- Não brinque com minha inteligência, rapaz. - A voz rouca soou ríspida. - Hoje é seu último dia de ganhar um dinheiro que talvez nunca teve na sua vida... e estou ansiosa em saber se teve sucesso na empreitada oferecida...
Aurélio arriscou. A mão que segurava o celular suava:
- Não... Vera continua irredutível... até pedi um prazo maior, mas Xavier não me respondeu...
- FRACASSADO!!!! INCOMPETENTE!!!! - Aurélio afastou o celular do ouvido.
- Olha... Seja lá quem for, não admito...
A voz rouca gritou de novo:
- Eu sou a cliente do Xavier...
- O cliente dele é homem...
- Pedro é meu marido, mas quem manda nessa joça toda sou eu!
- E quem é a senhora?
Houve um breve silêncio e depois ela disse:
- Eu sou o pior pesadelo que um dia imaginou, garoto... - A voz rouca parecia cansada. - Eu quero esse casarão... e vou ter...
Aurélio não ouviu mais nada. Olhou o celular e pensou:
"Vou lá falar com Xavier... Que doida é essa que me ligou?"
                           ******************
Fernanda arrumava a sala. Passava pano na estante enquanto observava discretamente sua patroa sentada no sofá. Vera tinha o celular na mão e falava com alguém.
Fernanda largou a estante e foi na mesa. Em cima havia as pastas de processos e o livro do imbecil, com a ponta da carta à mostra. Fernanda tentava se manter mais natural possível, mas por dentro fervia. Era inacreditável que a pamonha não tivesse ainda visto a tal carta... Só faltava ter que esfregar na sua cara para ver!!!
Bateram na porta e Fernanda foi atender. Uma negra gorda aguardava na varanda.
- Então você é a menina que me substituiu... - disse uma arquejante e cansada Belinda.
Fernanda manteve seu rosto impassível. Apenas esboçou um leve sorriso.
- Oi, prazer em te conhecer - disse ela, dando caminho para que a antiga doméstica entrasse. Da sala, Vera estava em pé com um imenso sorriso estampado.
- Oi, dona Vera... Finalmente cheguei... Um pouco cansada, mas cheguei...
Vera se aproximou e disse, ignorando o comentário dela:
- Vem, vamos para a cozinha, Belinda... - Ela dirigiu um olhar frio para Fernanda e ordenou: - Enquanto estivermos lá na cozinha, fique com minha mãe.
- Sim, dona Vera - respondeu uma submissa Fernanda.
Belinda deu mais uma espiada na moça e perguntou:
- Antes de irmos na cozinha, posso ver dona Vitória?
Vera olhou o relógio de pulso e disse, ansiosa:
- Depois, depois... Antes preciso fazer algumas perguntinhas...
Ela agarrou o braço de Belinda e puxou pelo corredor até a cozinha. Na sala, Fernanda pensou:
" Aí tem... Espero que minha tia tenha mantido aquela boca podre fechada..."
                          *******************
Aurélio bateu na porta e Maresia atendeu. Parecia mal-humorado.
- O que quer?
- Xavier... quero falar com ele - disse um angustiado Aurélio.
Maresia coçou o peito com a ponta da imensa unha suja do dedo mindinho.
- Ele tá ocupado. Liga pra marcar uma hora com ele.
- Maresia, uma mulher me ligou... que história é essa?
Maresia trancou a cara. Atrás dele surgiu Abelhão.
- O cara tá incomodando, Maresia?
Não havia ninguém no corredor naquela hora. Maresia olhou de um lado ao outro e disse:
- Tá. Xavier não quer mais papo com ele.
- Espera! Espera... - disse Aurélio. - Meu trato é com ele e...
Abelhão passou por Maresia e parou em frente de Aurélio. Puxou a pistola debaixo da camisa e puxou a trava. Apontou.
- Pode rezar... Xavier não gosta de merdinha como você!
Aurélio ficou vesgo com o cano na sua frente. Maresia disse:
- Perdeu, mané!

Continua...

Rogerio de C. Ribeiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário