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quinta-feira, 2 de outubro de 2014

NADA É O QUE PARECE CAPÍTULO 42

No capítulo anterior: Jayme deu cinco reais para ela e disse:
- Vai ser logo, pode deixar.
Dilza embolsou a nota e saiu em disparada. Preocupado, Jayme se aproximou de uma mesa com o mulato e os dois outros sujeitos, puxou uma cadeira e disse:
- Valendo cerveja.
- Demorô - disse o mulato, pegando o baralho.
Precisava relaxar um pouco. Umas partidas de "sueca" ia distraí-lo, mas não conseguia tirar da cabeça a tia de Fernanda. Aquela mulher, por causa da bebida, era perigosa demais.
Ia falar com Fernanda primeiro. O que ela falasse, ia fazer.
Só não podia mais correr o risco de perder tudo por causa de uma puta cachaceira.


A expectativa era tão gigantesca que Aurélio mal via as horas passando. Passou a tarde inteira enfurnado no escritório. Rezende, o corretor barrigudo e de grandes bigodes, trovejava algo sobre futebol ou voleibol, mas ele nem prestou atenção nas palavras do outro. Aurélio pegou uma agenda antiga e folheava as páginas aleatoriamente, fingindo que procurava algum cliente. O que tinha na sua cabeça era o beijo que deu na nova empregada, o gosto da sua boca, a maciez dos fios dos seus cabelos, os bicos duros dos seios...
"Sou um cara de sorte!", Ele pensou enquanto virava as páginas da agenda de 2011. "O lado positivo de ser o marido da patroa é que você também assume o posto de patrão. O que mais atrai nas subordinadas é a imagem do homem que paga seu salário. Quando me diziam que as empregadinhas ficam molhadinhas quando servem o cafezinho, eu duvidava. Mas não é que era "vero"?"
- Ganhou na mega sena? - Ele ouviu Rezende falando da sua mesa.
Ergueu os olhos da agenda, piscou duas vezes e respondeu, ainda com um leve sorriso sombreando seu rosto:
- Quase, Rezende, quase!
- Aposto que é uma venda - sugeriu Viriato. Ele tinha um jornal aberto em cima da mesa na página policial. - Se for isso mesmo, já era hora, amigo!
Os dois estavam redondamente enganados, mas Aurélio não ia dar nenhuma pista da sua euforia. Eles que imaginassem qualquer coisa. Aquele era um segredo dele, só dele.
Essa noite ia ser maravilhosa!
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A porta do quarto das meninas abriu e Fernanda entrou. Viu Anabela e Juninho sentados na pequena mesa enquanto faziam seus deveres de casa e Dequinha estava sentada na cama com uma boneca caolha.
Anabela assustou-se com a presença da empregada e Juninho enfiou mais ainda a cara no seu caderno.
- Que bonito - disse Fernanda, fechando a porta. Ela ficou parada de braços cruzados, como uma vigilante tomando conta da porta giratória de um banco. - Estudem bastante. Seus pais vão adorar em terem dois filhos inteligentes!
- O-O que... que... quer aqui no meu quarto? - Perguntou Anabela, com voz trêmula.
Fernanda caminhou na direção da menina, que encolheu-se na cadeirinha que sentava, e passou por ela sem responder. Sentou na cama de Dequinha e afagou os cabelos da caçula, que retribuiu o carinho com um largo sorriso.
- Por enquanto, não quero nada com vocês - disse Fernanda de costas para Anabela e Juninho. Ela mantinha os olhos fixos em Dequinha. - Quero bater um papo gostoso com minha amiguinha...
Fernanda pegou a boneca caolha das mãos da criança e levantou-a na sua frente. Era uma aberração de pano, mas elogiou:
- Que linda, Andréia! Como ela se chama?
- Suzana - respondeu Dequinha, sentada com as pernas cruzadas.
Fernanda balançou a boneca e murmurou:
- Suzana... - repetiu o nome, saboreando cada letra. - Que nome bonito!
- Ela foi da minha mãe! - disse Dequinha. Estava feliz que Fernanda estivesse ali com ela. Pelo menos podia conversar com alguém, já que seus irmãos estavam de mal com ela!
Da mesinha, Anabela e Juninho fingiam que estudavam, mas vigiavam a empregada.
Fernanda devolveu a boneca e perguntou:
- Seu pai já botou uma lâmpada pra você?
Dequinha fez um beicinho, contrariada.
- Não! Ontem dormi no escuro. Eu detesto dormir no escuro!
- Eu sei, você me falou. É horrível mesmo! - disse Fernanda, mostrando solidariedade com a criança. Anabela e Juninho se entreolhavam, intrigados com tanta simpatia da bruxa. - Fui no Marquinhos e perguntei se tinha a lâmpada azul que você gosta. Mas ele disse que não tinha...
Dequinha comentou:
- Essa não!
- Bem... eu... - Fernanda virou o rosto rápido e os dois irmãos maiores baixaram as cabeças nos cadernos. Voltou sua atenção a Dequinha e disse: - Vem cá.
Dequinha se aproximou e Fernanda sussurrou algo no ouvido da menina, que abriu um largo sorriso. Fernanda se levantou e disse:
- Vou preparar a janta. Depois a gente conversa mais.
- Tá legal! - disse Dequinha. Seu rosto parecia iluminado.
Depois que Fernanda saiu do quarto, Juninho perguntou:
- É!!!! O que a maluca falou no seu ouvido?
Dequinha voltou para a cabeceira da cama segurando a boneca em cima das suas pernas e não respondeu. Anabela fez a mesma pergunta, sem sucesso.
O fato que a menina de quatro anos sorria. Pelo menos uma pessoa na casa gostava dela!
                                        ********************
Fernanda acabou de vestir Dona Vitória e a acomodou na cadeira de rodas para o jantar. A velha senhora mantinha sua atenção toda sobre a moça como um dedicado cachorro vira-lata agradecido por um prato de comida.
- Ao invés de ficar aí me admirando, podia me falar onde está a chave daquela caixa de ferro - disse Fernanda, sentada na cadeira em frente da velha senhora.
- Ferrrrpaaaaaaa...
- Lá vem você de novo com isso ...
- Eu... grostcho...Ferrrpaaa...
- Grostcha o cacete - Fernanda pulou da cadeira e saiu do campo de visão da velha. - Fica aí olhando a parede como uma boa menina débil mental. Preciso ver uma coisinha...
Fernanda colou a orelha na porta e ficou satisfeita que não ouviu nenhum som no corredor. Foi ao armário, pegou o baú de joias e pegou um anel de esmeralda.
"Vamos ver quanto vale."
Guardou o anel no bolso do avental e devolveu o baú para o seu lugar. Depois conduziu Dona Vitória à sala de jantar.
                                     *********************
Como sempre, o jantar no casarão era como um ritual, com cada um sentado em seu devido lugar e na cabeceira, um prato virado para cima com os talheres perfilados para uma cadeira vazia.
Vera mal falou com Aurélio quando ele chegou da rua. Estava envolvida naquele mistério da mulher do retrato que até se esqueceu do castigo das crianças. Aurélio era outro absorto em pensamentos. Planejava nos mínimos detalhes a noite que iria ter com a empregada. Mal sentia o gosto da comida. Comeu mecanicamente o jantar e mal terminou, levantou-se e disse que ia deitar.
Anabela continuava magoada com o seu pai. Ainda não se conformava que ele acreditava mais numa estranha que nela, sua filha favorita. Sentada à mesa, observava a bruxa alimentando sua avó. Tinha medo dela. Muito medo.
Juninho mal tocou no prato. Estava com dor de cabeça e sentia calafrios. Sua mãe não notou que ele estava com febre. Devia estar muito zangada com ele...
Dequinha comeu tudo e pediu para repetir. Quando Fernanda trouxe outro prato para ela, a menina sorriu e piscou o olho direito. Ela adorava a nova empregada!
Dona Vitória só tinha olhos para Fernanda. A cada colherada, escancarava a boca desdentada e passava a língua nos lábios. Sentia-se afortunada por ter a moça ao seu lado.
Fernanda raspava o resto da sopa no prato que segurava e imaginava a cara do idiota mais tarde. Era hilário! Teve que se controlar pra não soltar uma gargalhada. Não ia ficar bem ali no jantar. Mas que seria engraçado, seria.
Esse foi mais um jantar no casarão.
Silencioso e cada um perdido nos seus pensamentos.
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O relógio em cima do criado mudo marcava meia-noite e meia. Aurélio estava deitado de lado, de olhos bem abertos, ouvindo o ressonar de Vera ao seu lado, deitada de costas para ele.
Depois que ele tomou banho, viu sua esposa deitada de barriga para cima fitando o teto, no mais completo silêncio. Ele ajeitou os dois travesseiros que usava e antes de deitar, perguntou:
- Quando cheguei, você disse que queria falar comigo.
Vera assustou-se com a voz dele; estava imersa em pensamentos sobre a estranha moça do retrato. Ela deu as costas e murmurou:
- Agora não, Aurélio, deixa pra amanhã.
Intrigado, ele deitou de lado. Estava sem camisa e só usava uma cueca samba canção. Sua esposa andara estranha naquela noite. Mal abriu a boca no jantar...
"Vai me mandar embora - chegou a essa conclusão. - Dessa vez a coisa é séria... Vai me expulsar da sua casa!"
Se fosse isso mesmo, ele ia protelar a decisão. Inventaria mil desculpas, diria que estava doente, que não ia ficar longe das crianças, que não tinha dinheiro para alugar uma quitinete...
Conhecia o gênio da esposa. Se ela decidisse pela separação, nada faria que voltasse atrás. Vera não era o tipo de mulher que se comovia facilmente com uma chantagem.
E ele indo embora, podia também dizer adeus aos cem mil reais e sua possibilidade de uma independência financeira.
Os minutos foram passando e os dois, como estranhos, ficaram imóveis na cama de casal. Quando ouviu Vera ressonando, ele se levantou devagar. Saiu descalço do quarto e atravessou o corredor escuro para a cozinha.
Bebeu um gole d'água e entrou na área. Por um momento esqueceu de sua mulher e da possível ameaça de despejo. O objetivo agora estava atrás da porta descascada do quartinho de empregada. Era ali que ia desafogar suas angústias...
Bateu com os nós dos dedos na porta. A área estava quase às escuras. Pelo basculhante da janela fechada, um feixe de luz amarelado vinha dos postes da rua.
Bateu de novo e a porta abriu. Fernanda surgiu linda, com os cabelos soltos, usando uma camisola transparente. Aurélio segurou-lhe os braços e a empurrou para dentro.
Fernanda lutou e empurrou ele de volta. Aurélio não entendeu:
- O que foi?
- Não podemos...
Aurélio sorriu.
- Já disse que não vou magoa-la como os outros...
- Não é isso. - Os olhos dela brilhavam. - Eu sei que o senhor nunca iria me magoar...
Ele passou sua mão direita levemente sobre os seios empinados da moça e disse, com a voz seca:
- Vamos logo... Vera tem o sono pesado... Ninguém vai ouvir seus gritos...
Ela afastou a mão dele e disse:
- Não podemos fazer nada hoje... - Ela abriu mais a porta e Aurélio viu Dequinha deitada na cama de solteiro da empregada.
Furioso, se controlou para não gritar:
- O que ela tá fazendo aqui?
- Ela tava com medo - Fernanda explicou. - Disse que o quarto dela estava escuro e cheio de fantasmas... Veio aqui e perguntou se podia dormir comigo, como fazia com Belinda... Fiquei comovida e deixei... Não fica zangado comigo...
- Eu... eu... - Aurélio estava a ponto de explodir. - Logo hoje!!!!
- Amanhã vou comprar uma lâmpada pra ela... e o senhor pode vir me visitar...
Sem alternativa, Aurélio viu Fernanda fechando a porta na sua frente. Voltou desolado para a sala e sentou-se na sua poltrona.
Passou a noite em claro, sentado na poltrona, na escuridão da sala.
                        *******************
Enquanto abraçava Dequinha, Fernanda não conseguia segurar o sorriso. Adorou  ver a decepção na cara do idiota.
"Tá achando que as coisas são fáceis - pensou ela, acariciando os cabelos da menina que dormia chupando o dedo. - Vai aprender que comigo as coisas não são como quer... Vamos transar sim... só que vai ser no seu quarto, na cama que tua mulher dorme! Ali sim, abro as pernas pra você... Só ali!"

Continua...

Rogerio de C. Ribeiro

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