- O cara tá incomodando, Maresia?
Não havia ninguém no corredor naquela hora. Maresia olhou de um lado ao outro e disse:
- Tá. Xavier não quer mais papo com ele.
- Espera! Espera... - disse Aurélio. - Meu trato é com ele e...
Abelhão passou por Maresia e parou em frente de Aurélio. Puxou a pistola debaixo da camisa e puxou a trava. Apontou.
- Pode rezar... Xavier não gosta de merdinha como você!
Aurélio ficou vesgo com o cano na sua frente. Maresia disse:
- Perdeu, mané!
-
Tem sete dias que saí daqui, mas parece que são sete meses - disse Belinda,
sentada à mesa na cozinha.
A
janela estava aberta e o sol invadia a cozinha. Fazia muito calor e Belinda
bebia água. Vera estava sentada no outro lado da mesa, com um álbum na mão.
-
Desculpe por ter te chamado assim, mas acredito que você pode me ajudar - disse
Vera. Ela abriu o álbum e Belinda viu algumas fotos em preto e branco.
-
Sem nenhum problema, dona Vera.
-
Vou direto ao assunto, Belinda. Ontem achei esse álbum na garagem.
Belinda
continuou em silêncio. Ela esvaziou o copo d'água e esperou.
-
O que me estranha é que nunca tinha visto esse álbum antes.
-
Mesmo?
-
Com certeza, Belinda. - Vera puxou um retrato do plástico e estendeu para a
frente. Belinda pegou e olhou. - Sabe quem é essa moça da foto?
Belinda
olhou, virou o retrato ao contrário, olhou de novo e respondeu:
-
Dona Vitória mais nova. - Devolveu a foto.
-
Não, errou.
-
Ué... É dona Vitória sim!
-
Minha mãe tinha quinze anos em 1961. E essa mulher não tem cara de adolescente
nem aqui, nem na China.
Belinda
pediu licença e puxou o álbum. Virou as páginas e decretou:
-
Dona Vera, essa moça é sua mãe sim.
-
Aí que está, Belinda. No início também acreditei nisso. Mostrei para minha mãe
e ela disse um nome.
-
Que nome?
-
Gláucia. Você conheceu alguém com esse nome?
-
Gláucia... - repetiu Belinda.
*******************
Aurélio
ficou vesgo enquanto olhava o cano da pistola na sua frente. De relance
percebeu que Abelhão sorria, um sorriso sádico.
De
repente a arma baixou. Maresia agarrou o braço do capanga e disse, zangado:
-
Tá maluco, Abelhão?
-
Aposto que ele se cagou todo - disse Abelhão ainda sorrindo enquanto guardava a
pistola. - Xavier me deu ordens em despachar esse idiota pra bem longe.
Recuperando
um pouco de fôlego, Aurélio disse:
-
O que está acontecendo?
-
O que tá havendo é o seguinte - disse Maresia. - Xavier depositou toda
confiança no seu sucesso e agora tá se aporrinhando com o cliente.
-
Eu pedi um prazo maior...
-
Chega de prazos - Eles continuavam parados no corredor. - O cliente tá quase
desistindo do negócio.
-
Não foi isso que ouvi da mulher...
-
Que mulher?
-
Não sei quem é ela, mas pelo jeito como falou sabe muito bem do negócio.
Maresia
agarrou Aurélio pelo colarinho e disse:
-
Que história maluca é essa de mulher?
Aurélio
se afastou.
-
Também queria saber.
-
Olha, vou te dar um conselho... some daqui, nunca mais apareça por aqui. Se
tentar mais uma, quem vai te apontar uma arma sou eu... e atiro na tua cara!
Maresia
e Abelhão entraram no escritório e bateram com a porta na cara de Aurélio.
"E
essa agora? O que vou fazer?"
***********************
-
Mulher? - disse Xavier, coçando o nariz com um pano.
-
Foi o que ele falou - disse Maresia.
Xavier
largou o pano em cima da mesa e murmurou:
-
Esse cara tá com alguma coisa em mente... e não tô gostando nadinha.
-
O que vai fazer?
-
Ainda não sei... vou fazer uma ligação... Vamos ver o que ele vai falar...
**************************
Belinda
respondeu:
-
Não conheço e nem conheci nenhuma Gláucia, dona Vera.
-
Puxe pela memória...
Belinda
sorriu, constrangida:
-
Olha, se tivesse conhecido alguém com esse nome, certamente te diria.
Vera
reclamou:
-
Belinda, você serviu à minha mãe durante trinta anos. Não é possível que nesses
anos todos não tenha ouvido algo vindo dos meus pais...
Belinda
cortou:
-
Dona Vera, assim a senhora me ofende. Nunca ouvi nenhuma conversa particular
dos seus pais. Sempre soube onde era o meu lugar nessa casa.
Vera
se levantou e caminhou até a janela. Dali, via o canil abandonado e o viveiro
vazio.
-
Como foi que minha mãe te contratou?
-
Senhora??
Vera
virou-se e disse, ríspida:
-
Pelo que me lembro, mamãe sempre foi exigente com empregados. Tem uma coisa que
me encasqueta... Como conseguiu aturar o gênio instável da minha mãe?
-
Sua mãe tinha um gênio difícil, mas eu sempre soube lidar com isso...
-
Belinda, você está mentindo...
Os
olhos da negra arregalaram. Vera apontou o dedo e decretou:
-
Você conheceu essa Gláucia! Não minta mais... Conte a verdade...
Continua...
Rogerio de C. Ribeiro
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